Ó tu, consolador dos malfadados
Ó tu, consolador dos malfadados,
Ó tu, benigno dom da mão divina,
Das mágoas saborosa medicina,
Tranquilo esquecimento dos cuidados:Aos olhos meus, de prantear cansados,
Cansados de velar, teu voo inclina;
E vós, sonhos d’amor, trazei-me Alcina,
Dai-me a doce visão de seus agrados:Filha das trevas, frouxa sonolência,
Dos gostos entre o férvido transporte
Quanto me foi suave a tua ausência!Ah!, findou para mim tão leda sorte;
Agora é só feliz minha existência
No mudo estado, que arremeda a morte.
Sonetos sobre Mãos
304 resultadosVinho
Do amor tu não dirás: provo, mas não me embriago,
que não basta provar para sentir o amor.
É preciso sorvê-lo até o último trago
se a embriaguez é que dá seu profundo sabor.Teu amor deve ter profundidade e cor
não deve ser um sonho doentio e vago,
se assim for, então sim, podes te dar por pago
que este é o preço da vida e todo o seu valor.Transborda a tua taça, ergue-a nas mãos, e brinda
o momento feliz que viveste e não finda,
que só o amor que embriaga e que nos leva a extremospode glorificar os sentidos e a vida,
e vencendo a razão que nos tolhe e intimida,
nos faz reaver, de pronto, as horas que perdemos!
Regina Martyrum
Lírio do Céu, sagrada criatura,
Mãe das crianças e dos pecadores,
Alma divina como a luz e as flores
Das virgens castas a mais casta e pura;Do Azul imenso, d’essa imensa altura
Para onde voam nossas grandes dores,
Desce os teus olhos cheios de fulgores
Sobre os meus olhos cheios de amargura!Na dor sem termo pela negra estrada
Vou caminhando a sós, desatinada,
– Ai! pobre cega sem amparo ou guia! –Sê tu a mão que me conduza ao porto…
Ó doce mãe da luz e do conforto,
Ilumina o terror d’esta agonia!
Paisagens De Inverno II
Passou o outono já, já torna o frio…
– Outono de seu riso magoado.
Álgido inverno! Oblíquo o sol, gelado…
– O sol, e as águas límpidas do rio.Águas claras do rio! Águas do rio,
Fugindo sob o meu olhar cansado,
Para onde me levais meu vão cuidado?
Aonde vais, meu coração vazio?Ficai, cabelos dela, flutuando,
E, debaixo das águas fugidias,
Os seus olhos abertos e cismando…Onde ides a correr, melancolias?
– E, refratadas, longamente ondeando,
As suas mãos translúcidas e frias…
Marília De Dirceu
Soneto 5
Ao templo do Destino fui levado:
Sobre o altar num cofre se firmava,
Em cujo seio cada qual buscava,
Tremendo, anúncio do futuro estado.Tiro um papel e lio – céu sagrado,
Com quanta causa o coração pulsava!
Este duro decreto escrito estava
Com negra tinta pela mão do fado:“Adore Polidoro a bela Ormia,
sem dela conseguir a recompensa,
nem quebrar-lhe os grilhões a tirania.”Dar mãos Amor mo arranca, e sem detença,
Três vezes o levando à boca impia,
Jurou cumprir à risca a tal sentença.
Absurdo
Ninguém te disse nada, ninguém soube
do anel que se perdia em tuas mãos
e crescia nas coisas reduzindo-as
à ausência mais completa do existir.Mesmo quando o limite era essa zona
fugidia de gestos e silêncios
e a noite desdobrava em tua pele
o mapa das cidades compassivas,ninguém pôde saber do imprevisível,
do lado mais secreto e numeroso
que havia em ti, na vida que buscavase que perdias sempre, por mais fundo,
por mais limpo que fosse o privilégio
da mágoa sempre nova de perdê-la.
Se tu viesses ver-me…
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços…Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca… o eco dos teus passos…
O teu riso de fonte… os teus abraços…
Os teus beijos… a tua mão na minha…Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e riE é como um cravo ao sol a minha boca…
Quando os olhos se me cerram de desejo…
E os meus braços se estendem para ti…
Soneto XXV
O nosso ninho, a nossa casa, aquela
nossa despretensiosa água-furtada,
tinha sempre gerânios na sacada
e cortinas de tule na janela.Dentro, rendas, cristais, flores… Em cada
canto, a mão da mulher amada e bela
punha um riso de graça. Tagarela,
teu cenário cantava à minha entrada.Cantava… E eu te entrevia, à luz incerta,
braços cruzados, muito branca, ao fundo,
no quadro claro da janela aberta.Vias-me. E então, num súbito tremor,
fechavas a janela para o mundo
e me abrias os braços para o amor!
Olvido
Desce por fim sobre o meu coração
O olvido. Irrevocável. Absoluto.
Envolve-o grave como véu de luto.
Podes, corpo, ir dormir no teu caixão.A fronte já sem rugas, distendidas
As feições, na imortal serenidade,
Dorme enfim sem desejo e sem saudade
Das coisas não logradas ou perdidas.O barro que em quimera modelaste
Quebrou-se-te nas mãos. Viça uma flor…
Pões-lhe o dedo, ei-la murcha sobre a haste…Ias andar, sempre fugia o chão,
Até que desvairavas, do terror.
Corria-te um suor, de inquietação…
A Perfeição
A Perfeição é a celeste ciência
Da cristalização de almos encantos,
De abandonar os mórbidos quebrantos
E viver de uma oculta florescência.Noss’alma fica da clarividência
Dos astros e dos anjos e dos santos,
Fica lavada na lustral dos prantos,
É dos prantos divina e pura essência.Noss’alma fica como o ser que às lutas
As mãos conserva limpas, impolutas,
Sem as manchas do sangue mau da guerra.A Perfeição é a alma estar sonhando
Em soluços, soluços, soluçando
As agonias que encontrou na Terra.!
