Visita
Adornou o meu quarto a flor do cardo,
Perfumei-o de almiscar recendente;
Vesti-me com a purpura fulgente,
Ensaiando meus cantos, como um bardo;Ungi as mãos e a face com o nardo
Crescido nos jardins do Oriente,
A receber com pompa, dignamente,
Mysteriosa visita a quem aguardo.Mas que filha de reis, que anjo ou que fada
Era essa que assim a mim descia,
Do meu casebre á humida pousada?…Nem princezas, nem fadas. Era, flor,
Era a tua lembrança que batia
Ás portas de ouro e luz do meu amor!
Sonetos sobre Luz
465 resultadosTrabalho E Luz I
Luz e trabalho, eis a divisa imensa
Da nova legião de um mundo novo.
Das águias do porvir fecunde-se o ovo
No vigor do trabalho unido à crença.D’árvore humanidade à luz intensa
Do livre ensino brota o são renovo
Rico de luz se nobilita o povo
Do trabalho na santa recompensa.Trabalham para a luz almas, que alentam
O brilho do trabalho. Os benefícios
Da luz da educação a Deus contentam.Trabalho e luz contra o furor dos vícios,
No trabalho e na luz que a paz sustentam,
Glória ao Liceu de Artes e de Ofícios.
Soneto III
Rosto que a branca rosa tem vencida,
E ante quem a vermelha é descorada,
Olhos, claras estrelas, que espantada
Têm a alma, aceso o peito, presa a vida;Cabelos, puros raios, que abatida
Deixam da manhã clara a luz dourada,
Divina fermosura, acompanhada
De üa virtude a poucas concedida;Palavras cheias de alto entendimento
Raro riso, alto assento, casto peito,
Santos costumes, vivo e grave esprito;Divino e repousado movimento,
E muito mais, que está em minha alma escrito,
Me tem num puro amor todo desfeito.
Soror Saudade
A Américo Durão
Irmã, Soror Saudade, me chamaste…
E na minh’alma o nome iluminou-se
Como um vitral ao sol, como se fosse
A luz do próprio sonho que sonhaste.Numa tarde de Outono o murmuraste;
Toda a mágoa do Outono ele me trouxe;
Jamais me hão-de chamar outro mais doce;
Com ele bem mais triste me tornaste…E baixinho, na alma de minh’alma,
Como bênção de sol que afaga e acalma,
Nas horas más de febre e de ansiedade,Como se fossem pétalas caindo,
Digo as palavras desse nome lindo
Que tu me deste: “Irmã, Soror Saudade”…
Inferno
Há no centro da Terra ampla caverna,
Reino imenso dos anjos rebelados,
Lago horrendo de enxofres inflamados,
Que acende o sopro da Vingança eterna.O seu fogo maldito é sem lucerna,
Que faz trevas dos fumos condensados.
Seus tectos e alçapões, enfarruscados,
Não deixam lá entrar a luz externa.Silvosos gritos, hórridos lamentos,
Blasfémias, maldições, desata o vício
Bramando, sem cessar, em seus tormentos.Que imensos réus no eterno precipício
Caindo estão, a todos os momentos!
O Inferno sem fim, fatal suplício.
Luz Da Natureza
Luz que eu adoro, grande Luz que eu amo,
Movimento vital da Natureza,
Ensina-me os segredos da Beleza
E de todas as vozes por quem chamo.Mostra-me a Raça, o peregrino Ramo
Dos Fortes e dos Justos da Grandeza,
Ilumina e suaviza esta rudeza
Da vida humana, onde combato e clamo.Desta minh’alma a solidão de prantos
Cerca com os teus leões de brava crença,
Defende com so teus gládios sacrossantos.Dá-me enlevos, deslumbra-me, da imensa
Porta esferal, dos constelados mantos
Onde a Fé do meu Sonho se condensa!
Hora Mística
Noite caindo … Céu de fogo e flores.
Voz de Crepúsculo exalando cores,
O céu vai cheio de Deus e de harmonia.
