Sonetos sobre Lembranças

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Sonetos de lembranças escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

L

MemĂłrias do presente, e do passado
Fazem guerra cruel dentro em meu peito;
E bem que ao sofrimento ando já feito,
Mais que nunca desperta hoje o cuidado.

Que diferente, que diverso estado
É este, em que somente o triste efeito
Da pena, a que meu mal me tem sujeito,
Me acompanha entre aflito, e magoado!

Tristes lembranças! e que em vão componho
A memĂłria da vossa sombra escura!
Que néscio em vós a ponderar me ponho!

Ide-vos; que em tĂŁo mĂ­sera loucura
Todo o passado bem tenho por sonho;
SĂł Ă© certa a presente desventura.

Me Vejo com MemĂłrias Perseguido

Se quando vos perdi, minha esperança,
A memĂłria perdera juntamente
Do doce bem passado e mal presente,
Pouco sentira a dor de tal mudança.

Mas Amor, em quem tinha confiança,
Me representa mui miudamente
Quantas vezes me vi ledo e contente,
Por me tirar a vida esta lembrança.

De cousas de que apenas um sinal
Havia, porque as dei ao esquecimento,
Me vejo com memĂłrias perseguido.

Ah dura estrela minha! Ah grĂŁo tormento!
Que mal pode ser mor, que no meu mal
Ter lembranças do bem que é já passado?

Presença

SĂł saberei de ti pelos teus olhos,
que falam mais que a tua fala pouca.
Doce memĂłria (irei buscar-te sempre)
encilhada a essa Ă©gua dos minutos,

onde os ponteiros trotam meus desejos,
avivando a paisagem na lembrança
vinda de ti, e em mim reconstruĂ­da.
Essa presença, em passos e pegadas,

passeia no meu corpo, agora estrada,
caminho teu; submisso, eis meu segredo.
Que abrigar teus pés, possa, novamente,

o meu sereno peito fatigado.
Este que anseia teu corpo presente
olho no olho na véspera do gozo.

Lágrimas Tristes Tomarão Vingança

Se somente hora alguma em vĂłs piedade
De tĂŁo longo tormento se sentira,
Amor sofrera, mal que eu me partira
De vossos olhos, minha saudade.

Apartei-me de vĂłs, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira,
Me faz crer que esta ausĂŞncia Ă© de mentira;
Porém venho a provar que é de verdade.

Ir-me-ei, Senhora; e neste apartamento
Lágrimas tristes tomarão vingança
Nos olhos de quem fostes mantimento.

Desta arte darei vida a meu tormento,
Que, enfim, cá me achará minha lembrança
Sepultado no vosso esquecimento.

É no Meu Corpo que Morreste

Ă© no meu corpo que morreste. agora
temos o tempo todo
ao nosso lado, como
um lodo onde dormitam as

conhecidas maneiras.
algumas nuvens se aproximam, e depois
se afastam, numa duvidosa
manifestação de imperícia;

os animais falantes
atravessam corredores iluminados,
embarcam na

sossegada lembrança dos sonetos,
o leve sono que pesou no dia.
Ă© no meu corpo que morreste, agora.

Com Grandes Esperanças Já Cantei

Com grandes esperanças já cantei,
com que os deuses no Olimpo conquistara;
despois vim a chorar porque cantara
e agora choro já porque chorei.

Se cuido nas passadas que já dei,
custa me esta lembrança só tão cara
que a dor de ver as mágoas que passara
tenho pola mor mágoa que passei.

Pois logo, se está claro que um tormento
dá causa que outro n’alma se acrescente,
já nunca posso ter contentamento.

Mas esta fantasia se me mente?
Oh! ocioso e cego pensamento!
Ainda eu imagino em ser contente?

Eu Vivia De Lágrimas Isento

Eu vivia de lágrimas isento,
num engano tĂŁo doce e deleitoso
que em que outro amante fosse mais ditoso,
nĂŁo valiam mil glĂłrias um tormento.

Vendo-me possuir tal pensamento,
de nenhĂĽa riqueza era envejoso;
vivia bem, de nada receoso,
com doce amor e doce sentimento.

Cobiçosa, a Fortuna me tirou
deste meu tĂŁo contente e alegre estado,
e passou-me este bem, que nunca fora:

em troco do qual bem sĂł me deixou
lembranças, que me matam cada hora,
trazendo-me Ă  memĂłria o bem passado.

