A Espera
Ela tarda… E eu me sinto inquieto, quando
julgo vê-la surgir, num vulto, adiante,
– os lábios frios, trêmula e ofegante,
os seus olhos nos meus, linda, fitando…O céu desfaz-se em luar… Um vento brando
nas folhagens cicia, acariciante,
enquanto com o olhar terno de amante
fico à sombra da noite perscrutando…E ela não vem…Aumenta-me a ansiedade:
– o segundo que passa e me tortura,
é o segundo sem fim da eternidade…Mas eis que ela aparece de repente!…
– E eu feliz, chego a crer que igual ventura
bem valia esperar-se eternamente!…
Sonetos sobre Luar
113 resultadosI
Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar iluminada
Entre as estrelas trêmulas subia
Uma infinita e cintilante escada.E eu olhava-a de baixo, olhava-a… Em cada
Degrau, que o ouro mais límpido vestia,
Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada,
Ressoante de súplicas, feria…Tu, mãe sagrada! vós também, formosas
Ilusões! sonhos meus! íeis por ela
Como um bando de sombras vaporosas.E, ó meu amor! eu te buscava, quando
Vi que no alto surgias, calma e bela,
O olhar celeste para o meu baixando…
Dormindo
Pálida, bela, escultural, clorótica
Sobre o divã suavíssimo deitada,
Ela lembrava — a pálpebra cerrada —
Uma ilusão esplendida de ótica.A peregrina carnação das formas,
— o sensual e límpido contorno,
Tinham esse quê de avérnico e de morno,
Davam a Zola as mais corretas normas!…Ela dormia como a Vênus casta
E a negra coma aveludada e basta
Lhe resvalava sobre o doce flanco…Enquanto o luar — pela janela aberta —
— como uma vaga exclamação — incerta
Entrava a flux — cascateado — branco!!…
O Grande Sonho
Sonho profundo, ó Sonho doloroso,
Doloroso e profundo Sentimento!
Vai, vai nas harpas trêmula do vento
Chorar o teu mistério tenebroso.Sobe dos astros ao clarão radioso,
Aos leves fluidos do luar nevoento,
Às urnas de cristal do firmamento,
Ó velho Sonho amargo e majestoso!Sobe às estrelas rútilas e frias,
Brancas e virginais eucaristias
De onde uma luz de eterna paz escorre.Nessa Amplidão das Amplidões austeras
Chora o Sonho profundo das Esferas
Que nas azuis Melancolias morre…
San Gabriel II
Vem conduzir as naus, as caravelas,
Outra vez, pela noite, na ardentia,
Avivada das quilhas. Dir-se-ia
Irmos arando em um montão de estrelas.Outra vez vamos! Côncavas as velas,
Cuja brancura, rútila de dia,
O luar dulcifica. Feeria
Do luar não mais deixes de envolvê-las!Vem guiar-nos, Arcanjo, à nebulosa
Que do além mar vapora, luminosa,
E à noite lactescendo, onde, quietas,Fulgem as velhas almas namoradas…
– Almas tristes, severas, resignadas,
De guerreiros, de santos, de poetas.
Ela no meu Olhar
Os meus olhos são Índias de segredos.
É Portugal seu Corpo esguio e brando.
E as cinco quinas, seus compridos dedos
Em suas mãos, bandeiras tremulando.Seus gestos lembram lanças. E ela passa…
Seu perfil de princesa faz lembrar
Batalhas que travaram ao luar,
Epopeia-marfim da minha Raça.O seu olhar é tão doente e triste
Que me parece bem que não existe
Maior mistério do que o de prendê-lo.Nos meus sentidos vive o seu sentir
E, às vezes, quando chora, põe-se a ouvir
Seu coração, velhinho do Restelo.
Fumo
Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas…
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!Os dias são Outonos: choram… choram…
Há crisântemos roxos que descoram…
Há murmúrios dolentes de segredos…Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!…
À Luz da Lua!
Iamos sós pela floresta amiga,
Onde em perfumes o luar se evola,
Olhando os céus, modesta rapariga!
