Sonetos sobre Melhor

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Sonetos de melhor escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

V

Se sou pobre pastor, se não governo
Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes;
Se em frio, calma, e chuvas inclementes
Passo o verão, outono, estio, inverno;

Nem por isso trocara o abrigo terno
Desta choça, em que vivo, coas enchentes
Dessa grande fortuna: assaz presentes
Tenho as paixões desse tormento eterno.

Adorar as traições, amar o engano,
Ouvir dos lastimosos o gemido,
Passar aflito o dia, o mês, e o ano;

Seja embora prazer; que a meu ouvido
Soa melhor a voz do desengano,
Que da torpe lisonja o infame ruído.

Confissão

Já não me importo com o teu amor.
Podes levá-lo a quem melhor te queira.
Que eu sinto apenas a magoada dor,
de te ter dado a mocidade inteira!…

Como eu fui tua! Hoje é sem sabor
a vida… Tudo passa à minha beira
sem que eu fixe ou distinga a sua cor…
– Nada ilumina esta letal cegueira!

E não estranhes que em todos os meus versos
eu cante sempre os meus amores perversos…
– Amores que eu nunca tive e não terei:

— Sou eu a endoidecer nesse exotismo
esta dor em que tanta vez me abismo
a relembrar a vida que te dei!…

Verdade, Amor, Razão, Merecimento

Verdade, Amor, Razão, Merecimento,
qualquer alma farão segura e forte;
porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte,
têm do confuso mundo o regimento.

Efeitos mil revolve o pensamento
e não sabe a que causa se reporte;
mas sabe que o que é mais que vida e morte,
que não o alcança humano entendimento.

Doctos varões darão razões subidas,
mas são experiências mais provadas,
e por isso é melhor ter muito visto.

Cousas há i que passam sem ser criadas
e cousas criadas há sem ser passadas,
mas o melhor de tudo é crer em Cristo.

Meus Olhos Vêem Melhor se os Vou Fechando

Meus olhos vêem melhor se os vou fechando.
Viram coisas de dia e foi em vão,
mas quando durmo, em sonhos te fitando,
são escura luz que luz na escuridão.

Tu cuja sombra faz a sombra clara,
como em forma de sombras assombravas
ledo o claro dia em luz mais rara,
se em sombra a olhos sem visão brilhavas!

Que benção a meus olhos fora feita
vendo-te à viva luz do dia bem,
se a tua sombra em trevas imperfeita

a olhos sem visão no sono vem!
Vejo os dias quais noites não te vendo,
e as noites dias claros sonhos tendo.

Inverno

Já na quarta estação final da vida
Estou, do triste Inverno rigoroso.
Fustigado do tempo borrascoso,
Co’a saraiva das asas sacudida.

Gelada tenho a fronte encanecida,
O sangue frio, pálido e soroso.
Compresso está o físico nervoso
E a máquina de todo enfraquecida.

Nesta quadra da fúnebre tristeza,
Que alegria terei na sombra escura,
Se enlutada se vê a Natureza?

Só, c’os frutos da má agricultura,
Vago triste no espaço da incerteza
De que a Morte me dê melhor ventura.

Divina Comédia

Erguendo os braços para o céu distante
E apostrofando os deuses invisíveis,
Os homens clamam: — «Deuses impassíveis,
A quem serve o destino triunfante,

Porque é que nos criastes?! Incessante
Corre o tempo e só gera, inestinguíveis,
Dor, pecado, ilusão, lutas horríveis,
N’um turbilhão cruel e delirante…

Pois não era melhor na paz clemente
Do nada e do que ainda não existe,
Ter ficado a dormir eternamente?

Porque é que para a dor nos evocastes?»
Mas os deuses, com voz inda mais triste,
Dizem: — «Homens! por que é que nos criastes?»

A Mão que a Seu Amigo Hesita em Dar-se

Perguntaste se eu amo o meu amigo?
como rompendo um demorado açude
na tua voz quis hausto que transmude
todo o cristal dos ímpetos consigo

Neste meu choro enevoado abrigo
pôs-me a palavra o peito em alaúde
que uma doce pergunta tua ajude
no sim furtivo que eu levei comigo

Mas a meu lábio lento em confessar-se
um mestre inda melhor o cunharia
A mão que a seu amigo hesita em dar-se

ele a tomou o que mais firme a guia
para que ao coração secreto amando
ao mundo todo em rimas o vá dando.

Tradução de Vasco Graça Moura

A Joven Miss

Ella é tão loura, lyrica, franzina,
Tão mimosa, quieta, e virginal,
Como uma bella virgem d’um missal
Toda dourada, e preciosa e fina!

Não ha graça mais casta e femenina
Do que a d’ella! Seu riso angelical
Cria em nós todo um mundo de moral,
Melhor que tudo o que Platão ensina!

Por isso; e pela sua castidade,
Deve ser goso intenso, na verdade,
Sentir fundir-se em nós seus olhos regios!..

E o goso de a beijar trémula, amante,
Deve ser quasi extranho! – e semelhante
Ao de fazer terriveis sacrilegios.

Dos Ilustres Antigos Que Deixaram

Dos ilustres antigos que deixaram
tal nome, que igualou fama à memória,
ficou por luz do tempo a larga história
dos feitos em que mais se assinalaram.

Se se com cousas destes cotejaram
mil vossas, cada üa tão notória,
vencera a menor delas a mor glória
que eles em tantos anos alcançaram.

A glória sua foi; ninguém lha tome.
Seguindo cada um vários caminhos,
estátuas levantando no seu Templo.

Vós, honra portuguesa e dos Coutinhos,
ilustre Dom João, com melhor nome
a vós encheis de glória e a nós de exemplo.

A Água

Eu fui a sombra a converter-se em luz,
E fui a névoa a transformar-se em cor,
E fui o pranto a consagrar a dor,
Quando brilhei nos olhos de Jesus.

E fui a nuvem a buscar a altura,
E recebi do Sol a cor da chama.
Caí na terra e converti-me em lama
Para a tornar melhor e menos dura!

Fui pranto de perdão e de humildade…
E foi nuns olhos cheios de saudade
Que mais linda me fiz e desejei!…

E fui rio… e fui mar… e onda… e espuma…
E, em sonho de Poetas, fui à bruma…
O vago… o indeciso… o que não sei….

Soneto XXXXI

Quando as cerúleas ondas no mar alto,
Co’ a branda viração quieto e manso,
Que empolando-se vão de lanço em lanço,
Prognosticam dos ventos bravo assalto,

Os Delfins, com ligeiro e leve salto,
Buscam do melhor porto o mor descanso,
Passando a tempestade em seu remanso
Já livres de temor e sobressalto.

O bravo mar, é este bravo mundo,
Os Delfins, todos nós que nele andamos,
As religiões, seguros mansos portos.

Para eles deste mar nos acolhamos,
Antes que em seu abismo alto e profundo
Soçobrados fiquemos, despois mortos.