O Pântano
Podem vê-lo, sem dor, meus semelhantes!
Mas, para mim que a Natureza escuto,
Este pântano é o túmulo absoluto,
De todas as grandezas começantes!Larvas desconhecidas de gigantes
Sobre o seu leito de peçonha e luto
Dormem tranqüilamente o sono bruto
Dos superorganismos ainda infantes!Em sua estagnação arde uma raça,
Tragicamente, à espera de quem passa
Para abrir-lhe, às escâncaras, a porta…E eu sinto a angústia dessa raça ardente
Condenada a esperar perpetuamente
No universo esmagado da água morta!
Sonetos sobre Leito
33 resultadosPor Que Falar De Amor ?
“Por Que Falar De Amor ?”
III
Se era preciso ser assim ferido
para ter-te em meus braços e em meu leito,
e sofrer tudo o que já foi sofrido
e aceitar tudo o que já está desfeito…Se era preciso, para ser querido,
ver também, rudemente contrafeito
o coração de ciúmes corrompido
em silêncio, a chorar, dentro do peito!Se era preciso destruir-me tanto
nesses desejos em que se consomem
os restos de um orgulho que foi canto,por que falar de amor? Foste lograda:
tu não tens aos teus pés o amor de um homem,
tens um fauno de rastros… e mais nada!
Versos D’um Exilado
Eu vou partir. Na límpida corrente
Rasga o batel o leito d’água fina
– Albatroz deslizando mansamente
Como se fosse vaporosa Ondina.Exilado de ti, oh! Pátria! Ausente
Irei cantar a mágoa peregrina
Como canta o pastor a matutina
Trova d’amor, à luz do sol nascente!Não mais virei talvez e, lá sozinho,
Hei de lembrar-me do meu pátrio ninho,
D’onde levo comigo a nostalgiaE esta lembrança que hoje me quebranta
E que eu levo hoje como a imagem santa
Dos sonhos todos que já tive um dia!
Soneto De Maio
Suavemente Maio se insinua
Por entre os véus de Abril, o mês cruel
E lava o ar de anil, alegra a rua
Alumbra os astros e aproxima o céu.Até a lua, a casta e branca lua
Esquecido o pudor, baixa o dossel
E em seu leito de plumas fica nua
A destilar seu luminoso mel.Raia a aurora tão tímida e tão fragil
Que através do seu corpo tranparente
Dir-se-ia poder-se ver o rostoCarregado de inveja e de presságio
Dos irmãos Junho e Julho, friamente
Preparando as catástrofes de Agosto…
A um Corpo Perfeito
Nenhum corpo mais lacteo e sem defeito
Mais roseo, esculptural e femenino,
Pode igualar-se ao seu, branco e divino
Immovel, nù, sobre o comprido leito! –Nada te eguala! O ferro do assassino
Podia, hoje, matal-a, que o meu peito
Seria o esquife embalsamado e fino
D’aquelle corpo sem rival, perfeito.Por isso é muito altiva e apetecida; –
E o goso sensual de a vêr vencida
Ha de ser forte, extranho e singular…Como o das cousas dignas de castigo;
– Ou d’um amante sacerdote antigo,
Derrubando uma deusa d’um altar.
O Primeiro Filho
A virgem de ontem é já hoje mãe:
O leito azul e branco do noivado
Ei-lo, em bem pouco tempo, transformado
Num berço onde existe mais alguém.Na rósea alcova atapetada, além,
Uma velhota, ex-noiva do passado,
Beijando o pequenito com cuidado,
Diz: — Bom tempo em que eu fui assim, também.No entanto a boa mãe cheia de Graça,
Estende-se no leito, exausta e lassa,
Cercada duma auréola de luz.E beijando o filhito que adormece,
Olhada assim, de súbito, parece
A Virgem Mãe a acalentar Jesus…
Amar quem Está tão Próximo da Morte
Esta estação do ano podes vê-la
em mim: folhas caindo ou já caídas;
ramos que o frémito do frio gela;
árvore em ruína, aves despedidas.E podes ver em mim, crepuscular,
o dia que se extingue sobre o poente,
com a noite sem astros a anunciar
o repouso da morte, gradualmente.Ou podes ver o lume extraordinário,
morrendo do que vive: a claridade,
deitado sobre o leito mortuário
que é a cinza da sua mocidade.Eis o que torna o teu amor mais forte:
amar quem está tão próximo da morte.Tradução de Carlos de Oliveira
Bom Dia, Amigo Sol!
Bom dia, amigo Sol! A casa é tua!
As bandas da janela abre e escancara,
– deixa que entre a manhã sonora e clara
que anda lá fora alegre pela rua!Entre! Vem surpreendê-la quase nua,
doura-lhe as formas de beleza rara…
Na intimidade em que a deixei, repara
Que a sua carne é branca como a Lua!Bom dia, amigo Sol! É esse o meu ninho…
Que não repares no seu desalinho
nem no ar cheio de sombras, de cansaços…Entra! Só tu possuis esse direito,
– de surpreendê-la, quente dos meus braços,
no aconchego feliz do nosso leito!…
Alma a Sangrar
Quem fez ao sapo o leito carmesim
De rosas desfolhadas à noitinha?
E quem vestiu de monja a andorinha,
E perfumou as sombras do jardim?Quem cinzelou estrelas no jasmim?
Quem deu esses cabelos de rainha
Ao girassol? Quem fez o mar? E a minha
Alma a sangrar? Quem me criou a mim?Quem fez os homens e deu vida aos lobos?
Santa Teresa em místicos arroubos?
Os monstros? E os profetas? E o luar?Quem nos deu asas para andar de rastros?
