Musica Misteriosa
Tenda de Estrelas nĂveas, refulgentes,
Que abris a doce luz de alampadários,
As harmonias dos Estradivarius
Erram da Lua nos clarões dormentes…Pelos raios fluĂdicos, diluentes
Dos Astros, pelos trêmulos velários,
Cantam Sonhos de mĂsticos templários,
De ermitões e de ascetas reverentes…Cânticos vagos, infinitos, aĂ©reos
Fluir parecem dos Azuis etéreos,
Dentre os nevoeiros do luar fluindo…E vai, de Estrela a Estrela, a luz da Lua,
Na láctea claridade que flutua,
A surdina das lágrimas subindo…
Sonetos sobre Luar de Cruz e Souza
33 resultadosO Cego Do Harmonium
Esse cego do harmonium me atormenta
E atormentando me seduz, fascina.
A minh’alma para ele vai sedenta
Por falar com a sua alma peregrina.O seu cantar nostálgico adormenta
Como um luar de mĂłrbida neblina.
O harmonium geme certa queixa lenta,
Certa esquisita e lânguida surdina.Os seus olhos parecem dois desejos
Mortos em flor, dois luminosos beijos
Fanados, apagados, esquecidos…Ah! eu nĂŁo sei o sentimento vário
Que prende-me a esse cego solitário,
De olhos aflitos como vĂŁos gemidos!
Irradiações
Às crianças
Qual da amplidão fantástica e serena
Ă€ luz vermelha e rĂştila da aurora
Cai, gota a gota, o orvalho que avigora
A imaculada e cândida açucena.Como na cruz, da triste Madalena
Aos pés de Cristo, a lágrima sonora
Caia, rolou, qual bálsamo que irrora
A negra mágoa, a indefinida pena…Caia por vĂłs, esplĂŞndidas crianças
Bando feliz de castas esperanças,
Sonhos da estrela no infinito imersas;Caia por vĂłs, as mĂşsicas formosas,
Como um dilĂşvio matinal de rosas,
Todo o luar benéfico dos versos!
Decadentes
Richepin, Rollinat! gritos sangrentos
Da carne alvoroçada de desejos,
Mosto de risos, lágrimas e beijos,
Estertores de abutres famulentos.Desesperado frĂŞmito dos ventos,
De harpas, sutis, fantásticos harpejos,
Clarins de guerra, e cânticos e adejos
De aves — todos os vivos elementos.Tudo flameja e nas estrofes canta,
Estruge, zune, em borbotões levanta
Noites, luares, fulgurantes dias.Mas nessa ideal temperatura forte
Tudo isso Ă© triste como a flor da morte
Que brota dentro das caveiras frias…
Boca
III
Boca viçosa, de perfume a lĂrio,
Da lĂmpida frescura da nevada,
Boca de pompa grega, purpureada,
Da majestade de um damasco assĂrio.Boca para deleites e delĂrio
Da volĂşpia carnal e alucinada,
Boca de Arcanjo, tentadora e arqueada,
Tentando Arcanjos na amplidĂŁo do EmpĂrio,Boca de OfĂ©lia morta sobre o lago,
Dentre a auréola de luz do sonho vago
E os faunos leves do luar inquietos…Estranha boca virginal, cheirosa,
Boca de mirra e incensos, milagrosa
Nos filtros e nos tĂłxicos secretos…
LĂ©sbia
CrĂłton selvagem, tinhorĂŁo lascivo,
Planta mortal, carnĂvora, sangrenta,
Da tua carne báquica rebenta
A vermelha explosão de um sangue vivo.Nesse lábio mordente e convulsivo,
Ri, ri risadas de expressĂŁo violenta
O Amor, trágico e triste, e passe, lenta,
A morte, o espasmo gĂ©lido, aflitivo…LĂ©sbia nervosa, fascinante e doente,
Cruel e demonĂaca serpente
Das flamejantes atracões do gozo.Dos teus seios acĂdulos, amargos,
Fluem capros aromas e os letargos,
Os Ăłpios de um luar tuberculoso…
Alma Que Chora
A JoĂŁo Saldanha
Em vão do Cristo aos olhos dulçurosos
Onde há o sol do bem e da verdade,
Cheios da luz eterna de saudade,
Como dois mansos corações piedosos,Em vão do Cristo os olhos lacrimosos
E aquela doce e pura suavidade
Do seu semblante, casto, de bondade,
Cor do luar dos sonhos venturosos,Servem de exemplo a dor escruciante
Que te apunhala e fere a cada instante,
A punhaladas rĂspidas, austeras!Viste partir a tua irmĂŁ, se, viste,
Como num céu enévoado e triste
O bando azul das fĂşlgidas quimeras…
Eternidade Retrospectiva
Eu me recordo de já ter vivido,
Mudo e sĂł, por olĂmpicas Esferas,
onde era tudo velhas primaveras
E tudo um vago aroma indefinido.Fundas regiões do Pranto e do Gemido
Onde as almas mais graves, mais austeras
Erravam como trĂŞmulas quimeras
Num sentimento estranho e comovido.As estrelas, longĂnquas e veladas,
Recordavam violáceas madrugadas,
Um clarĂŁo muito leve de saudade.Eu me recordo d’imaginativos
Luares liriais, contemplativos
Por onde eu já vivi na Eternidade!
