Sonetos sobre Luz

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Sonetos de luz escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Mors Liberatrix

(A BulhĂŁo Pato)

Na tua mĂŁo, sombrio cavaleiro,
Cavaleiro vestido de armas pretas,
Brilha uma espada feita de cometas,
Que rasga a escuridĂŁo como um luzeiro.

Caminhas no teu curso aventureiro,
Todo involto na noite que projectas…
Só o gládio de luz com fulvas betas
Emerge do sinistro nevoeiro.

— «Se esta espada que empunho é coruscante,
(Responde o negro cavaleiro-andante)
É porque esta é a espada da Verdade.

Firo, mas salvo… Prostro e desbarato,
Mas consolo… Subverto, mas resgato…
E, sendo a Morte, sou a Liberdade.»

Quando A Suprema Dor Muito Me Aperta

Quando a suprema dor muito me aperta,
se digo que desejo esquecimento,
é força que se faz ao pensamento,
de que a vontade livre desconserta.

Assi, de erro tĂŁo grave me desperta
a luz do bem regido entendimento,
que mostra ser engano ou fingimento
dizer que em tal descanso mais se acerta.

Porque essa prĂłpria imagem, que na mente
me representa o bem de que careço,
faz-mo de um certo modo ser presente.

Ditosa é, logo, a pena que padeço,
pois que da causa dela em mim se sente
um bem que, inda sem ver-vos, reconheço.

Bondade

É a bondade que te faz formosa,
Que a alma te diviniza e transfigura;
É a bondade, a rosa da ternura,
Que te perfuma com perfume Ă  rosa.

Teu ser angelical de luz bondosa
Verte em meu ser a mais sutil doçura,
Uma celeste, lĂ­mpida frescura,
Um encanto, uma paz maravilhosa.

Eu afronto contigo os vampirismos,
Os corruptos e mĂłrbidos abismos
Que em vĂŁo busquem tentar-me no Caminho.

Na suave, na doce claridade,
No consolo, de amor dessa bondade
Bebo a tu’alma como etĂ©reo vinho.

No Mundo Poucos Anos, E Cansados

No mundo poucos anos, e cansados,
vivi, cheios de vil miséria dura;
foi-me tĂŁo cedo a luz do dia escura,
que nĂŁo vi cinco lustros acabados.

Corri terras e mares apartados
buscando à vida algum remédio ou cura;
mas aquilo que, enfim, nĂŁo quer ventura,
não o alcançam trabalhos arriscados.

Criou-me Portugal na verde e cara
pátria minha Alenquer; mas ar corruto
que neste meu terreno vaso tinha,

me fez manjar de peixes em ti, bruto
mar, que bates na Abássia fera e avara,
tão longe da ditosa pátria minha!

LXXV

Como se moço e não bem velho eu fosse
Uma nova ilusĂŁo veio animar-me.
Na minh’alma floriu um novo carme,
O meu ser para o céu alcandorou-se.

Ouvi gritos em mim como um alarme.
E o meu olhar, outrora suave e doce,
Nas ânsias de escalar o azul, tornou-se
Todo em raios que vinham desolar-me.

Vi-me no cimo eterno da montanha,
Tentando unir ao peito a luz dos cĂ­rios
Que brilhavam na paz da noite estranha.

Acordei do áureo sonho em sobressalto:
Do céu tombei aos caos dos meus martírios,
Sem saber para que subi tĂŁo alto…

Testamento do Homem Sensato

Quando eu morrer, não faças disparates
nem fiques a pensar: «Ele era assim…»
mas senta-te num banco de jardim,
calmamente comendo chocolates.

Aceita o que te deixo, o quase nada
destas palavras que te digo aqui:
foi mais que longa a vida que eu vivi,
para ser em lembranças prolongada.

Porém, se, um dia, só, na tarde em queda,
surgir uma lembrança desgarrada,
ave que nasce e em voo se arremeda,

deixa-a pousar em teu silĂŞncio, leve
como se apenas fosse imaginada,
com uma luz, mais que distante, breve.

