Sonetos sobre Mistério

65 resultados
Sonetos de mistério escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Cantares Bacantes (I)

O mar lava a concha cava
e cava concha lava o mar
como a lĂ­ngua limpa lava
tua concha antes de amar.

DelĂ­rio da estrela d’alva
mistério da preamar
vinda e volta abrindo a aldrava
da concha do paladar.

Oh minhas parcas de mel!
Eu me afogo em mar vinho
Ă  espera de algum batel.

Sou cantador de cordel:
estĂłrias sabor marinho
bacantes da moscatel.

Flores Da Lua

Brancuras imortais da Lua Nova
Frios de nostalgia e sonolĂȘncia…
Sonhos brancos da Lua e viva essĂȘncia
Dos fantasmas noctĂ­vagos da Cova.

Da noite a tarda e taciturna trova
Soluça, numa tremula dormĂȘncia…
Na mais branda, mais leve florescĂȘncia
Tudo em VisÔes e Imagens se renova.

Mistérios virginais dormem no Espaço,
Dormem o sono das profundas seivas,
MonĂłtono, infinito, estranho e lasso…

E das Origens na luxĂșria forte
Abrem nos astros, nas sidéreas leivas
Flores amargas do palor da Morte.

Cabelos

I

Cabelos! Quantas sensaçÔes ao vĂȘ-los!
Cabelos negros, do esplendor sombrio,
Por onde corre o fluido vago e frio
Dos brumosos e longos pesadelos…

Sonhos, mistérios, ansiedades, zelos,
Tudo que lembra as convulsÔes de um rio
Passa na noite cĂĄlida, no estio
Da noite tropical dos teus cabelos.

Passa através dos teus cabelos quentes,
Pela chama dos beijos inclementes,
Das dolĂȘncias fatais, da nostalgia…

Auréola negra, majestosa, ondeada,
Alma da treva, densa e perfumada,
LĂąnguida Noite da melancolia!

O Meu Soneto

Em atitudes e em ritmos fleumĂĄticos,
Erguendo as mĂŁos em gestos recolhidos,
Todos brocados fĂșlgidos, hierĂĄticos,
Em ti andam bailando os meus sentidos…

E os meus olhos serenos, enigmĂĄticos
Meninos que na estrada andam perdidos,
Dolorosos, tristĂ­ssimos, extĂĄticos,
SĂŁo letras de poemas nunca lidos…

As magnĂłlias abertas dos meus dedos
São mistérios, são filtros, são enredos
Que pecados dÂŽamor trazem de rastros…

E a minha boca, a rĂștila manhĂŁ,
Na Via LĂĄctea, lĂ­rica, pagĂŁ,
A rir desfolha as pétalas dos astros!..

Soneto XXXXVII

Como depois de tanta idade de ano
Agora o CĂ©u vos dĂĄ, Jacinto, Ă  terra?
Esta tardança algua culpa encerra
Ou mistério, que passa o ser humano.

Foi descuido do CĂ©u, ou foi engano
Da terra, que sem CĂ©u mil vezes erra?
Ou pouco merecer, que este desterra
De tanta glória o prémio soberano?

Nem foi erro da terra, nem foi vosso,
Nem do Céu foi, mas foi mistério seu
Que Ă  CatĂłlica Igreja se aparelha.

Filhos na mocidade o CĂ©u lhe deu:
Guardou-vos, por vos dar filho mais moço
Para consolação desta Mãe velha.

Humildade Secreta

Fico parado, em ĂȘxtase suspenso,
Às vezes, quando vou considerando
Na humildade simpĂĄtica, no brando
Mistério simples do teu ser imenso.

Tudo o que aspiro, tudo quanto penso
D’estrelas que andam dentro em mim cantando,
Ah! tudo ao teu fenĂŽmeno vai dando
Um céu de azul mais carregado e denso.

De onde nĂŁo sei tanta simplicidade,
Tanta secreta e lĂ­mpida humildade
Vem ao teu ser como os encantos raros.

Nos teus olhos tu alma transparece…
E de tal sorte que o bom Deus parece
Viver sonhando nos teus olhos claros.

PĂ©s

VI

LĂ­vidos, frios, de sinistro aspecto,
Como os pés de Jesus, rotos em chaga,
Inteiriçados, dentre a auréola vaga
Do mistério sagrado de um afeto.

Pés que o fluido magnético, secreto
Da morte maculou de estranha e maga
Sensação esquisita que propaga
Um frio n’alma, doloroso e inquieto…

PĂ©s que bocas febris e apaixonadas
Purificaram, quentes, inflamadas,
Com o beijo dos adeuses soluçantes.

