Sonetos sobre LĂ­rio

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Sonetos de lírio escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Lágrimas

A meu irmão João Câncio

Eu nĂŁo sei o que tenho… Essa tristeza
Que um sorriso de amor nem mesmo aclara,
Parece vir de alguma fonte amara
Ou de um rio de dor na correnteza.
Minh’alma triste na agonia presa,
NĂŁo compreende esta ventura clara,
Essa harmonia maviosa e rara
Que ouve cantar além, pela devesa.

Eu nĂŁo sei o que tenho… Esse martĂ­rio,
Essa saudade roxa como um lĂ­rio,
Pranto sem fim que dos meus olhos corre,

Ai, deve ser o trágico tormento,
O estertor prolongado, lento, lento,
Do Ăşltimo adeus de um coração que morre…

X

Hirta e branca… Repousa a sua áurea cabeça
Numa almofada de cetim bordada em lĂ­rios.
Ei-la morta afinal como quem adormeça
Aqui para sofrer Além novos martírios.

De mĂŁos postas, num sonho ausente, a sombra espessa
Do seu corpo escurece a luz dos quatro cĂ­rios:
Ela faz-me pensar numa ancestral Condessa
Da Idade MĂ©dia, morta em sagrados delĂ­rios.

Os poentes sepulcrais do extremo desengano
VĂŁo enchendo de luto as paredes vazias,
E velam para sempre o seu olhar humano.

Expira, ao longe, o vento, e o luar, longinquamente,
Alveja, embalsamando as brancas agonias
Na sonolenta paz desta Câmara-ardente…

LĂ­rio Lutuoso

EssĂŞncia das essĂŞncias delicadas,
Meu perfumoso e tenebroso lĂ­rio,
Oh! dá-me a glória de celeste Empíreo
Da tu’alma nas sombras encantadas.

Subindo lento escadas por escadas,
Nas espirais nervosas do MartĂ­rio,
Das Ă‚nsias, da Vertigem, do DelĂ­rio,
Vou em busca de mágicas estradas.

Acompanha-me sempre o teu perfume,
LĂ­rio da Dor que o Mal e o Bem resumem,
Estrela negra, tenebroso fruto.

Oh! dá-me a glória do teu ser nevoento
para que eu possa haurir o sentimento
Das lágrimas acerbas do teu luto!.

Celeste

A uma criança

Eu fiz do Céu azul minha esperança
E dos astros dourados meu tesouro…
Imagina por que, doce criança,
Nas noites de luar meus sonhos douro!

Adivinha, se podes, quanto Ă© mansa
A luz que bola sob um cĂ­lio de ouro.
E como é lindo um laço azul na trança
Embalsamada de um cabelo louro!

Imagina por que peço, na morte,
– Um esquife todo azul que me transporte,
Longe da terra, longe dos escolhos…

Imagina por que… mas, lĂ­rio santo!
Não digas a ninguém que eu amo tanto
A cor de teu cabelo e dos teus olhos!

A Noite Desce

Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos cansados, carinhosas,
A noite desce… Ah! doces mĂŁos piedosas
Que os meus olhos tristĂ­ssimos fechassem!

Assim mĂŁos de bondade me beijassem!
Assim me adormecessem! Caridosas
Em braçados de lírios, de mimosas,
No crepĂşsculo que desce me enterrassem!

A noite em sombra e fumo se desfaz…
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe embriagada, louca!

E a noite vai descendo, sempre calma…
Meu doce Amor tu beijas a minh’alma
Beijando nesta hora a minha boca!

Velando

Junto dela, velando… E sonho, e afago
Imagens, sonhos, versos comovido…
Vejo-a dormir… O meu olhar Ă© um lago
Em que um lĂ­rio alvorece reflectido…

Vejo-a dormir e sonho… SĂł de vĂŞ-la
Meu olhar se perfuma e em minha vista
Há todo um céu de Amor a estremecê-la
E a devoção ansiosa dum Artista…

– Nuvem poisada, alvente, sobre a neve
Das montanhas do céu, – ó sono leve,
Hálito de jasmim, lĂ­rio, luar…

Respiração de flor, doçura, prece…
-Ă“ rouxinĂłis, calai! Fonte, adormece!…
SenĂŁo o meu Amor pode acordar!…

As Putas da Avenida

Eu vi gelar as putas da Avenida
ao griso de Janeiro e tive pena
do que elas chamam em jargĂŁo a vida
com um requebro triste de açucena

vi-as Ă s duas e Ă s trĂŞs falando
como se fala antes de entrar em cena
o gesto já compondo à voz de mando
do director fatal que lhes ordena

essa pose de flor recém-cortada
que para as mais batidas nĂŁo Ă© nada
senĂŁo fingirem lĂ­rios da Lorena

mas a todas o griso ia aturdindo
e eu que do trabalho vinha vindo
calçando as luvas senti tanta pena

Soneto De Um Casamento

Na sala de luz lĂ­vida, sorriam
Sombras imĂłveis; e outras lacrimosas
Perseguiam lembranças dolorosas
Na exaltação das flores que morriam.