Parto-me desses Olhos Graciosos

Bem pode, SĂ­lvia minha, qualquer serra
tirar a estes meus olhos sua glĂłria,
qualquer monte terá de mim vitória,
qualquer pequeno espaço, enfim, de terra.

Mas contra um pensamento fazem guerra,
que traz em si pintada vossa histĂłria,
e quanto mais contrastes, mais memĂłria
conserva um coração que vos encerra.

Parto-me desses olhos graciosos,
mas por eles vos juro, que mudança
se nĂŁo veja nos meus eternamente,

Que a mágoa de os ver ficar chorosos
estímulo será para a lembrança
de quem se vĂŞ de vĂłs viver ausente.

De Vós Me Aparto, Ó Vida! Em Tal Mudança

De vós me aparto, ó vida! Em tal mudança,
sinto vivo da morte o sentimento.
NĂŁo sei para que Ă© ter contentamento,
se mais há de perder quem mais alcança.

Mas dou vos esta firme segurança
que, posto que me mate meu tormento,
pelas águas do eterno esquecimento
segura passará minha lembrança.

Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
que com qualquer cous’ outra se contentem;
antes os esqueçais, que vos esqueçam.

Antes nesta lembrança se atormentem,
que com esquecimento desmereçam
a glĂłria que em sofrer tal pena sentem.

Soneto De Um Casamento

Na sala de luz lĂ­vida, sorriam
Sombras imĂłveis; e outras lacrimosas
Perseguiam lembranças dolorosas
Na exaltação das flores que morriam.

Em vácuos de perfume, descaíam
Diáfanos, de diáfanas mãos piedosas
Fátuos sons de brilhantes que fremiam
Entre a crepitação lenta das rosas.

Nas taças cheias acendiam círios
Votivos, e entre as taças e o lírios
Vozes veladas, nessa mesa posta

Velavam… enquanto plácida e perdida
Irreal e longĂ­nqua como a vida
Toda de branco perpassava a Morta.

Sofrer Por Sofrer

Parti. Quis te deixar abandonada
às lembranças do amor que nos prendeu.
Trouxe comigo, na alma torturada,
um ciĂşme atroz ciumentamente meu…

Fugi… fuga cruel, desesperada,
quando supus que nosso amor morreu…
Fuga inĂştil, se ainda Ă©s a minha amada,
se continuo inteiramente seu!

NĂŁo, nĂŁo me livro deste amor nefasto,
nem dessa angĂşstia, dessa luta, desse
ciĂşme que aumenta quanto mais me afasto…

E hoje concluĂ­, fugindo de meus passos,
que sofrer por sofrer, antes sofresse
como sempre sofri… mas nos teus braços!

XXXIV

Que feliz fora o mundo, se perdida
A lembrança de amor, de amor a glória,
Igualmente dos gostos a memĂłria
Ficasse para sempre consumida!

Mas a pena mais triste, e mais crescida
É ver; que em nenhum tempo é transitória
Esta de amor fantástica vitória,
Que sempre na lembrança é repetida.

Amantes, os que ardeis nesse cuidado,
Fugi de amor ao venenoso intento,
Que lá para o depois vos tem guardado.

NĂŁo vos engane o infiel contentamento;
Que esse presente bem, quando passado,
Sobrará para idéia do tormento.

VolĂşpia

Quisera te associar Ă  pureza e Ă  candura
quando pensasse em ti… Mas a emoção, teimosa,
transforma sem querer toda a minha ternura
numa estranha lembrança ardente voluptuosa…

NĂŁo poderei dizer apenas que Ă©s formosa
quando a prĂłpria beleza em ti se transfigura,
– e pela tua carne há pĂ©talas de rosa
e no teu corpo há um canto fresco de água pura!

Um sincero pudor vislumbro em teus enleios,
mas se disser que te amo com pureza, eu minto,
– no olhar trago tatuada a visĂŁo de teus seios…

E em vão tento associar-te ao céu, à fonte, à flor!
Quando falo de ti, penso em teu corpo, e sinto
que ainda estremece em mim teu Ăşltimo estertor!

Soneto 263 A Mama Cass

Se magra Ă© minha Sandra carioca,
gordona foi Cassandra, outro tesĂŁo
das minhas fantasias, que hoje sĂŁo
lembranças se a vitrola, ao fundo, toca.

