Sonetos sobre Momentos

66 resultados
Sonetos de momentos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Gonçalves Crespo

Esta musa da pátria, esta saudosa
Niobe dolorida,
Esquece acaso a vida,
Mas nĂŁo esquece a morte gloriosa.

E pálida, e chorosa,
Ao Tejo voa, onde no chĂŁo caĂ­da
Jaz aquela evadida
Lira da nossa América viçosa.

Com ela torna, e, dividindo os ares,
Trépido, mole, doce movimento
Sente nas frouxas cordas singulares.

NĂŁo Ă© a asa do vento,
Mas a sombra do filho, no momento
De entrar perpetuamente os pátrios lares.

O Grande Momento

Inicia-te, enfim, Alma imprevista,
Entra no seio dos Iniciados.
Esperam-te de luz maravilhados
Os Dons que vĂŁo te consagrar Artista.

Toda uma Esfera te deslumbra a vista,
Os ativos sentidos requintados.
Céus e mais céus e céus transfigurados
Abrem-te as portas da imortal Conquista.

Eis o grande Momento prodigioso
Para entrares sereno e majestoso
Num mundo estranho d’esplendor sidĂ©reo.

Borboleta de sol, surge da lesma…
Oh! vai, entra na posse de ti mesma,
Quebra os selos augustos do Mistério!

Picadeiro

Estava sossegado lá no fundo
Do meu eu e de mim sem muita pressa
Nesses momentos calmos que circundo
Roteiro e enredo em ato que começa

Minha descida ao palco do meu mundo
Que venho e represento a farsa dessa
Comédia que é de arte em que aprofundo
A pena desgarrada em vĂŁ promessa

De bem cantar somente o mais fecundo
Sonho sonhado sem a dor expressa
Que a vida vai me dando num segundo

O desempenho em títere da peça
Neste papel de doce vagabundo
Que me faz rir da dor doída à beça.

O MartĂ­rio Do Artista

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A Ăłrbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a idéa! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do Ăşltimo momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!…
É como o paralítico que, à mingua
Da prĂłpria voz e na que ardente o lavra

Febre de em vĂŁo falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a lĂ­ngua,
E nĂŁo lhe vem Ă  boca uma palavra!

De Martins Pena Foi Bem Triste A Sorte

De Martins Pena foi bem triste a sorte:
Moço, bem moço, quando o seu talento
Desabrochava n’um deslumbramento,
Caiu, ferido pela mĂŁo da morte!

Era, entretanto, um lutador, um forte,
E, como nĂŁo merece o esquecimento,
Que a nossa festa, ao menos um momento,
O seu risonho espĂ­rito conforte.

Quem o amou e o leu em vĂŁo procura
O seu nome na placa de uma esquina
Ou sobre a pedra de uma sepultura!

Porém, voltando à brasileira cena,
Há de brilhar a estrela peregrina
Que se chamou Luiz Carlos Martins Pena!

Com Os Mortos

Os que amei, onde estĂŁo? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos…

E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
Só vejo espuma lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos…

Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhĂŁo ideal do eterno Bem.

O poeta asseteado por amor

Ă“ CĂ©us! Que sinto n’alma! Que tormento!
Que repentino frenesi me anseia!
Que veneno a ferver de veia em veia
Me gasta a vida, me desfaz o alento!

Tal era, doce amada, o meu lamento;
Eis que esse deus, que em prantos se recreia,
Me diz: “A que se expõe quem nĂŁo receia
Contemplar Ursulina um sĂł momento!

“Insano! Eu bem te vi dentre a luz pura
De seus olhos travessos, e cum tiro
Puni tua sacrĂ­lega loucura:

“De morte, por piedade hoje te firo;
Vai pois, vai merecer na sepultura
Ă€ tua linda ingrata algum suspiro.”

Soneto Dos Vinte Anos

Que o tempo passe, vendo-me ficar
no lugar em que estou, sentindo a vida
nascer em mim, sempre desconhecida
de mim, que a procurei sem a encontrar.

