Sonetos sobre MĂŁos

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Sonetos de mãos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Ă€ Morte

Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E, como uma raiz, sereno e forte.

Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mĂŁo que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.

Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!

Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
Ă€ tua espera…quebra-me o encanto!

GlĂłria

Vive dentro de mim um mundo raro
Tão vário, tão vibrante, tão profundo
Que o meu amor indĂłmito e avaro
O oculto raivoso ao outro mundo

E nele vivo audaz, ardentemente,
Sentindo consumir-se a sua chama
Que oscila e desce e sobe inquietamente;
Ouvindo a minha voz que por mim chama

Em situações grotescas que me ferem,
Ou conquistando o que meus olhos querem:
PrĂ­ncipe ou Rei sonhando com domĂ­nios.

Sinto bem que sĂŁo vĂŁs pra me prenderem
As mĂŁos da Vida, muito embora imperem
Sobre a noção real dos meus declínios.

Incontentado

Quando em teus braços, meu amor, te beijo,
se me torno, de sĂşbito, tristonho,
Ă© porque Ă s vezes, com temor, prevejo
que esta alegria pode ser um sonho.

Olho os meus olhos nos teus olhos… Ponho,
trĂŞmulo, as mĂŁos nas tuas mĂŁos… E vejo
que Ă©s tu mesma, que Ă©s tu! E ainda suponho
Ser enganado pelo meu desejo.

Quanto mais, desvairado de ansiedade,
do teu corpo, meu corpo se avizinha,
mais de ti, junto a ti, sinto saudade…

– E o meu suplĂ­cio atroz nĂŁo se adivinha,
quando, beijando-te, o pavor me invade
de que em meus braços tu não sejas minha!

NĂŁo sei, Amor, sequer, se te Consinto

NĂŁo sei, amor, sequer, se te consinto
ou se te inventas, brilhas, adormeces
nas palavras sem carne em que te minto
a verdade intemida em que me esqueces.

NĂŁo sei, amor, se as lavas do vulcĂŁo
nos lavam, veras, ou se trocam tintas
dos olhos ao cabelo ou coração
de tudo e de ti mesma. NĂŁo que sintas

outra coisa de mais que nos feneça;
mas sĂł nĂŁo sei, amor, se tu nĂŁo sabes
que sei de certo a malha que nos teça,

o vento que nos leves ou nos traves,
a mão que te nos dê ou te nos peça,
o princĂ­pio de sol que nos acabes.

Ă€ Janela De Garcia De Resende

Janela antiga sobre a rua plana…
Ilumina-a o luar com seu clarĂŁo…
Dantes, a descansar de luta insana,
Fui, talvez, flor no poĂ©tico balcĂŁo…

Dantes! Da minha glĂłria altiva e ufana,
Talvez…Quem sabe?…Tonto de ilusĂŁo,
Meu rude coração de alentejana
Me palpitasse ao luar nesse balcĂŁo…

MĂ­stica dona, em outras Primaveras,
Em refulgentes horas de outras eras,
Vi passar o cortejo ao sol doirado…

Bandeiras! Pajens! O pendĂŁo real!
E na tua mĂŁo, vermelha, triunfal,
Minha divisa: um coração chagado!…

Hora MĂ­stica

Noite caindo … CĂ©u de fogo e flores.
Voz de CrepĂşsculo exalando cores,
O céu vai cheio de Deus e de harmonia.
SilĂŞncio … Eis-me rezando aos fins do dia.

Névoa de luz criando imagens na água,
Nome das águas esculpindo os céus,
Tarde aos relevos húmidos de frágua,
Boca da noite, eis-me rezando a Deus.

Eis-me entoando, a voz de cinza e ouro,
— Oh, cores na água vindo às mãos em branco! —
Minha Ăłpera de Sol ao Ăşltimo arranco.

E, oh! hora mĂ­stica em que o olhar abraso,
— Sol expirando aos Pórticos do Ocaso! —
Dobra em meu peito um oceano em coro.

Por Consoantes Que Me Deram Forçadas

Neste mundo Ă© mais rico o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa:
Com sua lĂ­ngua, ao nobre o vil decepa:
O velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mĂŁo de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa, se inculca por tulipa;
Bengala hoje na mĂŁo, ontem garlopa:
Mais isento se mostra o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vaso a tripa,
E mais nĂŁo digo, porque a Musa topa
Em apa, em epa, em ipa, em opa, em upa.