Como as crianças ao sair da escola.Em teus olhos dormentes de fadiga,
Meio cerrados como o olhar da rola,
Eu ia lendo essa ballada antiga
D’uns noivos mortos ao cingir da estola…A Lua-a-Branca, que é tua avozinha,
Cobria com os seus os teus cabellos
E dava-te um aspeto de velhinha!Que linda eras, o luar que o diga!
E eu compondo estes versos, tu a lel-os,
E ambos scismando na floresta amiga…
XII
Sonhei que me esperavas. E, sonhando,
Saí, ansioso por te ver: corria…
E tudo, ao ver-me tão depressa andando,
Soube logo o lugar para onde eu ia.E tudo me falou, tudo! Escutando
Meus passos, através da ramaria,
Dos despertados pássaros o bando:
“Vai mais depressa! Parabéns!” dizia.Disse o luar: “Espera! que eu te sigo:
Quero também beijar as faces dela!”
E disse o aroma: “Vai, que eu vou contigo!”E cheguei. E, ao chegar, disse uma estrela:
“Como és feliz! como és feliz, amigo,
Que de tão perto vais ouvi-la e vê-la!”
Ao Luar
Quando, à noite, o Infinito se levanta
A luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha tactil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!Quebro a custódia dos sentidos tredos
E a minha mão, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas íntimas suplanta!Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinitésimo e o Indeterminado…Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o Espaço com a minha plenitude!
Encarnação
Carnais, sejam carnais tantos desejos,
Carnais, sejam carnais tantos anseios,
Palpitações e frêmitos e enleios,
Das harpas da emoção tantos arpejos…Sonhos, que vão, por trêmulos adejos,
A noite, ao luar, intumescer os seios
Lácteos, de finos e azulados veios
De virgindade, de pudor, de pejos…Sejam carnais todos os sonhos brumos
De estranhos, vagos, estrelados rumos
Onde as Visões do amor dormem geladas…Sonhos, palpitações, desejos e ânsias
Formem, com claridades e fragrâncias,
A encarnação das lívidas Amadas!
Deixai Entrar A Morte
Deixai entrar a Morte, a Iluminada,
A que vem pra mim, pra me levar.
Abri todas as portas par em par
Como asas a bater em revoada.Quem sou eu neste mundo?A deserdada,
A que prendeu nas mãos todo o luar,
A vida inteira, o sonho, a terra, o mar,
E que, ao abri-las, não encontrou nada!Ó Mãe! Ó minha Mãe, pra que nasceste?
Entre agonias e em dores tamanhas
Pra que foi, dize lá, que me trouxestePra que eu tivesse sido
Somente o fruto amargo das entranhas
Dum lírio que em má hora foi nascido!…
Noiva Da Agonia
Trêmula e só, de um túmulo surgindo,
Aparição dos ermos desolados,
Trazes na face os frios tons magoados,
De quem anda por túmulos dormindo…A alta cabeça no esplendor, cingindo
Cabelos de reflexos irisados,
Por entre aureolas de clarões prateados,
Lembras o aspecto de um luar diluindo…Não és, no entanto, a torva Morte horrenda,
Atra, sinistra, gélida, tremenda,
Que as avalanches da Ilusão governa…Mas ah! és da Agonia a Noiva triste
Que os longos braços lívidos abriste
Para abraçar-me para a Vida eterna!
O Lago Do Cisne
Foram meus olhos, duas asas tontas
que ao teu redor, como ao redor da luz
queimaram suas ânsias e ficaram
mortos no chão, como cigarras mortas…No bailado em que estavas, sobre o palco,
meu desejo – esse fauno de alma triste,
tomaria teu corpo e bailaria
até que o mundo se fundisse ao sonho…Olhos de luar e vinho que me seguem
na ária da solidão em que me envolvo
sem volta, sem partida, sem transcurso…Foram meus olhos que te descobriram
e ficaram vogando esse abandono
de cisne branco sobre o lago imenso…
Do Meu Tempo
Quando eu era menino e tinha cheia
A alma de sonhos bons e, fugidio,
Como a abelha que voa da colmeia,
Andava a errar do canavial bravio;Quando em noites de junho o luar macio
Punha um lençol de rendas sobre a areia,
Tiritava de medo ouvindo o pio
Da coruja mais lúgubre da aldeia.Feliz! Bendita essa primeira idade!