Deusa Serena
Espiritualizante Formosura
Gerada nas Estrelas impassĂveis,
Deusa de formas bĂblicas, flexĂveis,
Dos eflúvios da graça e da ternura.Açucena dos vales da Escritura,
Da alvura das magnĂłlias marcessĂveis,
Branca Via-Láctea das indefinĂveis
Brancuras, fonte da imortal brancura.NĂŁo veio, Ă© certo, dos pauis da terra
Tanta beleza que o teu corpo encerra,
Tanta luz de luar e paz saudosa…Vem das constelações, do Azul do Oriente,
Para triunfar maravilhosamente
Da beleza mortal e dolorosa!
Post Mortem
Quando do amor das Formas inefáveis
No teu sangue apagar-se a imensa chama,
Quando os brilhos estranhos e variáveis
Esmorecerem nos trofĂ©us da Fama.Quando as nĂveas Estrelas invioláveis,
Doce velário que um luar derrama,
Nas clareiras azuis ilimitáveis
Clamarem tudo o que o teu Verso clama.Já terás para os báratros descido,
Nos cilĂcios da Morte revestido,
PĂ©s e faces e mĂŁos e olhos gelados…Mas os teus Sonhos e Visões e Poemas
Pelo alto ficarĂŁo de eras supremas
Nos relevos do Sol eternizados!
Ave! Maria
Ave! Maria das Estrelas, Ave!
Cheia de graça do luar, Maria!
Harmonia de cântico suave,
Das harpas celestiais branda harmonia…Nuvem d’incensos atravĂ©s da nave
Quando o templo de pompas irradia
E em prantos o ĂłrgĂŁo vai plangendo grave
A profunda e gemente litania…Seja bendito o fruto do teu ventre,
Jesus, mais belo dentre os astros e entre
As mulheres judaicas mais amado…Ă“ Luz! Eucaristia da beleza,
Chama sagrada no Evangelho acesa,
Maravilha do Amor e do Pecado!
O Chalé
É um chalé luzido e aristocrático,
De fulgurantes, ricos arabescos,
Janelas livres para os ares frescos,
Galante, raro, encantador, simpático.O sol que vibra em rubro tom prismático,
No resplendor dos luxos principescos,
Dá-lhe uns alegres tiques romanescos,
Um colorido ideal silforimático.Há um jardim de rosas singulares,
LĂrios joviais e rosas nĂŁo vulgares,
Brancas e azuis e roxas purpĂşreas.E a luz do luar caindo em brilhos vagos,
Na placidez de adormecidos lagos
Abre esquisitas radiações sulfúreas.
Sempre E Sempre
De longe ou perto, juntas, separadas,
Olhando sempre os mesmos horizontes,
Presas, unidas nossas duas fontes
Gêmeas, ardentes, novas, inspiradas;Vendo cair as lágrimas prateadas,
Sentindo o coro harmĂ´nico das fontes,
Sempre fitando a cĂşspide dos montes
E o rosicler das frescas alvoradas;Sempre embebendo os lĂmpidos olhares
Na claridĂŁo dos humildes luares,
No loiro sol das crenças se embebendo,Vão nossas almas brancas e floridas
Pelo futuro azul das nossas vidas,
Sempre se amando, sempre se querendo.