Vibra o Passado em Tudo o que Palpita
Vibra o passado em tudo o que palpita
qual dança em coração de bailarino
ao regressar já mudo o violino
e há nuvens sobre o bosque em que transitaÀ paz dos seres a morte em seu contínuo
crescer em ramos de coral incita
a bem da noite negra e infinita
ser um raro instrumento é seu destino:O ceptro dos eleitos que não cansam
o corpo que este tempo já não quebra
é como a cruz que os astros quando avançamsobre o sul traçam por medida e regra
Os deuses têm-no em suas mãos cativo
risível é quem eles mandam vivo.Tradução de Vasco Graça Moura
Humana Condição
Um sonhar-me distante, um longe incrível
É agora o meu estado: Eu sonho o Espaço
Que se fixa no mundo ao invisível
Como se o mundo andasse por meu braço,Existo além: Sou o animal temível
De Jesus com o mundo-Deus na mão.
Sou para além do mundo concebível
Onde morre e começa a criação.Eu, homem, sondo e meço o Infinito;
Sou corpo e espírito, esse corpo oculto,
E é só na mão de Deus que ressuscito.E chamam a isto humana condição …
Um nada, e tudo: — Vivo e me sepulto
Dentro e fora do próprio coração.
II
Mãos de finada, aquelas mãos de neve,
De tons marfíneos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar, mas que suplica.Erguem-se ao longe como se as eleve
Alguém que ante os altares sacrifica:
Mãos que consagram, mãos que partem breve,
Mas cuja sombra nos meus olhos fica…Mãos de esperança para as almas loucas,
Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas…Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas…
Para não Deixar de Amar-te Nunca
Saberás que não te amo e que te amo
pois que de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem a sua metade de frio.Amo-te para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo ainda.Amo-te e não te amo como se tivesse
nas minhas mãos a chave da felicidade
e um incerto destino infeliz.O meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quando te amo.
A Rua Dos Cataventos – X
Eu faço versos como os saltimbancos
Desconjuntam os ossos doloridos.
A entrada é livre para os conhecidos…
Sentai, Amadas, nos primeiros bancos!Vão começar as convulsões e arrancos
Sobre os velhos tapetes estendidos…
Olhai o coração que entre gemidos
Giro na ponta dos meus dedos brancos!“Meu Deus! Mas tu não tu não mudas o programa!”
Protesta a clara voz das Bem-Amadas.
“Que tédio!” o coro dos Amigos clama.“Mas que vos dar de novo e de imprevisto?”
Digo… e retorço as pobres mãos cansadas:
“Eu sei chorar… eu sei sofrer… Só isto!”
Dueto
Bendita sejas tu, que escancaraste
uma janela em minha solidão,
e trouxeste com a luz, esse contraste
de luz e sombra em que meus passos vão…Bendita sejas tu, que me encontraste
como um mendigo a te estender a mão,
e que inteira te deste, e assim, tornaste
milionário o meu pobre coração…Bendita sejas tu, que, de repente
fizeste renascer um sol no poente
reacendendo esse ardor com que arremetoe com que espero novamente a vida,
e transformaste, sem saber, querida,
a cantiga do só… num canto em dueto!
Velhinha
Se os que me viram já cheia de graça
Olharem bem de frente em mim,
Talvez, cheios de dor, digam assim:
“Já ela é velha! Como o tempo passa! …”Não sei rir e cantar por mais que faça!
Ó minhas mãos talhadas em marfim,
Deixem esse fio de oiro que esvoaça!
Deixem correr a vida até o fim!Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!
Tenho cabelos brancos e sou crente …
Já murmuro orações … falo sozinha …E o bando cor-de-rosa dos carinhos
Que tu me fazes, olho-os indulgente,
Como se fosse um bando de netinhos …
Tudo Muda uma Áspera Mudança
Tomava Daliana por vingança
Da culpa do pastor que tanto amava,
Casar com Gil vaqueiro; e em si vingava
O erro alheio e pérfida esquivança.A discrição segura, a confiança
Das rosas que o seu rosto debuxava,
O descontentamento lhas mudava,
Que tudo muda uma áspera mudança.Gentil planta disposta em seca terra,
Lindo fruto de dura mão colhido,
Lembranças de outro amor e fé perjura,Tornaram verde prado em dura serra;
Interesse enganoso, amor fingido,
Fizeram desditosa a formosura.
Senhora II
No calmo colo meus segredos pouso
Senhora que cavalga meu sendeiro.
Convoco vossa ajuda neste escorço
para viver a vida por inteiro.Não sei se o vero verbo em que repouso
vem me afogar no mais turvo atoleiro
mas sei pela certeza que em meu fosso
nunca se afunda o trato companheiro.Meu rosto depressivo de exilado
alberga-se em vossa aura na fadiga
trazendo o sal dos olhos marejados.Águas que são garoa da cantiga
de recorrentes gotas despejadas
as vossas mãos regando, amada e amiga.
Ante a Paisagem
Eu fujo da Paisagem. Tenho medo.
Os pinheirais são em marfim bordados.
Sou paisagem-cetim num olhar quedo,
Oiro louco sonhando cortinados.Fujo de mim porque já sou Paisagem.
Procura-me Satã no meu chorar…
Seus passos, o ruído da folhagem.
Cimos de lírios velhos de luar.As tuas mãos fechadas e desertas,
Janelas pra o jardim, jamais abertas,
Fiam de mármore um correr de rios…E os teus olhos cansados de saudades.
Eunucos possuindo divindades…
Hora-luar a de teus olhos frios…