Sonetos sobre MĂĄgoa de Francisca JĂșlia da Silva

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Sonetos de mĂĄgoa de Francisca JĂșlia da Silva. Leia este e outros sonetos de Francisca JĂșlia da Silva em Poetris.

Ângelus

Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Ângelus ao soluço agoniado e plangente.

Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepĂșsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.

Nest’hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mĂĄgoa me invade,

Quisera ser o som, ser a noite, ébria e douda
De trevas, o silĂȘncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.

Anfitrite

Louco, Ă s doudas, roncando, em lĂĄtegos, ufano,
O vento o seu furor colérico passeia

Enruga e torce o manto Ă  prateada areia
Da praia, zune no ar, encarapela o oceano.

A seus uivos, o mar chora o seu pranto insano,
Grita, ulula, revolto, e o largo dorso arqueia;
Perdida ao longe, como um pĂĄssaro que anseia,
Alva e esguia, uma nau avança a todo o pano.

Sossega o vento; cala o oceano a sua mĂĄgoa;
Surge, esplĂȘndida, e vem, envolta em ĂĄurea bruma,
Anfitrite, e, a sorrir, nadando à tona d’água,

Lá vai
 mostrando à luz suas formas redondas,
Sua clara nudez salpicada de espuma,
Deslizando no glauco amĂ­culo das ondas.

Sonho Africano

Ei-lo em sua choupana. A lĂąmpada, suspensa
Ao teto, oscila; a um canto, um velho e ervado fimbo;
Entrando, porta dentro, o sol forma-lhe um nimbo
Cor de cinĂĄbrio em torno Ă  carapinha densa.

Estira-se no chão
 Tanta fadiga e doença!
Espreguiça, boceja
 O apagado cachimbo
Na boca, nessa meia escuridĂŁo de limbo,
Mole, semicerrando os dĂșbios olhos, pensa


Pensa na påtria, além
 As florestas gigantes
Se estendem sob o azul, onde, cheios de mĂĄgoa,
Vivem negros reptis e enormes elefantes


Calma em tudo. Dardeja o sol raios tranquilos

Desce um rio, a cantar
 Coalham-se à tona d’água
Em compacto apertão, os velhos crocodilos