PĂ©s que jĂĄ no caixĂŁo, enrijecidos,
Aterradoramente indefinidos
Geram fascinaçÔes dilacerantes!

Adeus, Adeus, Adeus!

Pareceu-me inda ouvir o nome dela
No badalar monĂłtono dos sinos.
Hermeto Lima

Adeus, adeus, adeus! E, suspirando,
SaĂ­ deixando morta a minha amada,
Vinha o luar iluminando a estrada
E eu vinha pela estrada soluçando.

Perto, um ribeiro claro murmurando
Muito baixinho como quem chorava,
Parecia o ribeiro estar chorando
As lĂĄgrimas que eu triste gotejava.

SĂșbito ecoou do sino o som profundo!
Adeus! – eu disse. Para mim no mundo
Tudo acabou-se, apenas restam mĂĄgoas.

Mas no mistério astral da noute bela
Pareceu-me inda ouvir o nome dela
No marulhar monĂłtono das ĂĄguas!

Cabelos Brancos

Cobrem-me as fontes jĂĄ cabelos brancos,
NĂŁo vou a festas. E nĂŁo vou, nĂŁo vou.
Vou para a aldeia, com os meus tamancos,
Cuidar das hortas. E nĂŁo vou, nĂŁo vou.

Cabelos brancos, vĂĄ, sejamos francos,
Minha inocĂȘncia quando os encontrou
Era um mistĂ©rio vĂȘ-los: Tive espantos
Quando os achei, menino, em meu avĂŽ.

Nem caiu neve, nem vieram gelos:
Com a estranheza ingénua da mudança,
Castanhos remirava os meus cabelos;

E, atento à cor, sem ter outra lembrança,
Ruços cabelos me doĂ­a vĂȘ-los …
E fiquei sempre triste de criança.

Aparição

Por uma estrada de astros e perfumes
A Santa Virgem veio ter comigo:
Doiravam-lhe o cabelo claros lumes
Do sacrossanto resplendor amigo.

Dos olhos divinais no doce abrigo
NĂŁo tinha laivos de PaixĂ”es e ciĂșmes:
Domadora do Mal e do perigo
Da montanha da Fe galgara os cumes.

Vestida na alva excelsa dos Profetas
Falou na ideal resignação de Ascetas,
Que a febre dos desejos aquebranta.

No entanto os olhos dela vacilavam,
Pelo mistério, pela dor flutuavam,
Vagos e tristes, apesar de Santa!

O Grande Sonho

Sonho profundo, Ăł Sonho doloroso,
Doloroso e profundo Sentimento!
Vai, vai nas harpas trĂȘmula do vento
Chorar o teu mistério tenebroso.

Sobe dos astros ao clarĂŁo radioso,
Aos leves fluidos do luar nevoento,
Às urnas de cristal do firmamento,
Ó velho Sonho amargo e majestoso!

Sobe Ă s estrelas rĂștilas e frias,
Brancas e virginais eucaristias
De onde uma luz de eterna paz escorre.

Nessa Amplidão das AmplidÔes austeras
Chora o Sonho profundo das Esferas
Que nas azuis Melancolias morre…

Freira

Em teu calmo semblante e em teu olhar parado
hĂĄ perdido – bem sei – um mistĂ©rio qualquer…
– quem sabe se pecaste… e se foi teu pecado
quem te fez esquecer que Ă©s bela e que Ă© mulher…

Hoje es santa… O passado passou — Ă© passado…
– dele jĂĄ nĂŁo terĂĄs uma ilusĂŁo sequer,
e o amor que se tornou funesto e amargurado,
sepultas no silĂȘncio… e em teu ĂĄrduo mister…

Mais Ă  frente estĂĄ a vida… a vida humana e bela!
– teu presente Ă© uma prece; teu passado: um poema;
teu futuro: um rosĂĄrio, um altar, uma cela…

Evadida do mundo – ao ver-te, Ă  luz do dia
– nĂŁo sei se te admiro a renĂșncia suprema,
ou se lastimo a tua imensa covardia!

MĂŁos

V

Ó MĂŁos ebĂșrneas, MĂŁos de claros veios,
Esquisitas tulipas delicadas,
LĂąnguidas MĂŁos sutis e abandonadas,
Finas e brancas, no esplendor dos seios.

Mãos etéricas, diåfanas, de enleios,
De eflĂșvios e de graças perfumadas,
RelĂ­quias imortais de eras sagradas
De amigos templos de relĂ­quias cheios.
MĂŁos onde vagam todos os segredos,
Onde dos ciĂșmes tenebrosos, tredos,
Circula o sangue apaixonado e forte.

