Quem Disse que o Teu Nome Ă© uma Espada
Quem disse que o teu nome Ă© uma espada
e as tuas mĂŁos dois rios transparentes?
Quem te acordou naquela madrugada?
O voo da águia? O silvo das serpentes?Quem sabe que és a minha namorada
e me guardas os beijos mais ardentes?
Quem fez uma canção desesperada
com o sexo dos anjos impotentes?Ă“ meu amor, quem foi?, quem foi que disse
que se durante a noite alguém nos visse
fazendo amor de corpos abraçadosnos faria morrer de orgasmo e sede
ou apenas, encostados Ă parede,
em nome da alegria fuzilados?
Sonetos sobre Madrugada
32 resultadosCiganos em Viagem
A tribo que prevĂŞ a sina dos viventes
Levantou arraiais hoje de madrugada;
Nos carros, as mulher’, c’o a torva filharada
Às costas ou sugando os mamilos pendentes;Ao lado dos carrões, na pedregosa estrada,
Vão os homens a pé, com armas reluzentes,
Erguendo para o céu uns olhos indolentes
Onde já fulgurou muita ilusão amada.Na buraca onde está encurralado, o grilo,
Quando os sente passar, redobra o meigo trilo;
Cibela, com amor, traja um verde mais puro,Faz da rocha um caudal, e um vergel do deserto,
Para assim receber esses p’ra quem ‘stá aberto
O império familiar das trevas do futuro!Tradução de Delfim Guimarães
Mil Anos Há que Busco a Minha Estrela
Mil anos há que busco a minha estrela
E os Fados dizem que ma tĂŞm guardada;
Levantei-me de noite e madrugada,
Por mais que madruguei, não pude vê-la.Já não espero haver alcance dela
SenĂŁo depois da vida rematada,
Que deve estar nos céus tão remontada
Que só lá poderei gozá-la e tê-la.Pensamentos, desejos, esperança,
NĂŁo vos canseis em vĂŁo, nĂŁo movais guerra,
Façamos entre os mais uma mudança:Para me procurar vida segura
Deixemos tudo aquilo que há na terra,
Vamos para onde temos a ventura.
Caminho
I
Tenho sonhos cruĂ©is; n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente…Saudades desta dor que em vĂŁo procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum vĂ©u escuro!…Porque a dor, esta falta d’harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o cĂ©u d’agora,Sem ela o coração Ă© quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque Ă© sĂł madrugada quando chora.
Mais Luz!
(A Guilherme de Azevedo)
Amem a noite os magros crapulosos,
E os que sonham com virgens impossĂveis,
E os que inclinam, mudos e impassĂveis,
Ă€ borda dos abismos silenciosos…Tu, lua, com teus raios vaporosos,
Cobre-os, tapa-os e torna-os insensĂveis,
Tanto aos vicios crueis e inextinguiveis,
Como aos longos cuidados dolorosos!Eu amarei a santa madrugada,
E o meio-dia, em vida refervendo,
E a tarde rumorosa e repousada.Viva e trabalhe em plena luz: depois,
Seja-me dado ainda ver, morrendo,
O claro sol, amigo dos heroes!
Fogos-Fátuos
Há certas almas vãs, galvanizadas
De emoção, de pureza, de bondade,
Que como toda a azul imensidade
Chegam a ser de sĂşbito estreladas.E ficam como que transfiguradas
Por momentos, na vaga suavidade
De quem se eleva com serenidade
Ă€s risonhas, celestes madrugadas.Mas nada Ă s vezes nelas corresponde
Ao sonho e ninguém sabe mais por onde
Anda essa falsa e fugitiva chama…É que no fundo, na secreta essĂŞncia,
Essas almas de triste decadĂŞncia
SĂŁo lama sempre e sempre serĂŁo lama.
Soneto Presunçoso
Que forma luminosa me acompanha
quando, entre o lusco e o fusco, bebo a voz
do meu tempo perdido, e um rio banha
tudo o que caminhei da fonte à foz?Dos homens desde o berço enfrento a sanha
que os difere da abelha e do albatroz.
Meu irmĂŁo, meu algoz! No perde-e-ganha
quem ganhou, quem perdeu, nĂŁo fomos nĂłs.O mundo nada pesa. Atlas, sinto
a leveza dos astros nos meus ombros.
Minha alma desatenta Ă© mais pesada.Quer ganhe ou perca, sou verdade e minto.
Se pergunto, a resposta Ă© dos assombros.
No sol a pino finjo a madrugada.
Eternidade Retrospectiva
Eu me recordo de já ter vivido,
Mudo e sĂł, por olĂmpicas Esferas,
onde era tudo velhas primaveras
E tudo um vago aroma indefinido.Fundas regiões do Pranto e do Gemido
Onde as almas mais graves, mais austeras
Erravam como trĂŞmulas quimeras
Num sentimento estranho e comovido.As estrelas, longĂnquas e veladas,
Recordavam violáceas madrugadas,
Um clarĂŁo muito leve de saudade.Eu me recordo d’imaginativos
Luares liriais, contemplativos
Por onde eu já vivi na Eternidade!
A Segurança Destas Paralelas
A segurança destas paralelas
— a beira da varanda e o horizonte;
assim me pacifico, e Ă© por elas
que subo lentamente cada monte.O tempo arrefecido, e sĂł soprado
por uma brisa tarda que do mar
torna este minuto leve aconchegado,
traz mansas as certezas de se estar.E vĂŞm novos nomes: sĂŁo as fadas,
gigantes e anões, que são assim
alegres de o serem — parcos nadasque enchendo de silêncios este sim
dele fazem brinquedos, madrugadas…
Agora eu estou em ti e tu em mim.
Caminho
I
Tenho sonhos cruĂ©is; n’alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente…Saudades desta dor que em vĂŁo procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum vĂ©u escuro!…Porque a dor, esta falta d_harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o cĂ©u d’agora,Sem ela o coração Ă© quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque Ă© sĂł madrugada quando chora.II
Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quĂŞ, nem eu o sei.
d Bom dia, companheiro, te saudei,
Que a jornada é maior indo sozinhoÉ longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei…
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvário,
E queima como a areia!… Foi no entantoQue choramos a dor de cada um…
Lisboa
Ó Cidade da Luz! Perpétua fonte
De tĂŁo nĂtida e virgem claridade,
Que parece ilusĂŁo, sendo verdade,
Que o sol aqui feneça e nĂŁo desponte…Embandeira-se em chamas o horizonte:
Um fulgor áureo e róseo tudo invade:
SĂŁo mil os panoramas da Cidade,
Surge um novo mirante em cada monte.Ă“ Luz ocidental, mais que a do Oriente
Leve, esmaltada, pura e transparente,
Claro azulejo, madrugada infinda!E és, ao sol que te exalta e te coroa,
— Loira, morena, multicor Lisboa! —
TĂŁo pagĂŁ, tĂŁo cristĂŁ, tĂŁo moira ainda…
Inefável!
Nada há que me domine e que me vença
Quando a minh’alma mudamente acorda…
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa.Sou como um Réu de celestial Sentença,
Condenado do Amor, que se recorda
Do Amor e sempre no SilĂŞncio borda
D’estrelas todo o cĂ©u em que erra e pensa.Claros, meus olhos tornam-se mais claros
E tudo vejo dos encantos raros
E de outra mais serenas madrugadas!todas as vozes que procuro e chamo
Ouço-as dentro de mim, porque eu as amo
Na minh’alma volteando arrebatadas!