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Primavera. Um sorriso aberto em tudo. Os ramos
Numa palpitação de flores e de ninhos.
Doirava o sol de outubro a areia dos caminhos
(Lembras-te, Rosa?) e ao sol de outubro nos amamos.Verão. (Lembras-te Dulce?) À beira-mar, sozinhos,
Tentou-nos o pecado: olhaste-me… e pecamos;
E o outono desfolhava os roseirais vizinhos,
Ó Laura, a vez primeira em que nos abraçamos…Veio o inverno. Porém, sentada em meus joelhos,
Nua, presos aos meus os teus lábios vermelhos,
(Lembras-te, Branca?) ardia a tua carne em flor…Carne, que queres mais? Coração, que mais queres?
Passas as estações e passam as mulheres…
E eu tenho amado tanto! e não conheço o Amor!
Sonetos sobre Mulheres
99 resultadosNa Mazurka
Morava num palácio — estranha Babilônia
De arcadas colossais, de impávidos zimbórios,
Alcovas de damasco e torreões marmóreos,
Volutas primorais de arquitetura jônia.Assim, quando surgia em meio aos peristilos
Descendo, qual mulher de Séfora, vaidosa,
Envolta em ouropéis, em sedas, luxuosa,
Cercam-na do belo os místicos sigilos!E quando nos saraus, assim como um rainúnculo,
O lábio lhe tremia e o olhar, vivo carbúnculo,
Vibrava nos salões, como uma adaga turca,Ou como o sol em cheio e rubro sobre o Bósforo,
— nos crânios os Homens sentiam ter mais fósforo…
Ao vê-la escultural no passo da Mazurka…
Ad Instar Delphini
Teus pés são voluptuosos: é por isso
Que andas com tanta graça, ó Cassiopéia!
De onde te vem tal chama e tal feitiço,
Que dás idéia ao corpo, e corpo à idéia?Camões, valie-me! Adamastor, Magriço,
Dai-me força, e tu, Vênus Citeréia,
Essa doçura, esse imortal derriço…
Quero também compor minha epopéia!não cantarei Helena e a antiga Tróia,
Nem as Missões e a nacional Lindóia,
Nem Deus, nem Diacho! Quero, oh por quem és,Flor ou mulher, chave do meu destino,
Quero cantar, como cantou Delfino,
As duas curvas de dois brancos pés.
Incoerência ?
Achas-me indiferente… e até crês que há desdém
quando falo de amor em palavras singelas…
– pensas que as juras todas que já ouviste, aquelas
juras, a outras mulheres vou fazer também…Dizes que não te quero… E eu te pergunto: – a quem
devo tudo o que fiz, as poesias mais belas?
– outras dirão talvez que as fiz pensando nelas,
mas todas te pertencem mais do que a ninguém!Não vês que o que te cerca é a mentira da vida…
– nem sabes descobrir essa paixão imensa
que o meu orgulho torna egoísta e dolorida…Não vês que o meu viver é falso, – e se resume
em te amar como um louco em minha indiferença,
e fingir que amo as outras para teu ciúme!
Grandeza Oculta
Estes vão para as guerras inclementes,
Os absurdos heróiis sanguinolentos,
Alvoroçados, tontos e sedentos
Do clamor e dos ecos estridentes.Aqueles para os frívolos e ardentes
Prazeres de acres inebriamentos:
Vinhos, mulheres, arrebatamentos
De luxúrias carnais, impenitentes.Mas Tu, que na alma a imensidade fechas,
Que abriste com teu Gênio fundas brechas
no mundo vil onde a maldade exulta,Ó delicado espírito de Lendas!
Fica nas tuas Graças estupendas,
No sentimento da grandeza oculta!
Soneto Da Mulher Ao Sol
Uma mulher ao sol – eis todo o meu desejo
Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz
A flor dos lábios entreaberta para o beijo
A pele a fulgurar todo o pólen da luz.Uma linda mulher com os seios em repouso
Nua e quente de sol – eis tudo o que eu preciso
O ventre terso, o pelo úmido, e um sorriso
À flor dos lábios entreabertos para o gozo.Uma mulher ao sol sobre quem me debruce
Em quem beba e a quem morda, com quem me lamente
E que ao se submeter se enfureça e soluceE tente me expelir, e ao me sentir ausente
Me busque novamente – e se deixes a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir…
A Morte – O Sol Do Terrível
(com tema de Renato Carneiro Campos)
Mas eu enfrentarei o Sol divino,
o Olhar sagrado em que a Pantera arde.
Saberei porque a teia do Destino
não houve quem cortasse ou desatasse.Não serei orgulhoso nem covarde,
que o sangue se rebela ao toque e ao Sino.
Verei feita em topázio a luz da Tarde,
pedra do Sono e cetro do Assassino.Ela virá, Mulher, afiando as asas,
com os dentes de cristal, feitos de brasas,
e há de sagrar-me a vista o Gavião.Mas sei, também, que só assim verei
a coroa da Chama e Deus, meu Rei,
assentado em seu trono do Sertão.