XXXI

Longe de ti, se escuto, porventura,
Teu nome, que uma boca indiferente
Entre outros nomes de mulher murmura,
Sobe-me o pranto aos olhos, de repente…

Tal aquele, que, mĂ­sero, a tortura
Sofre de amargo exĂ­lio, e tristemente
A linguagem natal, maviosa e pura,
Ouve falada por estranha gente…

Porque teu nome Ă© para mim o nome
De uma pátria distante e idolatrada,
Cuja saudade ardente me consome:

E ouvi-lo Ă© ver a eterna primavera
E a eterna luz da terra abençoada,
Onde, entre flores, teu amor me espera.

O autor aos seus versos

Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mĂŁo da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:

Vede a luz, nĂŁo busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:

NĂŁo vos inspire, Ăł versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz e tirania:

Desculpa tendes, se valeis tĂŁo pouco,
Que nĂŁo pode cantar com melodia
Um peito de gemer cansado e rouco.

Num Leque

Na gaze loura d’este leque adeja
NĂŁo sei que aroma mĂ­stico e encantado…
Doce morena! Abençoado seja
O doce aroma de teu leque amado!

Quando o entreabres, a sorrir, na Igreja,
O templo inteiro fica embalsamado…
AtĂ© minh’alma carinhosa o beija,
Como a toalha de um altar sagrado.

E enquanto o aroma inebriante voa,
Unido aos hinos que, no coro, entoa
A voz de um órgão soluçando dores,

SĂł me parece que o choroso canto
Sobe da gaze de teu leque santo,
Cheio de luz e de perfume e flores!

MagnĂłlia Dos TrĂłpicos

A AraĂşjo Figueredo

Com as rosas e o luar, os sonhos e as neblinas,
Ă“ magnĂłlia de luz, cotovia dos mares,
Formaram-te talvez os brancos nenĂşfares
Da tua carne ideal, de correções felinas.

O teu colo pagĂŁo de virgens curvas finas
É o mais imaculado e flóreo dos altares,
Donde eu vejo elevar-se eternamente aos ares
Viáticos de amor e preces diamantinas.

Abre, pois, para mim os teus braços de seda
E do verso através a límpida alameda
Onde há frescura e sombra e sol e murmurejo;

Vem! com a asa de um beijo a boca palpitando,
No alvoroço febril de um pássaro cantando,
Vem dar-me a extrema-unção do teu amor num beijo.

IV

Como a floresta secular, sombria,
Virgem do passo humano e do machado,
Onde apenas, horrendo, ecoa o brado
Do tigre, e cuja agreste ramaria

NĂŁo atravessa nunca a luz do dia,
Assim também, da luz do amor privado,
Tinhas o coração ermo e fechado,
Como a floresta secular, sombria…

Hoje, entre os ramos, a canção sonora
Soltam festivamente os passarinhos.
Tinge o cimo das árvores a aurora…

Palpitam flores, estremecem ninhos, . .
E o sol do amor, que nĂŁo entrava outrora,
Entra dourando a areia dos caminhos.

Magro, de Olhos azuis, CarĂŁo Moreno

Magro, de olhos azuis, carĂŁo moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e nĂŁo pequeno;

Incapaz de assistir num sĂł terreno,
Mais propenso ao furor do que Ă  ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;

Eis Bocage, em quem luz algum talento;
SaĂ­ram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.

Natureza

Aos Poetas

Tudo por ti resplende e se constela,
Tudo por ti, suavĂ­ssimo, flameja;
És o pulmão da racional peleja,
Sempre viril, consoladora e bela.

Teu coração de pérolas se estrela,
E o bom falerno dás a quem deseja
Vigor, saúde a crença que floreja,
Que as expansões do cérebro revela.

Toda essa luz que bebe-se de um hausto
Nos livros sĂŁos, todo esse enorme fausto
Vem das verduras brandas que reluzem!

Esse da idéia esplêndido eletrismo,
O forte, o grande, audaz psicologismo,
Os organismos naturais produzem…

O Primeiro Filho

A virgem de ontem é já hoje mãe:
O leito azul e branco do noivado
Ei-lo, em bem pouco tempo, transformado
Num berço onde existe mais alguém.

