Sonetos sobre Luz

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Sonetos de luz escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Rua Dos Cataventos – XVII

Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que nĂŁo tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como Ăşnico bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mĂŁo avaramente adunca
NĂŁo haverĂŁo de arracar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trĂŞmula e triste como um ai,
A luz de um morto nĂŁo se apaga nunca!

Variação Sobre Um Soneto De Shakespeare

És como um dia cálido de estio…
Azul? Não, és mais linda e mais amena
O verĂŁo como tudo traz o frio
E o verĂŁo Ă© inconstante, e tu serena.

Tu nĂŁo trazes o frio, nem a pena
Da luz foste – tu vives, como um rio
Que cantasse uma mesma cantilena
Num sempre novo manso desvario.

NĂŁo morre o estio em ti – e no teu rosto
Ele deixou as cores da manhĂŁ
E as tristezas suaves do sol-posto.

Sem as marcas cruéis da noite vã.
E a morte que em ser também se deita
Em tua alma descansa satisfeita.

Primavera A Fora

Escute, excelentĂ­ssima: — Que aragens
Traz do árvoredo a fresca romaria;
Como este sol Ă© rubro de alegria,
Que tons de luz nas lĂ­mpidas paisagens.

Pois beba este ar e goze estas viagens
Das brancas aves, sinta esta harmonia
Da natureza e deste alegre dia
Que resplandece e ri-se nas ervagens.

Deixe lá fora estrangular-se o mundo…
Encare o céu e veja este fecundo
ChĂŁo que produz e que germina as flores.

Vamos, senhora, o braço à primavera,
E numa doce mĂşsica sincera,
Cante a balada eterna dos amores…

Toada Para Solo De Ocarina

Fio tênue do céu em claridade
tece esse manto gris meu agasalho
colhido pelos muros da cidade:
mucosa verde musgo que se espalha

como tapete denso em chĂŁo de jade
Meus pés de crivo cravam esse atalho
riscando seu grafite no mar que arde
o fogo-de-santelmo em céu talhado

Nesse caminho caio em minha sina
caio no mar que lava essa lavoura
num barco ébrio que sempre desafina

E colho o sal da noite a lua moura
crescente luz de foice me assassina
e me morro no haxixe com Rimbaud

O Que Diz A Morte

Deixai-os vir a mim, os que lidaram;
Deixai-os vir a mim, os que padecem;
E os que cheios de mágoa e tédio encaram
As prĂłprias obras vĂŁs, de que escarnecem…

Em mim, os Sofrimentos que nĂŁo saram,
PaixĂŁo, DĂşvida e Mal, se desvanecem.
As torrentes da Dor, que nunca param,
Como num mar, em mim desaparecem. –

Assim a Morte diz. Verbo velado,
Silencioso intérprete sagrado
Das cousas invisĂ­veis, muda e fria,

É, na sua mudez, mais retumbante
Que o clamoroso mar; mais rutilante,
Na sua noite, do que a luz do dia.

Tal Mostra Dá De Si Vossa Figura

Tal mostra dá de si vossa figura,
Sibela, clara luz da redondeza,
que as forças e o poder da natureza
com sua claridade mais apura.

Quem viu üa confiança tão segura,
tĂŁo singular esmalte da beleza,
que não padeça mais, se ter defesa
contra vossa gentil vista procura?

Eu, pois, por escusar essa esquivança,
a razĂŁo sujeitei ao pensamento,
que, rendida, os sentidos lhe entregaram.

Se vos ofende o meu atrevimento,
inda podeis tomar nova vingança
nas relĂ­quias da vida, que escaparam.

Soneto Da Mulher Ao Sol

Uma mulher ao sol – eis todo o meu desejo
Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz
A flor dos lábios entreaberta para o beijo
A pele a fulgurar todo o pĂłlen da luz.

Uma linda mulher com os seios em repouso
Nua e quente de sol – eis tudo o que eu preciso
O ventre terso, o pelo Ăşmido, e um sorriso
À flor dos lábios entreabertos para o gozo.