Quem nos deu olhos para ver os astros
– Sem nos dar braços para os alcançar?!…
O Camarim
A luz do sol afaga docemente
As bordadas cortinas de escumilha;
Penetrantes aromas de baunilha
Ondulam pelo tépido ambiente.Sobre a estante do piano reluzente
Repousa a Norma, e ao lado uma quadrilha;
E do leito francês nas colchas brilha
De um cão de raça o olhar inteligente.Ao pé das longas vestes, descuidadas
Dormem nos arabescos do tapete
Duas leves botinas delicadas.Sobre a mesa emurchece um ramalhete,
E entre um leque e umas luvas perfumadas
Cintila um caprichoso bracelete.
Pálida, À Luz Da Lâmpada Sombria
Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!Era a virgem do mar! na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!Era mais bela! o seio palpitando…
Negros olhos as pálpebras abrindo…
Formas nuas no leito resvalando…Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti – as noites eu velei chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
Jovens Filhos Da Pátria, Em Vossos Peitos
Jovens filhos da pátria, em vossos peitos
Depõe a pátria seu porvir de glória:
Revolve sonhos de imortal de imortal memória,
Adejando inquieta em vossos leitos.De vós espera sublimados feitos,
P’ra ornar de palmas a futura história;
Espera em vós, como espera em Dória,
Dória tão jovem, como vós, nos pleitos.Atletas do porvir, marchai seguros
Da liberdade à festa sacrossanta,
A levantar-lhe mais altivos muros.Marchai: – que aos livres nem o céu suplanta,
E o índio do Brasil, sem elmos duros,
No olhar sòmente os déspotas espanta.
A Carolina
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.Trago-te flores, – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
Consulta
Chamei em volta do meu frio leito
As memórias melhores de outra idade,
Formas vagas, que às noites, com piedade,
Se inclinam, a espreitar, sobre o meu peito…E disse-lhes: No mundo imenso e estreito
Valia a pena, acaso, em ansiedade
Ter nascido? Dizei-mo com verdade,
Pobres memórias que eu ao seio estreito.Mas elas perturbaram-se – coitadas!
E empalideceram, contristadas,
Ainda a mais feliz, a mais serena…E cada uma delas, lentamente,
Com um sorriso mórbido, pungente,
Me respondeu: – Não, não valia a pena!
Miserável
A Carvalho Junior.
O noivo, como noivo, é repugnante:
Materialão, estúpido, chorudo,
Arrotando, a propósito de tudo,
O ser comendador e negociante.Tem a viuvinha, a noiva interessante,
Todo o arsenal de um poeta guedelhudo:
Alabastro, marfim, coral, veludo,
Azeviche, safira e tutti quanti.Da misteriosa alcova a porta geme,
O noivo dorme n’um lençol envolto…
Entra a viuvinha, a noiva… Oh, céu, contem-me!Ela deita-se… espera… Qual! Revolto,
O leito estala… Ela suspira… freme…,
E o miserável dorme a sono solto!…
Falando Ao Céu
Falas ao Céu, Amor! Em vão tu falas!
Mas o céu, esse é velho, esse é velhinho,
Todo ele é branco, faz lembrar o linho
Dos leitos alvos onde tu te embalas.A alma do céu é como velhas salas
Sem ar, sem luz, como lares sem vinho
Sem água e pão, sem fogo e sem carinho,
Sem as mais toscas, as mais simples galas.Sempre surdo, hoje o céu é mudo, é cego…
Jamais o coração ao céu entrego,
Eu que tão cego vou por entre abrolhos.Mas se queres tornar jovem e louro
Dá-lhe o bordão do teu amor um pouco
Fala e vista, com a vida dos teus olhos…
Ângelus
Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Ângelus ao soluço agoniado e plangente.Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepúsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.Nest’hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mágoa me invade,Quisera ser o som, ser a noite, ébria e douda
De trevas, o silêncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.
Espectros
Espectros que velais, enquanto a custo
Adormeço um momento, e que inclinados
Sobre os meus sonos curtos e cansados
Me encheis as noites de agonia e susto!…De que me vale a mim ser puro e justo,
E entre combates sempre renovados
Disputar dia a dia à mão dos Fados
Uma parcela do saber augusto,Se a minh’alma há-de ver, sobre si fitos,
Sempre esses olhos trágicos, malditos!
Se até dormindo, com angústia imensa,Bem os sinto verter sobre o meu leito,
Uma a uma verter sobre o meu peito
As lágrimas geladas da descrença!
Primeiras Vigílias
Dos revoltos lençóis sobre o deserto
Despejava-se, em ondas silenciosas,
O luar dessas noites vaporosas,
De seu lânguido cálix todo aberto.Rangia a cama, e deslizavam, perto
Alvas, femíneas formas ondulosas;
E eu a idear, nas ânsias amorosas,
Uns ombros nus, um colo descoberto.E a gemer: – “Abeirai-vos de meu leito,
Ó sensuais visões da adolescência,
E inflamai-vos na pira em que me inflamo!Fervem paixões despertas no meu peito;
Descai a flor virgínea da inocência,
E irrompe o fruto dolorido… Eu amo!”
Junto Dele
Que terrivel tragedia ver a gente,
No seu exiguo e doloroso leito,
Uma creança morta, um Inocente,
Um pequenino Amôr inda perfeito!Oh que mimosa palidês tremente
A do gélido rôsto contrafeito!
A as mãosinhas de cêra, docemente,
Ó dôr, ó dôr, cruzadas sobre o peito!Ó Deus cruel que matas as Creanças!
Auroras para o nosso coração,
Alegrias, alivios, esperanças!Não sei quem és; eu não te entendo, Deus!
E penso, com terror, na escuridão
Desse teu Reino tragico dos Céus…