Andava como quem anda sonhando
De olhos abertos, com a felicidade.Dormia tarde e enquanto eu não dormia,
Mamãe rezava o padre-nosso e quando
Me mandava rezar, eu não sabia.
Noitinha
A noite sobre nós se debruçou…
Minha alma ajoelha, põe as mãos e ora!
O luar, pelas colinas, nesta hora,
É água dum gomil que se entornou…Não sei quem tanta pérola espalhou!
Murmura alguém pelas quebradas fora…
Flores do campo, humildes, mesmo agora.
A noite, os olhos brandos, lhes fechou…Fumo beijando o colmo dos casais…
Serenidade idílica de fontes,
E a voz dos rouxinóis nos salgueirais…Tranquilidade… calma… anoitecer…
Num êxtase, eu escuto pelos montes
O coração das pedras a bater…
Em Sonhos
Nos Santos óleos do luar, floria
Teu corpo ideal, com o resplendor da Helade…
E em toda a etérea, branda claridade
Como que erravam fluidos de harmonia…As Águias imortais da Fantasia
Deram-te as asas e a serenidade
Para galgar, subir a Imensidade
Onde o clarão de tantos sóis radia.Do espaço pelos límpidos velinos
Os Astros vieram claros, cristalinos,
Com chamas, vibrações, do alto, cantando…Nos santos óleos do luar envolto
Teu corpo era o Astro nas esferas solto,
Mais Sóis e mais Estrelas fecundando!
Pensando Nela
Neste instante em que escrevo, estou pensando nela,
longe de mim, no entanto, em que estará pensando ?
– quem sabe se a sonhar, debruçada à janela
recorda nosso amor, a sorrir, vez em quando…Ou terá tal como eu, esse ar de alguém que vela
um sonho que estivesse em nosso olhar flutuando ?
Ou quem sabe se dorme, e adormecida e bela
o luar lhe vai beijar os lábios, suave e brando…Invejaria o luar… É tarde, estou sozinho,
ela dorme talvez, e não sabe que ao lado
do seu leito, a minha alma ronda de mansinho…Nem vê meu pensamento entrar pela janela
e ir na ponta dos pés murmurar ajoelhado
este verso de amor que fiz, pensando nela!
A França!
Vou sobre o Oceano (o luar de lindo enleva!)
Por este mar de Gloria, em plena paz.
Terras da Patria somem-se na treva,
Agoas de Portugal ficam, atraz…Onde vou eu? Meu fado onde me leva?
Antonio, onde vaes tu, doido rapaz?
Não sei. Mas o vapor, quando se eleva,
Lembra o meu coração, na ancia em que jaz…Ó Luzitania que te vaes á vela!
Adeus! que eu parto (rezarei por ella…)
Na minha Nau Catharineta, adeus!Paquete, meu paquete, anda ligeiro!
Sobe depressa á gavea, marinheiro,
E grita, França! pelo amor de Deus!…
Crepúsculo
Alada, corta o espaço uma estrela cadente.
As folhas fremem. Sopra o vento. A sombra avança.
Paira no ar um languor de mística esperança
e de docúra triste, inexprimivelmente.À surdina da luz irrompe, de repente,
o coro vesperal das cigarras. E mansa,
E marmórea, no céu, curvo e claro, balança,
entre nuvens de opala, a concha do crescente.Na alma, como na terra, a noite nasce. É quando,
da recôndita paz das horas esquecidas,
vão, ao luar da saudade, os sonhos acordando…E, na torre do peito, em plácidas batidas,
melancolicamente o coração chorando,
plange o réquiem de amor das ilusões perdidas.