LV
Em profundo silêncio já descansa
Todo o mortal; e a minha triste idéia
Se estende, se dilata, se recreia
Pelo espaçoso campo da lembrança.Fatiga-se, prossegue, em vão se cansa;
E neste vário giro, em que se enleia,
Ao duvidoso passo já receia,
Que lhe possa faltar a segurança.Que diferente tudo está notando!
Que perplexo as imagens do perdido
Num e noutro despojo vem achando!Este nĂŁo Ă© o templo (eu o duvido)
Assim o afirma, assim o está mostrando:
Ou morreu Nise, ou este nĂŁo Ă© Fido.
Sonetos sobre Lembranças de Cláudio Manuel da Costa
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MemĂłrias do presente, e do passado
Fazem guerra cruel dentro em meu peito;
E bem que ao sofrimento ando já feito,
Mais que nunca desperta hoje o cuidado.Que diferente, que diverso estado
É este, em que somente o triste efeito
Da pena, a que meu mal me tem sujeito,
Me acompanha entre aflito, e magoado!Tristes lembranças! e que em vão componho
A memĂłria da vossa sombra escura!
Que nĂ©scio em vĂłs a ponderar me ponho!Ide-vos; que em tĂŁo mĂsera loucura
Todo o passado bem tenho por sonho;
SĂł Ă© certa a presente desventura.
XXXIV
Que feliz fora o mundo, se perdida
A lembrança de amor, de amor a glória,
Igualmente dos gostos a memĂłria
Ficasse para sempre consumida!Mas a pena mais triste, e mais crescida
É ver; que em nenhum tempo é transitória
Esta de amor fantástica vitória,
Que sempre na lembrança é repetida.Amantes, os que ardeis nesse cuidado,
Fugi de amor ao venenoso intento,
Que lá para o depois vos tem guardado.Não vos engane o infiel contentamento;
Que esse presente bem, quando passado,
Sobrará para idéia do tormento.
LII
Que molesta lembrança, que cansada
Fadiga Ă© esta! vejo-me oprimido,
Medindo pela magoa do perdido
A grandeza da glória já passada.Foi grande a dita sim; porem lembrada,
Inda a pena Ă© maior de a haver perdido;
Quem nĂŁo fora feliz, se o haver sido
Faz, que seja a paixĂŁo mais avultada!PropĂcio imaginei (Ă© bem verdade)
O malévolo fado: oh quem pudera
Conhecer logo a hipĂłcrita piedade!Mas que em vĂŁo esta dor me desespera,
Se já entorpecida a enfermidade
Inda agora o remédio se pondera!
LVII
Bela imagem, emprego idolatrado,
Que sempre na memĂłria repetido,
Estás, doce ocasião de meu gemido,
Assegurando a fé de meu cuidado.Tem-te a minha saudade retratado;
NĂŁo para dar alĂvio a meu sentido;
Antes cuido; que a mágoa do perdido
Quer aumentar coa pena de lembrado.NĂŁo julgues, que me alento com trazer-te
Sempre viva na idéia; que a vingança
De minha sorte todo o bem perverte.Que alĂvio em te lembrar minha alma alcança,
Se do mesmo tormento de nĂŁo ver-te,
Se forma o desafogo da lembrança ?
XXX
NĂŁo se passa, meu bem, na noite, e dia
Uma hora sĂł, que a mĂsera lembrança
Te não tenha presente na mudança,
Que fez, para meu mal, minha alegria.Mil imagens debuxa a fantasia,
Com que mais me atormenta e mais me cansa:
Pois se tão longe estou de uma esperança,
Que alĂvio pode dar me esta porfia!Tirano foi comigo o fado ingrato;
Que crendo, em te roubar, pouca vitĂłria,
Me deixou para sempre o teu retrato:Eu me alegrara da passada glĂłria,
Se quando me faltou teu doce trato,
Me faltara também dele a memória.