Sonetos sobre Luz

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Sonetos de luz escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Retrato da Beleza Nova e Pura

Retrato da beleza nova e pura
Que com divina mĂŁo, divino engenho,
Amor retratou na alma, onde vos tenho
Das injĂşrias do tempo mais segura,

NĂŁo mostreis aspereza em tal brandura,
Por vos vingar de mim, vendo que venho
a tanta confiança, que detenho
Os olhos em tamanha formosura.

O resplendor do CĂ©u, sem dar mais pena
A quem olha seus raios em direito,
A vista só por breve espaço assombra,

Mas vossa luz mais clara, mais serena,
Juntamente me cega, e abrasa o peito:
Vede o Sol que fará, de que sois sombra!

A Um Grande Sujeito Invejado E Aplaudido

Temerária, soberba, confiada,
Por altiva, por densa, por lustrosa,
A exalação, a névoa, a mariposa,
Sobe ao sol, cobre o dia, a luz lhe enfada.

Castigada, desfeita, malograda,
Por ousada, por débil, por briosa,
Ao raio, ao resplendor, Ă  luz formosa,
Cai triste, fica vĂŁ, morre abrasada.

Contra vĂłs solicita, empenha, altera,
Vil afeto, ira cega, ação perjura,
Forte Ăłdio, rumor falso, inveja fera.

Esta cai, morre aquele, este nĂŁo dura,
Que em vĂłs logra, em vĂłs acha, em vĂłs venera,
Claro sol, dia cândido, luz pura.

Soneto

A Moreira de Vasconcelos

Na luta dos impossĂ­veis,
do espirito e da matéria,
tu és a águia sidérea
dos pensamentos terrĂ­veis!
(Do Autor)

É um pensar flamejador, dardânico
Uma explosão de rápidas idéias,
Que como um mar de estranhas odisséias
Saem-lhe do crânio escultural, titânico!…

Parece haver um cataclismo enorme
Lá dentro, em ânsia, a rebentar, fremente!…
Parece haver a convulsĂŁo potente,
Dos rubros astros num fragor disforme!…

HĂŁo de ruir na transfusĂŁo dos mundos
Os monumentos colossais profundos,
As cousas vĂŁs da brasileira histĂłria!

Mas o seu vulto, sobre a luz alçado,
Oh! há de erguer-se de arrebĂłis c’roado,
Como Atalaia nos umbrais da glĂłria!!…

ManhĂŁ

A manhĂŁ nasce das muitas janelas
deste sereno corpo fatigado,
sede dos meus caminhos sem cancelas,
na luz de muitos astros albergados.

Casa em que me recolho das mazelas,
dos louros, derroteiros, lado a lado,
para de mim ouvir franca seqĂĽela:
Ecce Homo! Eis o triste camuflado.

Essa tristeza antiga em residĂŞncia,
Ă s vezes se constrĂłi em face alegre,
máscara sem eu mesmo em aparência

num carnaval insĂłlito em seu frege.
O que me salva a cor nessa vivĂŞncia
Ă© saber que a poesia Ă© quem me rege.

Frutas De Maio

Maio chegou — alegre e transparente
Cheio de brilho e mĂşsica nos ares,
De cristalinos risos salutares,
Frio, porém, ó gota alvinitente.

Corre um fluido suave e odorescente
Das laranjeiras, como dos altares
O incenso — e, como a gaze azul dos mares,
Leve — há por tudo um beijo, docemente.

Isto bem cedo, de manhĂŁ — adiante
Pela tarde um sol calmo, agonizante,
Põe no horizonte resplendentes franjas.

Há carinhos, da luz em cada raio,
Filha — e eu que adoro este frescor de maio
Muito, mas muito — trago-te laranjas.

Saint-Just

Quando à tribuna ele se ergueu, rugindo,
– Ao forte impulso das paixões audazes
Ardente o lábio de terríveis frases
E a luz do gĂŞnio em seu olhar fulgindo,

A tirania estremeceu nas bases,
De um rei na fronte ressumou, pungindo,
Um suor de morte e um terror infindo
Gelou o seio aos cortesĂŁos sequazes –

Uma alma nova ergueu-se em cada peito,
Brotou em cada peito uma esperança,
De um sono acordou, firme, o Direito –

E a Europa – o mundo – mais que o mundo, a França –
Sentiu numa hora sob o verbo seu
As comoções que em séculos não sofreu!

VisĂŁo

Noiva de Satanás, Arte maldita,
Mago Fruto letal e proibido,
Sonâmbula do Além, do Indefinido
Das profundas paixões, Dor infinita.