Em vácuos de perfume, descaíam
Diáfanos, de diáfanas mãos piedosas
Fátuos sons de brilhantes que fremiam
Entre a crepitação lenta das rosas.

Nas taças cheias acendiam círios
Votivos, e entre as taças e o lírios
Vozes veladas, nessa mesa posta

Velavam… enquanto plácida e perdida
Irreal e longĂ­nqua como a vida
Toda de branco perpassava a Morta.

Alma Mater

Alma da Dor, do Amor e da Bondade,
Alma purificada no Infinito,
PerdĂŁo santo de tudo o que Ă© maldito,
Harpa consoladora da Saudade!

Das estrelas serena virgindade,
Alma sem um soluço e sem um grito,
Da alta Resignação, da alta Piedade!
Tu, que as profundas lágrimas estancas

E sabes levantar Imagens brancas
No silencio e na sombra mais velada…

Derrama os lĂ­rios, os teus lĂ­rios castos,
Em Jordões imortais, vastos e vastos,
No fundo da minh’alma lacerada!

Ideal

Aquela, que eu adoro, nĂŁo Ă© feita
De lĂ­rios nem de rosas purpurinas,
NĂŁo tem as formas languidas, divinas
Da antiga VĂ©nus de cintura estreita…

NĂŁo Ă© a Circe, cuja mĂŁo suspeita
Compõe filtros mortaes entre ruinas,
Nem a Amazona, que se agarra ás crinas
D’um corcel e combate satisfeita…

A mim mesmo pergunto, e nĂŁo atino
Com o nome que dĂŞ a essa visĂŁo,
Que ora amostra ora esconde o meu destino…

É como uma miragem, que entrevejo,
Ideal, que nasceu na solidĂŁo,
Nuvem, sonho impalpável do Desejo…

O Nosso Livro

Livro do meu amor, do teu amor,
Livro do nosso amor, do nosso peito…
Abre-lhe as folhas devagar, com jeito,
Como se fossem pétalas de flor.

Olha que eu outro já não sei compor
Mais santamente triste, mais perfeito
NĂŁo esfolhes os lĂ­rios com que Ă© feito
Que outros nĂŁo tenho em meu jardim de dor!

Livro de mais ninguém! Só meu! Só teu!
Num sorriso tu dizes e digo eu:
Versos sĂł nossos mas que lindos sois!

Ah, meu Amor! Mas quanta, quanta gente
Dirá, fechando o livro docemente:
“Versos sĂł nossos, sĂł de nĂłs os dois!…”

Lembranças Apagadas

Outros, mais do que o meu, finos olfatos,
Sintam aquele aroma estranho e belo
Que tu, ó Lírio lânguido, singelo,
Guardaste nos teus Ă­ntimos recatos.

Que outros se lembrem dos sutis e exatos
Traços, que hoje não lembro e não revelo
E se recordem, com profundo anelo,
Da tua voz de siderais contatos…

Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrantos,
Linhas, perfil e tanta dor saudosa,

Tanto martírio, tanta mágoa e pena,
Precisaria de uma luz serene,
De uma luz imortal maravilhosa!…

FonĂłgrafo

Vai declamando um cĂ´mico defunto.
Uma platéia ri, perdidamente,
Do bom jarreta… E há um odor no ambiente.
A cripta e a pĂł, – do anacrĂ´nico assunto.

Muda o registo, eis uma barcarola:
LĂ­rios, lĂ­rios, águas do rio, a lua…
Ante o Seu corpo o sonho meu flutua
Sobre um paul, – extática corola.

Muda outra vez: gorjeios, estribilhos
Dum clarim de oiro – o cheiro de junquilhos,
VĂ­vido e agro! – tocando a alvorada…

Cessou. E, amorosa, a alma das cornetas
Quebrou-se agora orvalhada e velada.
Primavera. ManhĂŁ. Que eflĂşvio de violetas!

Pequenina

Ă€ Maria Helena FalcĂŁo Risques

És pequenina e ris…A boca breve
É um pequeno idĂ­lio cor-de-rosa…
Haste de lírio frágil e mimosa!
Cofre de beijos feito sonho e neve!

Doce quimera que a nossa alma deve
Ao CĂ©u que assim te fez tĂŁo graciosa!
Que desta vida amarga e tormentosa
Te fez nascer como um perfume leve!

