Sonetos sobre Luz de Luís Filipe Castro Mendes

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Sonetos de luz de Luís Filipe Castro Mendes. Leia este e outros sonetos de Luís Filipe Castro Mendes em Poetris.

Tentação

Eu não resistirei à tentação,
não quero que de mim possas perder-te,
que só na fonte fria da razão
renasça a minha sede de beber-te.

Eu não resistirei à tentação
de quanto adivinhei nesta amargura:
um sim que só assalta quem diz não,
um corpo que entrevi na selva escura.

Resistirei a te chamar paixão,
a te perder nos versos, nas palavras:
mas não resistirei à tentação
de te dizer que o céu é o que rasa

a luz que nos teus olhos eu perdi
e que na terra toda não mais vi.

Fim do Dia

Aquieta-se o silêncio na folhagem,
que em árvores teceu amor antigo;
sobressalto transposto da viagem
que o dia rumoroso fez consigo.

O coração, que é sombra na paisagem,
dá às palavras vãs outro sentido;
e é murmúrio desfeito na aragem,
que do entardecer recolhe abrigo.

Ares assim se fazem de uma luz
que torna como baço o sol poente;
e o coração à estrema se reduz,
como o dia se volve mais ausente.

Recolhem-se as palavras no vagar
que dia nem fulgor nos podem dar.

Dedicatória

A quem não basta a vida, a quem procura
as luzes escondidas de outra noite
deixo dedicatória e pronta fuga
da treva que nos ronda até à morte.

Mas já não sei mentir. Ruim figura.
Durou o nosso enredo uma só noite.
Teu corpo eu aprendi nessas escuras
sombras a que não chega nem a morte.

A quem não basta a vida, a quem engana
essa réstea de luz dentro da noite
deixo dedicatória e abro os olhos:
que tudo nos é dado de repente.

E num feixe de sombras imprecisas
arde o que resta a quem não basta a vida.

Crítica da Poesia

Que a frenética poesia me perdoe
se a um baço rumor levanto o laço,
pois que verso não há onde não soe
a música discreta doutro espaço.

Horizonte do verso é a dureza:
já mansidão não cabe neste olhar
que se pousa na faca sobre a mesa
e aprende nela o fio do seu cantar.

Mas se olhar nela pousa, como corta?
E se as palavras sabemos retomar,
quem nos devolve a chave dessa porta
onde a herança está por encerrar?

Tão longe está de nós a poesia
como nuvem nos rouba a luz do dia.