Imagens sĂŁo adonde Amor se Adora
Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Vendo-vos com juĂzo sossegado,
Se o Menino, que de olhos Ă© privado,
Nas Meninas dos vossos olhos mora?Ali manda, ali reina, ali namora,
Ali vive das gentes venerado;
Que vivo lume, e o rosto delicado,
Imagens sĂŁo adonde Amor se adora.Quem vĂȘ que em branca neve nascem rosas
Que crespos fios de ouro vĂŁo cercando?
Se por entre esta luz a vista passa,Raios de ouro verĂĄ, que as duvidosas
Almas estĂŁo no peito traspassando,
Assim como um cristal o Sol traspassa.
Sonetos de LuĂs de CamĂ”es
205 resultadosEm PrisÔes Baixas Fui Um Tempo Atado
Em prisÔes baixas fui um tempo atado,
vergonhoso castigo de meus erros;
inda agora arrojando levo os ferros
que a Morte, a meu pesar, tem jĂĄ quebrado.Sacrifiquei a vida a meu cuidado,
que Amor nĂŁo quer cordeiros, nem bezerros;
vi mågoas, vi misérias, vi desterros:
parece me que estava assi ordenado.Contentei me com pouco, conhecendo
que era o contentamento vergonhoso,
sĂł por ver que cousa era viver ledo.Mas minha estrela, que eu jĂĄ’gora entendo,
a Morte cega, e o Caso duvidoso,
me fizeram de gostos haver medo.
Doces Ăguas E Claras Do Mondego
Doces ĂĄguas e claras do Mondego,
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo após si me trouxe cego;de vós me aparto; mas, porém, não nego
que inda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.Bem pudera Fortuna este instrumento
d’alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;mas alma, que de cĂĄ vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vĂłs, ĂĄguas, voa, e em vĂłs se banha.
Se De Vosso Fermoso E Lindo Gesto
Se de vosso fermoso e lindo gesto
nasceram lindas flores para os olhos,
que para o peito sĂŁo duros abrolhos,
em mim se vĂȘ mui claro e manifesto:pois vossa fermosura e vulto honesto
em os ver, de boninas vi mil molhos;
mas se meu coração tivera antolhos,
nĂŁo vira em vĂłs seu dano o mal funesto.Um mal visto por bem, um bem tristonho,
que me traz elevado o pensamento
em mil, porém diversas, fantasias,nas quais eu sempre ando, e sempre sonho;
e vĂłs nĂŁo cuidais mais que em meu tormento,
em que fundais as vossas alegrias.
Converteu-se-me em Noite o Claro Dia
Apolo e as nove Musas, descantando
Com a dourada lira, me influĂam
Na suave harmonia que faziam,
Quando tomei a pena, começando:Ditoso seja o dia e hora, quando
TĂŁo delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
Estar-se em seu desejo traspassando!Assim cantava, quando Amor virou
A roda à esperança, que corria
TĂŁo ligeira, que quase era invisĂvel.Converteu-se-me em noite o claro dia;
E, se alguma esperança me ficou,
SerĂĄ de maior mal, se for possĂvel.
Mais Hå-de Perder quem Mais Alcança
De vós me parto, ó vida, e em tal mudança
Sinto vivo da morte o sentimento.
NĂŁo sei para que Ă© ter contentamento,
Se mais hå-de perder quem mais alcança!Mas dou-vos esta firme segurança:
Que, posto que me mate o meu tormento,
Pelas ĂĄguas do eterno esquecimento
Segura passarå minha lembrança.Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
Que com cousa outra alguma se contentem:
Antes os esqueçais, que vos esqueçam.Antes nesta lembrança se atormentem,
Que com esquecimento desmereçam
A glĂłria que em sofrer tal pena sentem.
Em Fermosa Leteia Se Confia
Em fermosa Leteia se confia,
por onde vaidade tanta alcança,
que, tornada em soberba a confiança,
com os deuses celestes competia.Porque nĂŁo fosse avante esta ousadia
(que nascem muitos erros da tardança),
em efeito puseram a vingança,
que tamanha doudice merecia.Mas Oleno, perdido por Leteia,
nĂŁo lhe sofrendo Amor que suportasse
castigo duro tanta fermosura,quis padecer em si a pena alheia;
mas, porque a morte Amor nĂŁo apartasse,
ambos tornados sĂŁo em pedra dura.
