Sonetos sobre Morte de Cruz e Souza

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Sonetos de morte de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Mundo Inaccessível

Tu’alma lembra um mundo inaccessível
Onde só astros e águias vão pairando,
Onde só se escuta, trágica, cantando,
A sinfonia da Amplidão terrível!

Alma nenhuma, que não for sensível,
Que asas não tenha para as ir vibrando,
Essa região secreta desvendando,
Falece, morre, num pavor incrível!

É preciso ter asas e ter garras
Para atingir aos ruídos de fanfarras
Do mundo da tu’alma augusta e forte.

É preciso subir ígneas montanhas
E emudecer, entre visões estranhas,
Num sentimento mais sutil que a Morte!

Decadentes

Richepin, Rollinat! gritos sangrentos
Da carne alvoroçada de desejos,
Mosto de risos, lágrimas e beijos,
Estertores de abutres famulentos.

Desesperado frêmito dos ventos,
De harpas, sutis, fantásticos harpejos,
Clarins de guerra, e cânticos e adejos
De aves — todos os vivos elementos.

Tudo flameja e nas estrofes canta,
Estruge, zune, em borbotões levanta
Noites, luares, fulgurantes dias.

Mas nessa ideal temperatura forte
Tudo isso é triste como a flor da morte
Que brota dentro das caveiras frias…

Lésbia

Cróton selvagem, tinhorão lascivo,
Planta mortal, carnívora, sangrenta,
Da tua carne báquica rebenta
A vermelha explosão de um sangue vivo.

Nesse lábio mordente e convulsivo,
Ri, ri risadas de expressão violenta
O Amor, trágico e triste, e passe, lenta,
A morte, o espasmo gélido, aflitivo…

Lésbia nervosa, fascinante e doente,
Cruel e demoníaca serpente
Das flamejantes atracões do gozo.

Dos teus seios acídulos, amargos,
Fluem capros aromas e os letargos,
Os ópios de um luar tuberculoso…

Post Mortem

Quando do amor das Formas inefáveis
No teu sangue apagar-se a imensa chama,
Quando os brilhos estranhos e variáveis
Esmorecerem nos troféus da Fama.

Quando as níveas Estrelas invioláveis,
Doce velário que um luar derrama,
Nas clareiras azuis ilimitáveis
Clamarem tudo o que o teu Verso clama.

Já terás para os báratros descido,
Nos cilícios da Morte revestido,
Pés e faces e mãos e olhos gelados…

Mas os teus Sonhos e Visões e Poemas
Pelo alto ficarão de eras supremas
Nos relevos do Sol eternizados!

Boca Imortal

Abre a boca mordaz num riso convulsivo
Ó fera sensual, luxuriosa fera!
Que essa boca nervosa, em riso de pantera,
Quando ri para mim lembra um capro lascivo.

Teu olhar dá-me febre e dá-me um brusco e vivo
Tremor as carnes, que eu, se ele em mim reverbera,
Fico aceso no horror da paixão que ele gera,
Inflamada, fatal, dum sangue rubro e ativo.

Mas a boca produz tais sensações de morte,
O teu riso, afinal, é tão profundo e forte
E tem de tanta dor tantas negras raízes;

Rigolboche do tom, ó flor pompadouresca!
Que és, para mim, no mundo, a trágica e dantesca
Imperatriz da Dor, entre as imperatrizes!

Réquiem Do Sol

Águia triste do Tédio, sol cansado,
Velho guerreiro das batalhas fortes!
Das ilusões as trêmulas coortes
Buscam a luz do teu clarão magoado…

A tremenda avalanche do Passado
Que arrebatou tantos milhões de mortes
Passa em tropel de trágicos Mavortes
Sobre o teu coração ensangüentado…

Do alto dominas vastidões supremas
Águia do Tédio presa nas algemas
Da Legenda imortal que tudo engelha…

Mas lá, na Eternidade, de onde habitas,
Vagam finas tristezas infinitas,
Todo o mistério da beleza velha!

Único Remédio

Como a chama que sobe e que se apaga
Sobem as vidas a espiral de Inferno.
O desespero é como o fogo eterno
Que o campo quieo em convulções alaga…

Tudo é veneno, tudo cardo e praga!
E al almas que têm sede de falerno
Bebem apenas o licor moderno
Do tédio pessimista que as esmaga.

Mas a Caveira vem se aproximando,
Vem exótica e nua, vem dançando,
No estrambotismo lúgubre vem vindo.

E tudo acaba então no horror insano –
– Desespero do Inferno e tédio humano –
Quando, d’esguelha, a Morte surge, rindo…