Silêncio … Eis-me rezando aos fins do dia.Névoa de luz criando imagens na água,
Nome das águas esculpindo os céus,
Tarde aos relevos húmidos de frágua,
Boca da noite, eis-me rezando a Deus.Eis-me entoando, a voz de cinza e ouro,
— Oh, cores na água vindo às mãos em branco! —
Minha ópera de Sol ao último arranco.E, oh! hora mística em que o olhar abraso,
— Sol expirando aos Pórticos do Ocaso! —
Dobra em meu peito um oceano em coro.
Ser Dos Seres
No teu ser de silêncio e d’esperança
A doce luz das Amplidões flameja.
Ele sente, ele aspira, ele deseja
A grande zona da imortal Bonança.Pelos largos espaços se balança
Como a estrela infinita que dardeja,
Sempre isento da Treva que troveja
O clamor inflamado da Vingança.Por entre enlevos e deslumbramentos
Entra na Força astral dos Sentimentos
E do Poder nos mágicos poderes.E traz, embora os íntimos cansaços,
Ânsias secretas para abrir os braços
Na generosa comunhão dos Seres!
Vem Despontando A Aurora, A Noite Morre
Vem despontando a aurora, a noite morre,
Desperta a mata virgem seus cantores,
Medroso o vento no arraial das flores
Mil beijos furta e suspirando corre.Estende a névoa o manto e o val percorre,
Cruzam-se as borboletas de mil cores,
E as mansas rolas choram seus amores
Nas verdes balsas onde o orvalho escorre.E pouco a pouco se esvaece a bruma,
Tudo se alegra à luz do céu risonho
E ao flóreo bafo que o sertão perfuma.Porém minh’alma triste e sem um sonho
Murmura olhando o prado, o rio, a espuma:
Como isto é pobre, insípido, enfadonho!
Espiritualismo
Ontem, à tarde, alguns trabalhadores,
Habitantes de além, de sobre a serra,
Cavavam, revolviam toda a terra,
Do sol entre os metálicos fulgores.Cada um deles ali tinha os ardores
De febre de lutar, a luz que encerra
Toda a nobreza do trabalho e — que erra
Só na cabeça dos conspiradores,Desses obscuros revolucionários
Do bem fecundo e cultural das leivas
Que são da Vida os maternais sacrários.E pareceu-me que do chão estuante
Vi porejar um bálsamo de seivas
Geradoras de um mundo mais pensante.
Amor Vivo
Amar! mas d’um amor que tenha vida…
Não sejam sempre tímidos harpejos,
Não sejam só delirios e desejos
D’uma douda cabeça escandecida…Amor que vive e brilhe! luz fundida
Que penetre o meu ser — e não só beijos
Dados no ar — delírios e desejos —
Mas amor… dos amores que têm vida…Sim, vivo e quente! e já a luz do dia
Não virá dissipa-lo nos meus braços
Como névoa da vaga fantasia…Nem murchará do sol á chama erguida…
Pois que podem os astros dos espaços
Contra débeis amores… se têm vida?
Cinzento
Poeiras de crepúsculos cinzentos.
Lindas rendas velhinhas, em pedaços,
Prendem-se aos meus cabelos, aos meus braços,
Como brancos fantasmas, sonolentos…Monges soturnos deslizando lentos,
Devagarinho, em misteriosos passos…
Perde-se a luz em lânguidos cansaços…
Ergue-se a minha cruz dos desalentos!Poeiras de crepúsculos tristonhos,
Lembram-me o fumo leve dos meus sonhos,
A névoa das saudades que deixaste!Hora em que teu olhar me deslumbrou…
Hora em que a tua boca me beijou…
Hora em que fumo e névoa te tornaste…
Estar Assim, Assente na Saudade
Estar assim, assente na saudade,
com todo o peso repousando em si,
a prende à luz da sua antiguidade
parando na de aqui.Concentra-se na sua densidade.
A tarde, à volta, ilustra no perfil
uma penumbra de profundidade
de onde o azul aviva a luz de Abril.E a juventude adensa-se na tarde.
Agrava, ao lume duma paz antiga,
o modelado meditar. O ar deestar ao centro de um amor que diga
quanto está perto da sua eternidade
este toque de luz na rapariga.