Astro sombrio, luz amarga e aflita,
Das Ilusões tantálico gemido,
Virgem da Noite, do luar dorido,
Com toda a tua Dor oh! sĂŞ bendita!

Seja bendito esse clarĂŁo eterno
De sol, de sangue, de veneno e inferno,
De guerra e amor e ocasos de saudade…

Sejam benditas, imortalizadas
As almas castamente amortalhadas
Na tua estranha e branca Majestade!

Quanto, Quanto me Queres?

Quanto, quanto me queres? – perguntaste
Olhando para mim mas distrahida;
E quando nos meus olhos te encontraste,
Eu vi nos teus a luz da minha vida.

Nas tuas mĂŁos, as minhas, apertaste.
Olhando para mim como vencida,
«…quanto, quanto…» – de novo murmuraste
E a tua boca deu-se-me rendida!

Os nossos beijos longos e anciosos,
Trocavam-se frementes! – Ah! ninguem
Sabe beijar melhor que os amorosos!

Quanto te quero?! – Eu posso lá dizer!…
– Um grande amĂ´r sĂł se avalia bem
Depois de se perder.

Recordação

Foi por aqui, sob estes árvoredos,
Sob este doce e plácido horizonte,
Perto da clara e pequenina fonte
Que murmura lá baixo os seus segredos…

Recordo bem todos os cantos ledos
Da passarada — e lembro-me da ponte
Por sobre a qual via-se além, de fronte,
O mar azul batendo nos penedos.

Sinto a impressĂŁo ainda da paisagem,
Do trĂŞmolo (…)* da folhagem,
Das culturas rurais, do sĂ­tio agreste.

A luz do dia vinha entĂŁo morrendo…
Foi por aqui que eu pude ficar crendo
O quanto pode o teu olhar celeste.

* Rasurado

Falando Ao CĂ©u

Falas ao CĂ©u, Amor! Em vĂŁo tu falas!
Mas o céu, esse é velho, esse é velhinho,
Todo ele Ă© branco, faz lembrar o linho
Dos leitos alvos onde tu te embalas.

A alma do céu é como velhas salas
Sem ar, sem luz, como lares sem vinho
Sem água e pão, sem fogo e sem carinho,
Sem as mais toscas, as mais simples galas.

Sempre surdo, hoje o cĂ©u Ă© mudo, Ă© cego…
Jamais o coração ao céu entrego,
Eu que tĂŁo cego vou por entre abrolhos.

Mas se queres tornar jovem e louro
Dá-lhe o bordão do teu amor um pouco
Fala e vista, com a vida dos teus olhos…

O Final Do Guarani

(Santos, 15 jul. 1883)

Ceci — Ă© a virgem loira das brancas harmonias,
A doce-flor-azul dos sonhos cor de rosa,
Peri — o Ă­ndio ousado das bruscas fantasias,
O tigre dos sertões — de alma luminosa.

Amam-se com o amor indĂ´mito e latente
Que nunca foi traçado nem pode ser descrito.
Com esse amor selvagem que anda no infinito.
E brinca nos juncais, — ao lado da serpente.

PorĂ©m… no lance extremo, o lance pavoroso,
Assim por entre a morte e os tons de um puro gozo,
Dos leques da palmeira a note musical…

Vão ambos a sorrir, às águas arrojados,
Mansos como a luz, tranqüilos, enlaçados
E perdem-se na noite serena do ideal!…

Ambos

VĂŁo pela estrada, Ă  margem dos caminhos
Arenosos, compridos, salutares,
Por onde, a noite, os lĂ­mpidos luares
DĂŁo Ă s verduras leves tons de arminhos.

Nuvens alegres como os alvos linhos
Cortam a doce compridĂŁo dos ares,
Dentre as canções e os tropos singulares
Dos inefáveis, meigos passarinhos.

Do céu feliz na branda curvidade,
A luz expande a inteira alacridade,
O mais supremo e encantador afago.

E com o olhar vibrante de desejos
VĂŁo decifrando os trĂŞmulos arpejos,
E as reticĂŞncias que produz o vago.

PlenilĂşnio

Vês este céu tão límpido e constelado
E este luar que em fĂşlgida cascata,
Cai, rola, cai, nuns borbotões de prata…
VĂŞs este cĂ©u de mármore azulado…

Vês este campo intérmino, encharcado
Da luz que a lua aos páramos desata…
Vês este véu que branco se dilata
Pelo verdor do campo iluminado…

VĂŞs estes rios, tĂŁo fosforescentes,
Cheios duns tons, duns prismas reluzentes,
VĂŞs estes rios cheios de ardentias…

VĂŞs esta mole e transparente gaze…
Pois Ă©, como isso me parecem quase
Iguais, assim, Ă s nossas alegrias!