Amiga

Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor,
A mais triste de todas as mulheres.

Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!

Beija-me as mĂŁos, Amor, devagarinho…
como se os dois nascĂŞssemos irmĂŁos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho…

Beija-mas bem!…Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mĂŁos,
Os beijos que sonhei prá minha boca!…

Meu Mal

A meu irmĂŁo

Eu tenho lido em mim, sei-me de cor,
Eu sei o nome ao meu estranho mal:
Eu sei que fui a renda dum vitral,
Que fui cipreste, caravela, dor!

Fui tudo que no mundo há de maior:
Fui cisne, e lírio, e águia, e catedral!
E fui, talvez, um verso de Nerval,
Ou, um cĂ­nico riso de Chamfort…

Fui a heráldica flor de agrestes cardos,
Deram as minhas mĂŁos aroma aos nardos…
Deu cor ao eloendro a minha boca…

Ah! de Boabdil fui lágrima na Espanha!
E foi de lá que eu trouxe esta ânsia estranha,
Mágoa não sei de quê! Saudade louca!

Tonta

Dizes que ficas tonta… quando em tua boca
ergo a taça da minha a transbordar de beijos,
e te dou a beber dessa champanha louca
que espuma nos meus lábios para os teus desejos.

Dizes… E em teu olhar incendiado talvez,
como que tonto mesmo e ardendo de calor,
vejo se refletir minha prĂłpria embriaguez
e o mundo de loucura que há no nosso amor…

E receio por ti e por mim, e receio
que um dia ao te sentir tão junto, eu enlouqueça
e aperte no meu peito a maciez do teu seio…

Dizes que ficas tonta… Hás de entĂŁo ficar louca!
E eu tomando entre as mãos tua loura cabeça
hei de fazer sangrar de beijos tua boca! …

Supremo Verbo

– Vai, Peregrino do caminho santo,
Faz da tu’alma lâmpada do cego,
Iluminando, pego sobre pego,
As invisíveis amplidões do Pranto.

Ei-lo, do Amor o Cálix sacrossanto!
Bebe-o, feliz, nas tuas mĂŁos o entrego…
És o filho leal, que eu não renego,
Que defendo nas dobras do meu manto.

Assim ao Poeta a Natureza fala!
Enquanto ele estremece ao escutá-la,
Transfigurado de emoção, sorrindo…

Sorrindo a céus que vão se desvendando,
A mundos que vĂŁo se multiplicando,
A portas de ouro que vĂŁo se abrindo!

ComunhĂŁo

Reprimirei meu pranto!… Considera
Quantos, minh’alma, antes de nĂłs vagaram,
Quantos as mĂŁos incertas levantaram
Sob este mesmo cĂ©u de luz austera!…

— Luz morta! amarga a própria primavera! —
Mas seus pacientes corações lutaram,
Crentes sĂł por instinto, e se apoiaram
Na obscura e herĂłica fĂ©, que os retempera…

E sou eu mais do que eles? igual fado
Me prende á lei de ignotas multidões. —
Seguirei meu caminho confiado,

Entre esses vultos mudos, mas amigos,
Na humilde fé de obscuras gerações,
Na comunhĂŁo dos nossos pais antigos.

Jura

Pelas rugas da fronte que medita…
Pelo olhar que interroga — e nĂŁo vĂŞ nada…
Pela miséria e pela mão gelada
Que apaga a estrela que nossa alma fita…

Pelo estertor da chama que crepita
No ultimo arranco d’uma luz minguada…
Pelo grito feroz da abandonada
Que um momento de amante fez maldita…

Por quanto há de fatal, que quanto há misto
De sombra e de pavor sob uma lousa…
Oh pomba meiga, pomba de esperança!

Eu t’o juro, menina, tenho visto
Cousas terriveis — mas jamais vi cousa
Mais feroz do que um riso de criança!

Noite do Roubo

A quem foram roubar os pobres trapos:
A mim, que sou humilde pobrezinho?
Olhem bem que o valor desses farrapos
Está em ter minha avó fiado o linho.

Ă“ rocas a fiar, contos de fadas!
Eu tinha-lhes amor e a simpatia
Que vem das saudades de algum dia,
Longe, das velhas noites seroadas.

