Outrora
Outrora alguém olhou com os meus olhos
E alguém sentiu também com meus sentidos.
Alguém foi Eu em sonhos derruídos,
Alguém viveu de mim ante os teus olhos.Por isso se me vejo, me conheço
De me ter visto outrora no meu Eu.
O meu passado é tudo que adormeço
Tudo o que envolvo em mim e me esqueceu.E as minhas mãos que no teu sonho exaltas,
Outrora para Deus as elevei…
Não tocavam em Deus, eram mais altas.Minha presença é alma que se ausenta
E o meu passado que ante mim deixei.
Uma cadeira onde ninguém se senta.
Sonetos sobre Mãos de Alfredo Guisado
5 resultadosAnte a Paisagem
Eu fujo da Paisagem. Tenho medo.
Os pinheirais são em marfim bordados.
Sou paisagem-cetim num olhar quedo,
Oiro louco sonhando cortinados.Fujo de mim porque já sou Paisagem.
Procura-me Satã no meu chorar…
Seus passos, o ruído da folhagem.
Cimos de lírios velhos de luar.As tuas mãos fechadas e desertas,
Janelas pra o jardim, jamais abertas,
Fiam de mármore um correr de rios…E os teus olhos cansados de saudades.
Eunucos possuindo divindades…
Hora-luar a de teus olhos frios…
Ante Deus
Quando te vi eu fui o teu voar
E desci Deus pra me encontrar em mim.
Voei-me sobre pontes de marfim
E uma das pontes, Deus, em meu olhar!Aureolei-me de oiro em sombra fria
E meus voos caíram destruídos.
Foram dedos de Deus os meus sentidos.
Meu Corpo andou ao colo de Maria.Agora durmo Cristo em véus pagãos.
São tapetes de Deus as minhas mãos.
Regresso Ânsia pra alcançar os céus.Ergo-me mais. Sou o perfil da Dor.
Sobre os ombros de Deus olho em redor
E Deus não sabe qual de nós é Deus!
Ela no meu Olhar
Os meus olhos são Índias de segredos.
É Portugal seu Corpo esguio e brando.
E as cinco quinas, seus compridos dedos
Em suas mãos, bandeiras tremulando.Seus gestos lembram lanças. E ela passa…
Seu perfil de princesa faz lembrar
Batalhas que travaram ao luar,
Epopeia-marfim da minha Raça.O seu olhar é tão doente e triste
Que me parece bem que não existe
Maior mistério do que o de prendê-lo.Nos meus sentidos vive o seu sentir
E, às vezes, quando chora, põe-se a ouvir
Seu coração, velhinho do Restelo.
Ela, em meu Sonho
Ela vivia num palácio mouro…
Nas harpas, os seus dedos a espreitarem
como pajens curiosos, a afastarem
os cortinados todos fios de ouro.As suas mãos, tão leves como as aves,
ora fugiam volitando, frias,
ora pesam, trêmulas, suaves,
nas cordas, a sonharem melodias…E os sons que ela tangia, aos seus ouvidos
chegaram, receosos de senti-la,
voltavam a não ser nunca tangidos.É que ela, as suas mãos, as harpas de ouro,
não eram mais do que um supor ouvi-la
e o meu julgá-la num palácio mouro.