O Camarim
A luz do sol afaga docemente
As bordadas cortinas de escumilha;
Penetrantes aromas de baunilha
Ondulam pelo tépido ambiente.Sobre a estante do piano reluzente
Repousa a Norma, e ao lado uma quadrilha;
E do leito francês nas colchas brilha
De um cão de raça o olhar inteligente.Ao pé das longas vestes, descuidadas
Dormem nos arabescos do tapete
Duas leves botinas delicadas.Sobre a mesa emurchece um ramalhete,
E entre um leque e umas luvas perfumadas
Cintila um caprichoso bracelete.
Pálida, À Luz Da Lâmpada Sombria
Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!Era a virgem do mar! na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!Era mais bela! o seio palpitando…
Negros olhos as pálpebras abrindo…
Formas nuas no leito resvalando…Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti – as noites eu velei chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
Aleluia! Aleluia!
Dentre um cortejo de harpas e alaúdes
Ó Arcanjo sereno, Arcanjo níveo,
Baixas-te à terra, ao mundanal convívio…
Pois que a terra te ajude, e tu me ajudes.Que tu me alentes nas batalhas rudes,
Que me tragas a flor de um doce alívio
Aos báratros, às brenhas, ao declívio
Deste caminho de ânsias e ataúdes…Já que desceste das regiões celestes,
Nesse clarão flamívomo das vestes,
Através dos troféus da EternidadeTraz-me a Luz, traz-me a Paz, traz-me a Esperança
Para a minh’alma que de angústias cansa,
Errando pelos claustros da Saudade!
Vingança
“Vingança…”
II
Quero sentir-te nos meus braços presa
e dizer bem baixinho ao teu ouvido,
um segredo de amor terno e sentido
que guardo no meu peito com avareza…Quero ter afinal plena certeza
deste amor que na vida me tem sido:
o meu sonho mais lindo e mais querido,
a luz de uma esperança, sempre acesa…Nesta rosa que tens, viva e vermelha
esmigalhada em tua boca – a abelha
do meu beijo algum dia hei de pousar…Quero unir minha vida à tua vida,
sentir que és minha só, ter-te possuída,
para então, só depois, te abandonar!…
Acordando
Em sonho, às vezes, se o sonhar quebranta
Este meu vão sofrer; esta agonia,
Como sobe cantando a cotovia,
Para o céu a minh’alma sobe e canta.Canta a luz, a alvorada, a estrela santa,
Que ao mundo traz piedosa mais um dia…
Canta o enlevo das cousas, a alegria
Que as penetra de amor e as alevanta…Mas, de repente, um vento humido e frio
Sopra sobre o meu sonho: um calafrio
Me acorda. — A noite é negra e muda: a dorCá vela, como d’antes, ao meu lado…
Os meus cantos de luz, anjo adorado,
São sonho só, e sonho o meu amor!
Soneto 510 Malocatário
Soneto é um apertado apartamento
num vasto condomínio de inquilinos.
A mesma planta e vários seus destinos:
um drama urbano em cada pavimento.Dois quartos, pouca luz e muito vento,
que podem ser alcovas ou cassinos,
paróquias parcas, clubes clandestinos,
abrigo do autor brega ou do briguento.Agora virou zona, mas um dia
foi casa de família e regra tinha:
conversa só começa se o pai pia.Além da comezinha escrivaninha,
só tem privada, cama, mesa e pia.
Sem sala, o papo acaba na cozinha.
Meu Calvário
Ando sempre a seguir-te… a buscar-te distante
como a visão que anseio e os olhos me seduz,
– e espero te encontrar, sentir de perto a luz
do teu olhar feliz em êxtase constante…Mas tu foges de mim, foges a cada instante,
e eu que a este andar eterno já me predispus,
embora às vezes pare, – sigo logo adiante
sem mesmo perceber que esse amor é uma cruz!Não sei se hás de ser minha! O teu afastamento
cresce à frente de mim, – no entanto, o imaginário
desejo de alcançar-te ergue o meu desalento…E, após tanto sofrer, sentir-me-ei consolado,
– se ao cair no caminho… e ao fim do meu Calvário
for morrer sobre a cruz dos braços teus pregado!