Uma mulher ao sol sobre quem me debruce
Em quem beba e a quem morda, com quem me lamente
E que ao se submeter se enfureça e soluce

E tente me expelir, e ao me sentir ausente
Me busque novamente – e se deixes a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir…

Meu Coração

Eu tenho um coração – um mĂ­sero coitado
ainda vive a sonhar… ainda sabe viver…
– acredita que o mudo Ă© um castelo encantado
e criança vive a rir batendo de prazer…

Eu tenho um coração, – um mĂ­sero coitado
que um dia há de por fim, o mundo compreender…
– Ă© um poeta, um sonhador, um pobre esperançado
que habita no meu peito e enche de sons meu ser…

Quando tudo Ă© matĂ©ria e Ă© sombra – ele Ă© uma luz…
Ainda crĂŞ na ilusĂŁo… no amor… na fantasia…
– sabe todos de cor os versos que compus…

Deus pôs-me um coração com certeza enganado:
– e Ă© por isso, talvez, que ainda faço poesia
lembrando um sonhador do sĂ©culo passado!…

Ouvi, Senhora, O Cântico Sentido

Ouvi, senhora, o cântico sentido
Do coração que geme e s’estertora
N’ânsia letal que o mata e que o devora,
E que tornou-o assim, triste e descrido.

Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,
As minhas crenças que alentei outrora
Rolam dispersas, pálidas agora,
Desfeitas todas num guaiar dorido.

E como a luz do sol vai-se apagando!
E eu triste, triste pela vida afora,
Eterno pegureiro caminhando,

Revolvo as cinzas de passadas eras,
Sombrio e mudo e glacial, senhora,
Como um coveiro a sepultar quimeras!

Natal d’um Poeta

Em certo reino, á esquina do planeta,
Onde nasceram meus AvĂłs, meus Paes,
Ha quatro lustres, viu a luz um poeta
Que melhor fĂ´ra nĂŁo a ver jamais.

Mal despontava para a vida inquieta,
Logo ao nascer, mataram-lhe os ideaes,
A falsa-fĂ©, n’uma traição abjecta,
Como os bandidos nas estradas reaes!

E, embora eu seja descendente, um ramo
D’essa arvore de Heroes que, entre perigos
E guerras, se esforçaram pelo ideal:

Nada me importas, Paiz! seja meu amo
O Carlos ou o ZĂ© da Th’reza… Amigos,
Que desgraça nascer em Portugal!

Cristo De Bronze

Ă“ Cristos de ouro, de marfim, de prata,
Cristos ideais, serenos, luminosos,
EnsangĂĽentados Cristos dolorosos
Cuja cabeça a Dor e a Luz retrata.

Ă“ Cristos de altivez intemerata,
Ă“ Cristos de metais estrepitosos
Que gritam como os tigres venenosos
Do desejo carnal que enerva e mata.

Cristos de pedra, de madeira e barro…
Ó Cristo humano, estético, bizarro,
Amortalhado nas fatais injurias…

Na rija cruz aspérrima pregado
Canta o Cristo de bronze do Pecado,
Ri o Cristo de bronze das luxĂşrias!…

O Coração – II

A solidĂŁo Ă© perfeita como um rasgo entre
as nuvens, ao Ăşltimo sonho. A solidĂŁo
que se cala em teu fundo e vai envelhecendo
na terra perdida do som descompassado.

Te guardas na intimidade dos armários,
onde a paz Ă© negra e se desagrega a luz.
Nunca foste mais do que uma ficção, matriz
de riso e sombra, um poço verde, teorema

de ilusões, engrenagem de poentes roxos.
E, agora, frouxo, já nada designas ou
desenhas. És, apenas, testemunha efémera

e longĂ­nqua, trovĂŁo engolido de Deus,
fingidor ferido de doces cantos, mentira
precária nas cordas de uma harpa febril.

X

Hirta e branca… Repousa a sua áurea cabeça
Numa almofada de cetim bordada em lĂ­rios.
Ei-la morta afinal como quem adormeça
Aqui para sofrer Além novos martírios.

De mĂŁos postas, num sonho ausente, a sombra espessa
Do seu corpo escurece a luz dos quatro cĂ­rios:
Ela faz-me pensar numa ancestral Condessa
Da Idade Média, morta em sagrados delírios.

Os poentes sepulcrais do extremo desengano
VĂŁo enchendo de luto as paredes vazias,
E velam para sempre o seu olhar humano.

