Vanitas
Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,
Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,
E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada
De gritos de triunfo e gritos de agonia.Prende a idéia fugaz; doma a rima bravia,
Trabalha… E a obra, por fim, resplandece acabada:
“Mundo, que as minhas mĂŁos arrancaram do nada!
Filha do meu trabalho! ergue-te Ă luz do dia!Cheia da minha febre e da minha alma cheia,
Arranquei-te da vida ao ádito profundo,
Arranquei-te do amor Ă mina ampla e secreta!Posso agora morrer, porque vives!” E o Poeta
Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo,
E cai – vaidade humana! – ao pĂ© de um grĂŁo de areia…
Sonetos sobre MĂŁos de Olavo Bilac
5 resultadosInania Verba
Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca nĂŁo diz, o que a mĂŁo nĂŁo escreve?
– Ardes, sangras, pregada a’ tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava…O Pensamento ferve, e Ă© um turbilhĂŁo de lava:
A Forma, fria e espessa, Ă© um sepulcro de neve…
E a Palavra pesada abafa a Idéia leve,
Que, perfume e dano, refulgia e voava.Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?!
No Meio Do Caminho
Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha…E paramos de sĂşbito na estrada
Da vida: longos anos, presa Ă minha
A tua mĂŁo, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.Hoje segues de novo… Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.
XXXII
Como quisesse livre ser, deixando
As paragens natais, espaço em fora,
A ave, ao bafejo tépido da aurora,
Abriu as asas e partiu cantando.Estranhos climas, longes céus, cortando
Nuvens e nuvens, percorreu: e, agora
Que morre o sol, suspende o vĂ´o, e chora,
E chora, a vida antiga recordando …E logo, o olhar volvendo compungido
Atrás, volta saudosa do carinho,
Do calor da primeira habitação…Assim por largo tempo andei perdido:
– Ali! que alegria ver de novo o ninho,
Ver-te, e beijar-te a pequenina mĂŁo!
A Sesta De Nero
Fulge de luz banhado, esplĂŞndido e suntuoso,
O palácio imperial de pórfiro luzente
E mármor da Lacônia. O teto caprichoso
Mostra, em prata incrustado, o nácar do Oriente.Nero no toro ebĂşrneo estende-se indolente…
Gemas em profusão do estrágulo custoso
De ouro bordado vĂŞem-se. O olhar deslumbra, ardente,
Da púrpura da Trácia o brilho esplendoroso.Formosa ancila canta. A aurilavrada lira
Em suas mãos soluça. Os ares perfumando,
Arde a mirra da Arábia em recendente pira.Formas quebram, dançando, escravas em coréia.
E Nero dorme e sonha, a fronte reclinando
Nos alvos seios nus da lúbrica Popéia.