Na rósea alcova atapetada, além,
Uma velhota, ex-noiva do passado,
Beijando o pequenito com cuidado,
Diz: — Bom tempo em que eu fui assim, também.

No entanto a boa mãe cheia de Graça,
Estende-se no leito, exausta e lassa,
Cercada duma auréola de luz.

E beijando o filhito que adormece,
Olhada assim, de sĂşbito, parece
A Virgem MĂŁe a acalentar Jesus…

Chopin

NĂŁo se acende hoje a luz…Todo o luar
Fique lá fora.Bem Aparecidas
As estrelas miudinhas, dando no ar
As voltas dum cordĂŁo de margaridas!

Entram falenas meio entontecidas…
Lusco-fusco…um morcego a palpitar
Passa…torna a passar…torna a passar…
As coisas tĂŞm o ar de adormecidas…

Mansinho…Roça os dedos plo teclado,
No vago arfar que tudo alteia e doira,
Alma, Sacrário de Almas, meu Amado!

E, enquanto o piano a doce queixa exala,
Divina e triste, a grande sombra loira
Vem para mim da escuridĂŁo da sala…

Sonetos

Do som, da luz entre os joviais duetos,
Como uma chusma alada de gaivotas,
Vindos das largas amplidões remotas,
Batem as asas todos os sonetos.

VĂŁo — por estradas, por difĂ­ceis rotas,
Quatorze versos — entre dois quartetos
E duas belas e luzidas frotas
Rijas, seguras, de mais dois tercetos.

Com a brunida lâmina da lima,
Vão céus radiosos, horizontes acima,
Pelas paragens lĂ­mpidas, gentis,

Atravessando o campo das quimeras,
Aberto ao sol das flĂłreas primaveras,
Todo estrelado de áureos colibris.

Divino Instante

Ser uma pobre morta inerte e fria,
Hierática, deitada sob a terra,
Sem saber se no mundo há paz ou guerra,
Sem ver nascer, sem ver morrer o dia;

Luz apagada ao alto e que alumia,
Boca fechada Ă  fala que nĂŁo erra,
Urna de bronze que a Verdade encerra,
Ah! ser Eu essa morta inerte e fria!

Ah! fixar o efémero! Esse instante
Em que o teu beijo sĂ´frego de amante
Queima o meu corpo frágil de âmbar loiro;

Ah! fixar o momento em que, dolente,
Tuas pálpebras descem, lentamente,
Sobre a vertigem dos teus olhos de oiro!

Inconstância

Procurei o amor que me mentiu.
Pedi Ă  Vida mais do que ela dava.
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarĂŁo nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer…
Um sol a apagar-se e outro a acender
Nas brumas dos atalhos por onde ando…

E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há de partir tambĂ©m… nem eu sei quando…

Cheiro De Espádua

“Quando a valsa acabou, veio Ă  janela,
Sentou-se. O leque abriu. Sorria e arfava,
Eu, viração da noite, a essa hora entrava
E estaquei, vendo-a decotada e bela.

Eram os ombros, era a espádua, aquela
Carne rosada um mimo! A arder na lava
De improvisa paixĂŁo, eu, que a beijava,
Hauri sequiosa toda a essĂŞncia dela!

Deixei-a, porque a vi mais tarde, oh! ciĂşme!
Sair velada da mantilha. A esteira
Sigo, até que a perdi, de seu perfume.

E agora, que se foi, lembrando-a ainda,
Sinto que Ă  luz do luar nas folhas, cheira
Este ar da noite Ă quela espádua linda!”

Diferente

Buscando o vĂŁo Ideal que me seduz,
Sem que o atinja me disperso e gasto,
E ansiosamente aos braços duma cruz
Ergo o perfil de iluminado e casto.

Já tristemente desdenhoso afasto
O manto de burel dos ombros nus;
E a noite pisa a forma do meu rasto,
Se deixo atrás de mim passos de luz.

Na minha tez suave e nazarena,
Transparecem vislumbres dessa pena
Que Deus pelos estranhos hĂ  sentido…

E frio e calmo, a divergir da Raça,
Mal poiso os lábios no cristal da taça
Por onde as outras almas tĂŞm bebido!