Mãos que eu amei, no féretro medonho
Frias, jĂĄ murchas, na fluidez do Sonho,
Nos mistérios simbólicos da Morte!

Ela no meu Olhar

Os meus olhos são Índias de segredos.
É Portugal seu Corpo esguio e brando.
E as cinco quinas, seus compridos dedos
Em suas mĂŁos, bandeiras tremulando.

Seus gestos lembram lanças. E ela passa…
Seu perfil de princesa faz lembrar
Batalhas que travaram ao luar,
Epopeia-marfim da minha Raça.

O seu olhar Ă© tĂŁo doente e triste
Que me parece bem que nĂŁo existe
Maior mistĂ©rio do que o de prendĂȘ-lo.

Nos meus sentidos vive o seu sentir
E, às vezes, quando chora, pÔe-se a ouvir
Seu coração, velhinho do Restelo.

As Estrelas

Lå, nas celestes regiÔes distantes,
No fundo melancĂłlico da Esfera,
Nos caminhos da eterna Primavera
Do amor, eis as estrelas palpitantes.

Quantos mistérios andarão errantes,
Quantas almas em busca da Quimera,
LĂĄ, das estrelas nessa paz austera
Soluçarão, nos altos céus radiantes.

Finas flores de pérolas e prata,
Das estrelas serenas se desata
Toda a caudal das ilusÔes insanas.

Quem sabe, pelos tempos esquecidos,
Se as estrelas nĂŁo sĂŁo os ais perdidos
Das primitivas legiÔes humanas?!

Flor Nirvanizadas

Ó cegos coraçÔes, surdos ouvidos,
Bocas inĂșteis, sem clamor, fechadas,
Almas para os mistérios apagadas,
Sem segredos, sem eco e sem gemidos.

ConsciĂȘncias hirsutas de bandidos,
Vesgas, nefandas e desmanteladas,
Portas de ferro, com furor trancadas,
Dos ócios maus histéricos Vencidos.

Desenterrai-vos das sangrentas furnas
Sinistras, cabalĂ­sticas, noturnas
Onde ruge o Pecado caudaloso…

Fazei da Dor, do triste Gozo humano,
A Flor do Sentimento soberano,
A Flor nirvanizada de outro Gozo!

O que Ă© Viver?

Viver Ă© sĂł sentir como a Morte caminha
E como a Vida a quer e como a vida a chama…
Viver, minha princesa pobrezinha,
É esta morte triste de quem ama


Viver Ă© ter ainda uma quimera erguida
Ou um sonho febril a soluçar de rastos;
É beijar toda a dor humana, toda a Vida,
Como eu beijo a chorar os teus cabelos castos…

Viver Ă© esperar a Morte docemente,
Beijando a luz, beijando os cardos, e beijando
Alguém, corpo ou fantasma, que nos venha amando


É sentir a nossa alma presa tristemente
Ao mistério da Vida que nos leva
Perdidos pelo sol, perdidos pela treva…

Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor… nĂŁo cante
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, como grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente

E de te amar assim, muito e amiĂșde
É que um dia em teu corpo, de repente
Hei-de morrer de amar mais do que pude.

O Grande Momento

Inicia-te, enfim, Alma imprevista,
Entra no seio dos Iniciados.
Esperam-te de luz maravilhados
Os Dons que vĂŁo te consagrar Artista.

Toda uma Esfera te deslumbra a vista,
Os ativos sentidos requintados.
Céus e mais céus e céus transfigurados
Abrem-te as portas da imortal Conquista.

Eis o grande Momento prodigioso
Para entrares sereno e majestoso
Num mundo estranho d’esplendor sidĂ©reo.

Borboleta de sol, surge da lesma…
Oh! vai, entra na posse de ti mesma,
Quebra os selos augustos do Mistério!

Feliz!

Ser de beleza, de melamcolia,
Espírito de graça e de quebranto,
Deus te bendiga o doloroso pranto,
Enxugue as tuas lĂĄgrimas um dia.

Se a tu’alma Ă© d’estrela e d’harmonia,
Se o que vem dela tem divino encanto,
Deus a proteja no sagrado manto,
No céu, que é o vale azul da Nostalgia.

Deus a proteja na felicidade
Do sonho, do mistério, da saudade,
De cĂąnticos, de aroma e luz ardente.

E sĂȘ feliz e sĂȘ feliz subindo,
Subindo, a Perfeição na alma sentindo
Florir e alvorecer libertamente!