A umas Lágrimas de uma Despedida

Quando de ambos os céus caindo estava
O rico orvalho, em pérolas formado,
E sobre as frescas rosas derramado,
Igual beleza recebia e dava.

Amor que sempre ali presente estava,
Como competidor de meu cuidado,
Num vaso de cristal de ouro lavrado
As gotas uma a uma entesourava.

Eu, c’os olhos na luz, que aquele dia,
Entre as nuvens do novo sentimento,
Escassamente os raios descobria,

Se me matar (dizia) apartamento,
Ao menos não fará que esta alegria
NĂŁo seja paga igual de meu tormento.

Rio Abaixo

Treme o rio, a rolar, de vaga em vaga…
Quase noite. Ao sabor do curso lento
Da água, que as margens em redor alaga,
Seguimos. Curva os bambuais o vento.

Vivo, há pouco, de púrpura, sangrento,
Desmaia agora o Ocaso. A noite apaga
A derradeira luz do firmamento…
Rola o rio, a tremer, de vaga em vaga.

Um silĂŞncio tristĂ­ssimo por tudo
Se espalha. Mas a lua lentamente
Surge na fĂ­mbria do horizonte mudo:

E o seu reflexo pálido, embebido
Como um gládio de prata na corrente,
Rasga o seio do rio adormecido.

Ă€ Virgem SantĂ­ssima

Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia

N’um sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizĂ­vel ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza…

NĂŁo era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade…
Era outra luz, era outra suavidade,
Que atĂ© nem sei se as há na natureza…

Um mĂ­stico sofrer… uma ventura
Feita sĂł do perdĂŁo, sĂł da ternura
E da paz da nossa hora derradeira…

Ă“ visĂŁo, visĂŁo triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa…
E deixa-me sonhar a vida inteira!

Chorai, Ninfas, Os Fados Poderosos

Chorai, Ninfas, os fados poderosos
daquela soberana fermosura!
Onde foram parar na sepultura
aqueles reais olhos graciosos?

Ă“ bens do mundo, falsos e enganosos!
Que mágoas para ouvir! Que tal figura
jaza sem resplandor na terra dura,
com tal rosto e cabelos tĂŁo fermosos!

Das outras que será, pois poder teve
a morte sobre cousa tanto bela
que ela eclipsava a luz do claro dia?

Mas o mundo nĂŁo era dino dela,
por isso mais na terra nĂŁo esteve;
ao Céu subiu, que já *se* lhe devia.

Senhora minha, se de pura inveja

Senhora minha, se de pura inveja
Amor me tolhe a vista delicada,
A cor, de rosa e neve semeada,
E dos olhos a luz que o Sol deseja,

NĂŁo me pode tolher que vos nĂŁo veja
Nesta alma, que ele mesmo vos tem dada,
Onde vos terei sempre debuxada,
Por mais cruel inimigo que me seja.

Nela vos vejo, e vejo que nĂŁo nasce
Em belo e fresco prado deleitoso
Senão flor que dá cheiro a toda a serra.

Os lĂ­rios tendes nu~a e noutra face.
Ditoso quem vos vir, mas mais ditoso
Quem os tiver, se há tanto bem na terra!

Eu Como, Eu Bebo, Eu Durmo

Eu como, eu bebo, eu durmo e a vida passo
Ora bem, ora mal, como sucede:
Tomo tabaco, e chá; e se mo pede
O génio alguma vez, eu Nize abraço:

As vezes jogo, as vezes versos faço,
Que mais que a arte a natureza mede:
E talvez por saber como procede
Em se mover o Sol círculos traço.

Alguma vez me agrada a soledade,
Outras vezes a nobre companhia;
E desta sorte vou passando a idade:

E espero assim que venha a morte fria
Com o manto da eterna escuridade
Encobrir-me de todo a luz do dia.

Escravocratas

Oh! trânsfugas do bem que sob o manto régio
Manhosos, agachados — bem como um crocodilo,
Viveis sensualmente à luz dum privilégio
Na pose bestial dum cágado tranqüilo.

Eu rio-me de vĂłs e cravo-vos as setas
Ardentes do olhar — formando uma vergasta
Dos raios mil do sol, das iras dos poetas,
E vibro-vos a espinha — enquanto o grande basta

O basta gigantesco, imenso, extraordinário —
Da branca consciĂŞncia — o rĂştilo sacrário
No tĂ­mpano do ouvido — audaz me nĂŁo soar.

Eu quero em rude verso altivo adamastĂłrico,
Vermelho, colossal, d’estrĂ©pito, gongĂłrico,
Castrar-vos como um touro — ouvindo-vos urrar!