Passem rios, estrelas, que o passar
Ă© ficar sempre, mesmo se Ă© esquecida
a dor de ao vento vĂŞ-los na descida
para a morte sem fim que os quer tragar.

Que eu mesmo, sendo humano, também passe
mas que nĂŁo morra nunca este momento
em que eu me fiz de amor e de ventura.

Fez-me a vida talvez para que amasse
e eu a fiz, entre o sonho e o pensamento,
trazendo a aurora para a noite escura.

A Vida

É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
InĂştil o desejo ou o sentimento…
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo “Pedro Sem”,
Uma alegria Ă© feita dum tormento,
Um riso Ă© sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!

A mais nobre ilusĂŁo morre… desfaz-se…
Uma saudade morta em nĂłs renasce
Que no mesmo momento Ă© já perdida…

Amar-te a vida inteira eu nĂŁo podia.
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se Ă© isto a vida!…

Sempre O Sonho

Para encantar os cĂ­rculos da Vida
Ă‹ ser tranqĂĽilo, sonhador, confiante,
Sempre trazer o coração radiante
Como um rio e rosais junto de ermida.

Beber na vinha celestial, garrida
Das estrelas o vinho flamejante
E caminhar vitorioso e ovante
Como um deus, com a cabeça enflorescida.

Sorrir, amar para alargar os mundoe
Do Sentimento e para ter profundos
Momentos de momentos soberanos.

Para sentir em torno Ă  terra ondeando
Um sonho, sempre um sonho além rolando
Vagas e vagas de imortais oceanos.

ParaĂ­so

Sala imensa de luz, que o pavimento
Uma esmeralda Ă© sĂł, que tem por tecto
Inteiriça safira, que o Arquitecto
Supremo abobadou, com sábio invento.

Trono dum sĂł diamante, em trino assento,
De que Ă© amplo dossel rubim selecto,
Onde se assenta um Deus piedoso e recto,
Sem começo nem fim, tempo ou momento.

Junto ao sidério sólio está Maria,
Sentada numa pérola formosa
E, em torno dela, a excelsa jerarquia.

Toda a celeste corte venturosa
Em perpétuo Te Deum hinos envia,
Ao Trino Rei da GlĂłria luminosa.

Psicologia

Foi hoje que notei: – em nosso face a face
encontrei teu olhar, e assim como se deve
fazer em tal momento, um cumprimento leve
dos meus lábios fugiu sem que sequer notasse…

Foi hoje que notei: – tu passas orgulhosa
e nem deste resposta ao meu sorriso antigo,
– voltaste o rosto atĂ©, assim como quem posa
e foste indelicada a um teu sincero amigo…

PerdĂ´o-te… É que sinto o quanto me adoraste,
do contrario, farias como eu faço, enquanto
nĂŁo nego um cumprimento ao ver que tu passaste…

Ainda sofres, bem sei… És tolinha demais…
– foi tanto o teu amor, e o teu amor Ă© tanto
que ao passares por mim nem cumprimentas mais!

Princesa Desalento

Minh’alma Ă© a Princesa Desalento,
Como um Poeta lhe chamou, um dia.
É revoltada, trágica, sombria,
Como galopes infernais de vento!

É frágil como o sonho dum momento,
Soturna como preces de agonia,
Vive do riso duma boca fria!
Minh’alma Ă© a Princesa Desalento…

Altas horas da noite ela vagueia…
E ao luar suavĂ­ssimo, que anseia,
Põe-se a falar de tanta coisa morta!

O luar ouve a minh’alma, ajoelhado,
E vai traçar, fantástico e gelado,
A sombra duma cruz Ă  tua porta…

À Sua Esperança

Esta esperança vã, doce tormento,
Com que amor lisonjeiro determina
Acumular estragos Ă  ruĂ­na
Por levantar padrões ao escarmento,

Foi crepĂşsculo breve de um momento,
Delicado jasmim, frágil bonina,
Rosa, que se murchou duma aura fina,
Vidro, que se quebrou de um leve vento.