Mulher o meu desejo sĂł provoca
se for ou varapau ou balofĂŁo:
oitenta ou oito; o meio termo nĂŁo.
Por isso a Mama Cass, morta, me choca.

Um simples sanduĂ­che nos privava,
fatĂ­dico, entalado na garganta,
daquela voz famosa, que nĂŁo grava

mais coisas como aquilo que me encanta:
“Palavras de amor”. Cass, vocĂŞ foi brava!
Nenhum peso mais alto se alevanta!

Ă€ MemĂłria De Uma Ave

Quando morre uma criança,
Diz-se que o pálido anjinho
Voou como uma esperança.
Foi para o céu direitinho.

Mas nossa mente se cansa
A voar de ninho em ninho,
Interrogando a lembrança,
Quando morre um passarinho.

Só eu, se alguém diz que a vida
De uma avesinha querida
Se extingue como um clarĂŁo.

Ponho-me a rir, pois, divina!
Ouço cantar, em surdina,
Tu’alma em meu coração.

Celeste

Aos corações ideais

Lembra-me ainda — ao lado de um repuxo,
Pela brancura de um luar de agosto,
O teu maninho, um loiro pequerrucho
Brincava, rindo, te afagando o rosto…

Lembra-me ainda — as sombras do sol posto,
Numa saleta sem brasões de luxo,
De alguns bordados de fineza e gosto
Delineavas o gentil debuxo…

E o gás que forte e cintilante ardia,
Te iluminava, te alagava… ria…
Da luz ficavas no imponente abrigo.

E agora… deixa que ao cair da noite,
Esta lembrança dentro de mim se acoite,
Como a andorinha no telhado amigo!

Somente em Ser Mudável Tem Firmeza

Todo animal da calma repousava,
SĂł Liso o ardor dela nĂŁo sentia;
Que o repouso do fogo, em que ele ardia,
Consistia na Ninfa que buscava.

Os montes parecia que abalava
O triste som das mágoas que dizia:
Mas nada o duro peito comovia,
Que na vontade de outro posto estava.

Cansado já de andar pela espessura,
No tronco de uma faia, por lembrança
Escreve estas palavras de tristeza:

Nunca ponha ninguém sua esperança
Em peito feminil, que de natura
Somente em ser mudável tem firmeza.

Bilhete

O teu vulto ficou na lembrança guardado,
vivo, por muitas horas!… e em meus olhos baços
Fitei-te – como alguĂ©m que ansioso e torturado
Tentasse inutilmente reavivar teus traços…

Num relance te vi – depois, quase irritado
Fugi, – e reparei que ao marcar os meus passos
ia a dizer teu nome e a ver por todo lado
o teu vulto… o teu rosto… e o clarĂŁo dos teus braços!

Talvez eu faça mal em querer ser sincero,
censurarás – quem sabe? Essa minha ousadia,
e pensarás atĂ© que minto, e que exagero…

Ou dirás, que eu falar-te nesse tom, não devo,
que o que escrevo Ă© infantil e absurdo, Ă© fantasia,
e afinal tens razĂŁo… nem sei por que te escrevo!

Sustenta Meu Viver Üa Esperança

Sustenta meu viver üa esperança
derivada de um bem tĂŁo desejado
que, quando nela estou mais confiado,
mor dúvida me põe qualquer mudança.

E quando inda este bem na mor pujança
de seus gostos me tem mais enlevado,
me atormenta então ver eu que, alcançado
será por quem de vós não tem lembrança.

Assi, que nestas redes enlaçado,
a penas dou a vida , sustentando
üa nova matéria a meu cuidado .

Suspiros d’alma tristes arrancando,
dos silvos de ua pedra acompanhado,
estou matérias tristes lamentando.

XV

Inda hoje, o livro do passado abrindo,
Lembro-as e punge-me a lembrança delas;
Lembro-as, e vejo-as, como as vi partindo,
Estas cantando, soluçando aquelas.

Umas, de meigo olhar piedoso e lindo,
Sob as rosas de neve das capelas;
Outras, de lábios de coral, sorrindo,
Desnudo o seio, lĂşbricas e belas…

Todas, formosas como tu, chegaram,
Partiram… e, ao partir, dentro em meu seio
Todo o veneno da paixĂŁo deixaram.

Mas, ah! nenhuma teve o teu encanto,
Nem teve olhar como esse olhar, tĂŁo cheio
De luz tĂŁo viva, que abrasasse tanto.