O ver o teu olhar faz bem Ă  gente…
E cheira e sabe, a nossa boca, a flores…
Quando o teu nome diz, suavemente…

Pequenina que a MĂŁe de Deus sonhou,
Que ela afaste de ti aquelas dores
Que fizeram de mim isto que sou!…

VolĂşpia

Era já tarde e tu continuavas
entre os meus braços trĂ©mulos, cansados…
E eu, sonolenta, já de olhos fechados,
bebia ainda os beijos que me davas!

Passaram horas!… Nossas bocas flavas,
Muito unidas, em haustos repousados,
Queimavam os meus sonhos macerados,
Como rescaldos de candentes lavas.

Veio a manhĂŁ e o sol, feroz, risonho,
entrou na minha alcova adormecida,
quebrando o lĂ­rio roxo do meu sonho…

Mas deslumbrou-se… e em rĂşbidos adejos
Ajoelhou-se… e numa luz vencida,
Sorveu… sorveu o mel dos nossos beijos!

Deixai Entrar A Morte

Deixai entrar a Morte, a Iluminada,
A que vem pra mim, pra me levar.
Abri todas as portas par em par
Como asas a bater em revoada.

Quem sou eu neste mundo?A deserdada,
A que prendeu nas mĂŁos todo o luar,
A vida inteira, o sonho, a terra, o mar,
E que, ao abri-las, nĂŁo encontrou nada!

Ă“ MĂŁe! Ă“ minha MĂŁe, pra que nasceste?
Entre agonias e em dores tamanhas
Pra que foi, dize lá, que me trouxeste

Pra que eu tivesse sido
Somente o fruto amargo das entranhas
Dum lĂ­rio que em má hora foi nascido!…

Eterna Dor

Alma de meu amor, lĂ­rio celeste,
Sonho feito de um beijo e de um carinho,
Criatura gentil, pomba de arminho,
Arrulhando nas folhas de um cipreste.

Ă“ minha mĂŁe! Por que no mundo agreste,
Rola formosa, abandonaste o ninho?
Se as roseiras do CĂ©u nĂŁo tĂŞm espinhos,
Quero ir contigo, Ăł lĂ­rio meu celeste!

Ah! se soubesses como sofro, e tanto!
Leva-me Ă  terra onde nĂŁo corre o pranto,
Leva-me, santa, onde a ventura existe…

Aqui na vida – que tamanha mágoa! –
O prĂłprio olhar de Deus encheu-se d’água…
Ă“ minha mĂŁe, como este mundo Ă© triste!

Ideal Comum

(Soneto escrito em colaboração com Oscar Rosas).

Dos cheirosos, silvestres ananases
De casca rubra e polpa acidulosa,
Tens na carne fremente, volutuosa,
Os aromas recĂ´nditos, vivazes.

Lembras lĂ­rios, papoulas e lilazes;
A tua boca exala a trevo e a rosa,
Resplande essa cabeça primorosa
E o dia e a noite nos teus olhos trazes.

Astros, jardins, relâmpagos e luares
Inundam-te os fantásticos cismares,
Cheios de amor e estranhos calafrios;

E teus seios, olĂ­mpicos, morenos,
Propinando-me trágicos venenos,
São como em brumas, solitários rios.

Madalena

…e lhe regou de lágrimas os pĂ©s e os enxugou com os cabelos da sua cabeça. Evangelho de S. Lucas.

Ă“ Madalena, Ăł cabelos de rastos,
LĂ­rio poluĂ­do, branca flor inĂştil…
Meu coração, velha moeda fútil,
E sem relevo, os caracteres gastos,

De resignar-se torpemente dĂşctil…
Desespero, nudez de seios castos,
Quem também fosse, ó cabelos de rastos,
EnsangĂĽentado, enxovalhado, inĂştil,

Dentro do peito, abominável cômico!
Morrer tranqĂĽilo, – o fastio da cama…
Ó redenção do mármore anatômico,

Amargura, nudez de seios castos!…
Sangrar, poluir-se, ir de rastos na lama,
Ă“ Madalena, Ăł cabelos de rastos!

Foederis Arca

VisĂŁo que a luz dos Astros louros trazes,
Papoula real tecida de neblinas
Leves, etéreas, vaporosas, finas,
Com aromas de lĂ­rios e lilazes.

Brancura virgem do cristal das frases,
Neve serene das regiões alpinas,
Willis juncal de mĂŁos alabastrinas,
De fugitivas correções vivazes.

Floresces no meu Verso como o trigo,
O trigo de ouro dentre o sol floresce
E Ă©s a suprema ReligiĂŁo que eu sigo…

O Missal dos Missais, que resplandece,
A igreja soberana que eu bendigo
E onde murmuro a solitária prece!…