JĂĄ A Saudosa Aurora Destoucava
JĂĄ a saudosa Aurora destoucava
os seus cabelos d’ouro delicados,
e as flores, nos campos esmaltados,
do cristalino orvalho borrifava;quando o fermoso gado se espalhava
de SĂlvio e de Laurente pelos prados;
pastores ambos, e ambos apartados,
de quem o mesmo Amor nĂŁo se apartava.Com verdadeiras lĂĄgrimas, Laurente,
-NĂŁo sei (dizia) Ăł Ninfa delicada,
porque nĂŁo morre jĂĄ quem vive ausente,pois a vida sem ti nĂŁo presta nada?
Responde SĂlvio:-Amor nĂŁo o consente,
que ofende as esperanças da tornada.
A Morte, Que Da Vida O NĂł Desata
A Morte, que da vida o nĂł desata,
os nĂłs, que dĂĄ o Amor, cortar quisera
na AusĂȘncia, que Ă© contr’ ele espada fera,
e co Tempo, que tudo desbarata.Duas contrĂĄrias, que ĂŒa a outra mata,
a Morte contra o Amor ajunta e altera:
ĂŒa Ă© RazĂŁo contra a Fortuna austera,
outra, contra a RazĂŁo, Fortuna ingrata.Mas mostre a sua imperial potĂȘncia
a Morte em apartar dum corpo a alma,
duas num corpo o Amor ajunte e una;porque assi leve triunfante a palma,
Amor da Morte, apesar da AusĂȘncia,
do Tempo, da RazĂŁo e da Fortuna.
Tomou-me vossa vista soberana
Tomou-me vossa vista soberana
Aonde tinha as armas mais Ă mĂŁo,
Por mostrar que quem busca defensĂŁo
Contra esses belos olhos, que se engana.Por ficar da vitĂłria mais ufana,
Deixou-me armar primeiro da razĂŁo;
Cuidei de me salvar, mas foi em vĂŁo,
Que contra o Céu não vale defensa humana.Mas porém, se vos tinha prometido
O vosso alto destino esta vitĂłria,
Ser-vos tudo bem pouco estĂĄ sabido.Que posto que estivesse apercebido,
NĂŁo levais de vencer-me grande glĂłria;
Maior a levo eu de ser vencido.
Aquela Que, De Pura Castidade
Aquela que, de pura castidade,
de si mesma tomou cruel vingança
por ĂŒa breve e sĂșbita mudança,
contrĂĄria a sua honra e qualidade(venceu Ă fermosura a honestidade,
venceu no fim da vida a esperança
porque ficasse viva tal lembrança,
tal amor, tanta fé, tanta verdade!),de si, da gente e do mundo esquecida,
feriu com duro ferro o brando peito,
banhando em sangue a força do tirano.[Oh!] estranha ousadia ! estranho feito !
Que, dando breve morte ao corpo humano,
tenha sua memĂłria larga vida!
Dos Ilustres Antigos Que Deixaram
Dos ilustres antigos que deixaram
tal nome, que igualou fama Ă memĂłria,
ficou por luz do tempo a larga histĂłria
dos feitos em que mais se assinalaram.Se se com cousas destes cotejaram
mil vossas, cada ĂŒa tĂŁo notĂłria,
vencera a menor delas a mor glĂłria
que eles em tantos anos alcançaram.A glória sua foi; ninguém lha tome.
Seguindo cada um vĂĄrios caminhos,
estĂĄtuas levantando no seu Templo.VĂłs, honra portuguesa e dos Coutinhos,
ilustre Dom JoĂŁo, com melhor nome
a vĂłs encheis de glĂłria e a nĂłs de exemplo.
Aqueles Claros Olhos Que Chorando
Aqueles claros olhos que chorando
ficavam quando deles me partia,
agora que farĂŁo? Quem mo diria?
Se porventura estarĂŁo em mim cuidando?Se terĂŁo na memĂłria, como ou quando
deles me vim tĂŁo longe de alegria?
Ou s’estarĂŁo aquele alegre dia
que torne a vĂȘ-los, n’alma figurando?Se contarĂŁo as horas e os momentos?
Se acharĂŁo num momento muitos anos?