Expira, ao longe, o vento, e o luar, longinquamente,
Alveja, embalsamando as brancas agonias
Na sonolenta paz desta Câmara-ardente…

Saudade do Teu Corpo

Tenho saudades do teu corpo: ouviste
correr-te toda a carne e toda a alma
o meu desejo – como um anjo triste
que enlaça nuvens pela noite calma?…

Anda a saudade do teu corpo (sentes?…)
Sempre comigo: deita-se ao meu lado,
dizendo e redizendo que nĂŁo mentes
quando me escreves: «vem, meu todo amado…»

É o teu corpo em sombra esta saudade…
Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra:
a luz do seu olhar Ă© escuridade…

Fecho os olhos ao sol para estar contigo.
É de noite este corpo que me assombra…
VĂŞs?! A saudade Ă© um escultor antigo!

Tentação

Eu não resistirei à tentação,
nĂŁo quero que de mim possas perder-te,
que sĂł na fonte fria da razĂŁo
renasça a minha sede de beber-te.

Eu não resistirei à tentação
de quanto adivinhei nesta amargura:
um sim que sĂł assalta quem diz nĂŁo,
um corpo que entrevi na selva escura.

Resistirei a te chamar paixĂŁo,
a te perder nos versos, nas palavras:
mas não resistirei à tentação
de te dizer que o céu é o que rasa

a luz que nos teus olhos eu perdi
e que na terra toda nĂŁo mais vi.

DantĂŁo

Parece-me que o vejo iluminado.
Erguendo delirante a grande fronte
– De um povo inteiro o fĂşlgido horizonte
Cheio de luz, de idéias constelado!

De seu crânio vulcĂŁo – a rubra lava
Foi que gerou essa sublime aurora
– Noventa e trĂŞs – e a levantou sonora
Na fronte audaz da populaça brava!

Olhando para a histĂłria – um sĂ©culo e a lente
Que mostra-me o seu crânio resplandente
Do passado atravĂ©s o vĂ©u profundo…

Há muito que tombou, mas inquebrável
De sua voz o eco formidável
Estruge ainda na razĂŁo do mundo!

VisĂŁo Guiadora

Ă“ alma silenciosa e compassiva
Que conversas com os Anjos da Tristeza,
Ó delicada e lânguida beleza
Nas cadeias das lágrimas cativa.

Frágil, nervosa timidez lasciva,
Graça magoada, doce sutileza
De sombra e luz e da delicadeza
Dolorosa de mĂşsica aflitiva.

Alma de acerbo, amargurado exĂ­lio,
Perdida pelos céus num vago idílio
Com as almas e visões dos desolados.

Ó tu que és boa e porque és boa és bela,
Da Fé e da Esperança eterna estrela
Todo o caminho dos desamparados.

ManhĂŁ

Alta alvorada. — Os Ăşltimos nevoeiros
A luz que nasce levemente espalha;
Move-se o bosque, a selva que farfalha
Cheia da vida dos clarões primeiros.

Da passarada os vĂ´os condoreiros,
Os cantos e o ar que as árvores ramalha
Lembram combate, estrĂ­dula batalha
De elementos contrários e altaneiros.

Vozes, trinados, vibrações, rumores
Crescem, vĂŁo se fundindo aos esplendores
Da luz que jorra de invisível taça.

E como um rei num galeĂŁo do Oriente
O sol põe-se a tocar bizarramente
Fanfarras marciais, trompas de caça.

Tormanto do Ideal

Conheci a Beleza que nĂŁo morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vĂŞ tudo, a maior nau ou torre,

Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre:
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a cĂ´r, bem como a nuvem que erra
Ao pĂ´r do sol e sobre o mar discorre.

Pedindo Ă  fĂłrma, em vĂŁo, a idea pura,
Tropéço, em sombras, na materia dura.
E encontro a imperfeição de quanto existe.

Recebi o baptismo dos poetas,
E assentado entre as fĂłrmas incompletas
Para sempre fiquei palido e triste.

O Que Alguém Disse

“Refugia-te na Arte” diz-me AlguĂ©m
“Eleva-te num vĂ´o espiritual,
Esquece o teu amor, ri do teu mal,
Olhando-te a ti própria com desdém.

SĂł Ă© grande e perfeito o que nos vem
Do que em nĂłs Ă© Divino e imortal!
Cega de luz e tonta de ideal
Busca em ti a Verdade e em mais ninguĂ©m!”

No poente doirado como a chama
Estas palavras morrem… E n’Aquele
Que Ă© triste, como eu, fico a pensar…

O poente tem alma: sente e ama!
E, porque o sol Ă© cor dos olhos d’Ele,
Eu fico olhando o sol, a soluçar…