Bragais de minha casa, e as roupas feitas
Por mĂŁos de minha mĂŁe, muito me assusta
Que os tomassem perversas mĂŁos suspeitas.

Ah! mĂŁos do furto, olhai, trazei-me Ă  justa
Os meus linhos — suor dumas colheitas —
E amor dos meus que a mim muito me custa.

VatĂ­cinio

Hás-de beber as lágrimas sombrias
que nesta hora eu bebo soluçando!,
e o veneno das minhas ironias
há-de rasgar-te os tímpanos cantando!

Hás-de esgotar a taça de agonias
neste sabor a Ăłdio… e, estertorando
hás-de crispar as tuas mãos vazias
de amor, como eu agora estou crispando!

E hás-de encontrar-me em teu surpreso olhar
com o mesmo sorriso singular
que a minha boca em certas horas tem.

E eu hei-de ver o teu olhar incerto
vagueando no intérmino deserto
dos teus braços tombados sem ninguém!

Cara Minha Inimiga, Em Cuja MĂŁo

Cara minha inimiga, em cuja mĂŁo
pĂ´s meus contentamentos a ventura,
faltou te a ti na terra sepultura,
porque me falte a mim consolação.

Eternamente as águas lograrão
a tua peregrina fermosura;
mas, enquanto me a mim a vida dura,
sempre viva em minh’alma te acharĂŁo.

E se meus rudos versos podem tanto
que possam prometer te longa histĂłria
daquele amor tĂŁo puro e verdadeiro,

celebrada serás sempre em meu canto;
porque enquanto no mundo houver memĂłria,
será minha escritura teu letreiro.

A uma Rapariga

Ă€ Nice

Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre lamaçais alteia pontes
Com tuas mĂŁos preciosas de menina.

Nessa estrada da vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!

Trata por tu a mais longĂ­nqua estrela,
Escava com as mĂŁos a prĂłpria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela!

Que as mãos da terra façam, com amor,
Da graça do teu corpo, esguia e nova,
Surgir Ă  luz a haste duma flor!…

A Idade

Ao princípio, era a doença de ser, pura e simples
exaltação das trevas de que a casa era a luz do mundo.
Ao princĂ­pio, estava o amor oculto no secreto fio
da memória do mundo. Ao princípio, era o insondável

desconhecido, aberto nas mãos maternais, sortilégio
do mundo. Ao princĂ­pio, vinha o silĂŞncio como ponto
de encontro do nada do mundo. Ao princĂ­pio, chegava
a dor da pedra opressa nos corações, sublime prodígio

do mundo. Ao princípio, revelava-se o inominável,
o imĂłvel, o informe, a intimidade temida do mundo.
Ao princĂ­pio, clamava-se a concĂłrdia e a piedade,

afirmação absoluta da constância do mundo.
Ao princĂ­pio, era o calor e a paz. Depois, a casa
abriu-se à terra fértil, a madre terra, a medonha terra.

Quando Me Ergui Ela Dormia, Nua

Quando me ergui ela dormia, nua
E sorria, em seu sono desmaiada
Tinha a face longĂ­nqua e iluminada
E alto, sseu sexo sugava a Lua.

Toquei-a, ela fremiu, gemeu, na sua
Doce fala, e bateu a mão alçada
No ar, e foi deixá-la de guardada
Sob a nádega fria, forte e crua

TĂŁo louca a minha amiga, linda e louca
Minha amiga, em seu branco devaneio
De mim, eu de amor pouco e vida pouca

Mas que tinha deixado sem receio
Um segredo de carne em sua boca
E uma gota de leite no seu seio

XL

Quem chora ausente aquela formosura,
Em que seu maior gosto deposita,
Que bem pode gozar, que sorte, ou dita,
Que nĂŁo seja funesta, triste, e escura!

A apagar os incĂŞndios da loucura
Nos braços da esperança Amor me incita:
Mas se era a que perdi, glĂłria infinita,
Outra igual que esperança me assegura!

Já de tanto delírio me despeço;
Porque o meu precipĂ­cio encaminhado
Pela mão deste engano reconheço.

Triste! A quanto chegou meu duro fado!
Se de um fingido bem não faço apreço,
Que alĂ­vio posso dar a meu cuidado!