Se falarĂŁo co as aves e cos ventos?Oh! bem-aventurados fingimentos,
que, nesta ausĂȘncia, tĂŁo doces enganos
sabeis fazer aos tristes pensamentos!
Ilustre O Dino Ramo Dos Meneses
Ilustre o dino ramo dos Meneses,
aos quais o prudente e largo Céu
(que errar nĂŁo sabe), em dote concedeu
rompesse os maométicos arneses;desprezando a Fortuna e seus reveses,
ide para onde o Fado vos moveu;
erguei flamas no Mar alto Eritreu,
e sereis nova luz aos Portugueses.Oprimi com tĂŁo firme e forte peito
o Pirata insolente, que se espante
e trema Taprobana e Gedrosia.Dai nova causa Ă cor do Arabo estreito:
assi que o roxo mar, daqui em diante,
o seja sĂł co sangue de Turquia!
VĂłs Outros, Que Buscais Repouso Certo
VĂłs outros, que buscais repouso certo
na vida, com diversos exercĂcios;
a quem, vendo do mundo os benefĂcios,
o regimento seu estĂĄ encoberto;dedicai, se quereis, ao desconcerto
novas hontas e cegos sacrifĂcios;
que, por castigo igual de antigos vĂcios,
quer Deus que andem as cousas por acerto.NĂŁo caiu neste modo de castigo
quem pĂŽs culpa Ă Fortuna, quem sĂČmente
crĂȘ que acontecimentos hĂĄ no mundo.A grande experiĂȘncia Ă© grĂŁo perigo;
mas o que a Deus Ă© justo e evidente
parece injusto aos homens e profundo.
De Quantas Graças Tinha, A Natureza
De quantas graças tinha, a Natureza
fez um belo e riquĂssimo tesouro;
e com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.PÎs na boca os rubis, e na pureza
do belo rostro as rosas, por quem mouro;
no cabelo o valor do metal louro;
no peito a neve em que a alma tenho acesa.Mas nos olhos mostrou quanto podia,
e fez deles um sol, onde se apura
a luz mais clara que a do claro dia.Enfim, Senhora, em vossa compostura
ela a apurar chegou quanto sabia
de ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.
Vencido estĂĄ de amor
Vencido estĂĄ de amor Meu pensamento
O mais que pode ser Vencida a vida,
Sujeita a vos servir e InstituĂda,
Oferecendo tudo A vosso intento.Contente deste bem, Louva o momento
Outra vez renovar TĂŁo bem perdida;
A causa que me guia A tal ferida,
Ou hora em que se viu Seu perdimento.Mil vezes desejando EstĂĄ segura
Com essa pretensĂŁo Nesta empresa,
TĂŁo estranha, tĂŁo doce, Honrosa e altaVoltando sĂł por vĂłs Outra ventura,
Jurando nĂŁo seguir Rara firmeza,
Sem ser no vosso amor Achado em falta.
Dizei, Senhora, Da Beleza Ideia:
Dizei, Senhora, da Beleza ideia:
para fazerdes esse ĂĄureo crino,
onde fostes buscar esse ouro fino?
de que escondida mina ou de que veia?Dos vossos olhos essa luz Febeia,
esse respeito, de um império dino?
Se o alcançastes com saber divino,
se com encantamentos de Medeia?De que escondidas conchas escolhestes
as perlas preciosas orientais
que, falando, mostrais no doce riso?Pois vos formastes tal, como quisestes,
vigiai-vos de vĂłs, nĂŁo vos vejais,
fugi das fontes: lembre-vos Narciso.
O MĂĄgico Veneno
Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de quĂȘ; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravĂssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
IndĂcio da alma, limpo e gracioso;Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento;Esta foi a celeste formosura
Da minha Circe, e o mĂĄgico veneno
Que pĂŽde transformar meu pensamento.
Esforço Grande, Igual Ao Pensamento;
Esforço grande, igual ao pensamento;
pensamentos em obras divulgados,
e nĂŁo em peito timido encerrados
e desfeitos despois em chuva e vento;animo da cobiça baixa isento,
dino por isso sĂł de altos estados,
fero açoute dos nunca bem domados
povos do Malabar sanguinolento;gentileza de membros corporais,
ornados de pudica continĂȘncia,
obra por certo rara de natura:estas virtudes e outras muitas mais,
dinas todas da homĂ©rica eloquĂȘncia,
jazem debaixo desta sepultura