Morreu minha esperança às mãos de um rogo
E nas cinzas se alenta o meu cuidado,
Que amor nos impossĂ­veis mais se inflama:

Mas se a esperança é ar, e amor é fogo,
Justo é que nela cresça o meu agrado,
Pois ao sopro do vento cresce a chama.

Fogos-Fátuos

Há certas almas vãs, galvanizadas
De emoção, de pureza, de bondade,
Que como toda a azul imensidade
Chegam a ser de sĂşbito estreladas.

E ficam como que transfiguradas
Por momentos, na vaga suavidade
De quem se eleva com serenidade
Ă€s risonhas, celestes madrugadas.

Mas nada Ă s vezes nelas corresponde
Ao sonho e ninguém sabe mais por onde
Anda essa falsa e fugitiva chama…

É que no fundo, na secreta essência,
Essas almas de triste decadĂŞncia
SĂŁo lama sempre e sempre serĂŁo lama.

Palavras

As palavras do amor expiram como os versos,
Com que adoço a amargura e embalo o pensamento:
Vagos clarões, vapor de perfumes dispersos,
Vidas que nĂŁo tĂŞm vida, existĂŞncias que invento;

Esplendor cedo morto, ânsia breve, universos
De pĂł, que o sopro espalha ao torvelim do vento,
Raios de sol, no oceano entre as águas imersos
-As palavras da fĂ© vivem num sĂł momento…

Mas as palavras más, as do ódio e do despeito,
O “nĂŁo!” que desengana, o “nunca!” que alucina,
E as do aleive, em baldões, e as da mofa, em risadas,

Abrasam-nos o ouvido e entram-nos pelo peito:
Ficam no coração, numa inércia assassina,
ImĂłveis e imortais, como pedras geladas.

Criação

Há no amor um momento de grandeza,
que Ă© de inconsciĂŞncia e de ĂŞxtase bendito:
os dois corpos sĂŁo toda a Natureza,
as duas almas sĂŁo todo o Infinito.

É um mistério de força e de surpresa!
Estala o coração da terra aflito;
rasga-se em luz fecunda a esfera acesa,
e de todos os astros rompe um grito.

Deus transmite o seu hálito aos amantes:
cada beijo é a sanção dos Sete Dias,
e a Gênese fulgura em cada abraço;

Porque, entre as duas bocas soluçantes,
rola todo o Universo, em harmonias
e em florificações, enchendo o espaço!

AngĂşstia

Tortura do pensar! Triste lamento!
Quem nos dera calar a tua voz!
Quem nos dera cá dentro, muito a sós,
Estrangular a hidra num momento!

E nĂŁo se quer pensar! … e o pensamento
Sempre a morder-nos bem, dentro de nĂłs …
Querer apagar no céu – ó sonho atroz! –
O brilho duma estrela, com o vento! …

E nĂŁo se apaga, nĂŁo … nada se apaga!
Vem sempre rastejando como a vaga …
Vem sempre perguntando: “O que te resta? …”

Ah! nĂŁo ser mais que o vago, o infinito!
Ser pedaço de gelo, ser granito,
Ser rugido de tigre na floresta!

Soneto de Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivĂŞ-lo em cada vĂŁo momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angĂşstia de quem vive
Quem sabe a solidĂŁo, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que nĂŁo seja imortal, posto que Ă© chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Aqueles Claros Olhos Que Chorando

Aqueles claros olhos que chorando
ficavam quando deles me partia,
agora que farĂŁo? Quem mo diria?
Se porventura estarĂŁo em mim cuidando?

Se terĂŁo na memĂłria, como ou quando
deles me vim tĂŁo longe de alegria?
Ou s’estarĂŁo aquele alegre dia
que torne a vĂŞ-los, n’alma figurando?

Se contarĂŁo as horas e os momentos?
Se acharĂŁo num momento muitos anos?
Se falarĂŁo co as aves e cos ventos?

Oh! bem-aventurados fingimentos,
que, nesta ausĂŞncia, tĂŁo doces enganos
sabeis fazer aos tristes pensamentos!