Pecadores
Ali – no canto escuro do jardim
não havia o menor sinal de gente…
Só nós dois… E eu então, sensualmente
beijei-te a boca… o seio… tudo enfim…Nem eu sei bem dizer o que se sente,
quando estreitei teu corpo junto a mim…
– Embriaguei-me talvez… completamente…
– naquele canto escuro do jardim…Fui ousado, bem sei… Dizias: – não!
– mas não pude te ouvir sentindo aquela
tão louca e indescritível sensaçãoE pequei. . . – Pecaria outro qualquer
– Foi mais culpado o Deus que te fez bela
e ele – o Demônio – que te fez mulher!
Voto
Ah! primeiras amantes! oaristos!, dourados
Cabelos, o azul dos olhos, carne em flor
De corpos juvenis, e entre o seu odor
As carícias a medo e com espontaneidade!Ficaram já distantes essas alegrias
E todas as canduras! Rumo à Primavera
Dos remorsos fugiram aos negros Invernos
Das minhas dores, dos meus cansaços e agonias!E eis-me aqui, agora, só e abatido,
Desesperado e mais frio que os avós mais antigos,
Tão pobre como um órfão sem irmã crescida.Ó mulher de amor meigo e tão reconfortante,
Suave e pensativa, que nunca se espanta
E nos beija na testa, como uma criança!Tradução de Fernando Pinto do Amaral
Tudo Esqueço
Tudo posso esquecer em minha vida
inquieta e livre como uma enxurrada:
– a ilusão, num segundo, mais querida…
– a mulher, num segundo, mais amada…a visão de algum trecho azul da estrada
entre ternos carinhos percorrida;
– uma história que um dia interrompida
nunca mais afinal foi terminada!Os desejos… os sonhos… os amores…
que julgo eternos, e que por enquanto
despetalam-se e morrem como flores…Esqueço tudo! O que passou, morreu!
Só não consigo me esquecer no entanto
da primeira mulher que me esqueceu…
Enlevo
Porque esse olhar de sombra de temor
Se perde em mim, às horas do sol posto,
Quando é de âmbar translúcido o teu rosto,
E a tua alma desmaia como flor;Porque essas mãos, ardidas de fervor,
Ampararam minha vida de desgosto,
Pobre que sou, Mulher, eu hei composto
Harmonias de prece em teu louvor!Dei-te a minha alma para ti nascida,
Meus versos que são mais que a minha vida;
Por Deus, perdoa ao mísero mendigo!Perdoa a quem, ansioso de outro mundo,
Implora à Morte o sono mais profundo,
Só pela graça de sonhar contigo!
Quando Canta A Maldonado
Quando canta a Maldonado
E os quadris saracoteia,
Não é mulher, é sereia,
Não é mulher, é o pecado.Ao vê-la, pois, enleado
Perco o siso, o verbo, a ideia,
E um desejo audaz se enleia
Neste peito meu bronzeado.Chamei-te sereia! engano!
Nunca tolice maior
Borbotou do lábio humano.Que toda a sereia, flor,
Finda em peixe… e ou eu me engano,
Ou tu acabas… melhor.
O Seu Nome é Muito Próprio Dela
O seu nome é gracioso e muito próprio dela:
Respira um vago tom de música inocente;
E lembra a placidez de um lago transparente;
Recorda a emanação tranquila duma estrela.Lembra um título bom, que logo nos revela
A ideia do poema. E todo o mundo sente
Não sei que afinidade entre o seu ar dolente,
a sua morbidezza, e o próprio nome dela.E chego acreditar – ingenuamente o digo –
Que havia um nome em branco, e Deus pensa consigo
Em traduzi-lo enfim numa expressão qualquer:De forma que a mulher suave e graciosa
Faz parte deste nome um tanto cor-de-rosa,
E este nome gentil faz parte da mulher.
Soneto 263 A Mama Cass
Se magra é minha Sandra carioca,
gordona foi Cassandra, outro tesão
das minhas fantasias, que hoje são
lembranças se a vitrola, ao fundo, toca.Mulher o meu desejo só provoca
se for ou varapau ou balofão:
oitenta ou oito; o meio termo não.
Por isso a Mama Cass, morta, me choca.Um simples sanduíche nos privava,
fatídico, entalado na garganta,
daquela voz famosa, que não gravamais coisas como aquilo que me encanta:
“Palavras de amor”. Cass, você foi brava!
Nenhum peso mais alto se alevanta!
Acontecimento Do Soneto
À doce sombra dos cancioneiros
em plena juventude encontro abrigo.
Estou farto do tempo, e não consigo
cantar solenemente os derradeirosversos de minha vida, que os primeiros
foram cantados já, mas sem o antigo
acento de pureza ou de perigo
de eternos cantos, nunca passageiros.Sôbolos rios que cantando vão
a lírica imortal do degredado
que, estando em Babilônia, quer Sião,irei, levando uma mulher comigo,
e serei, mergulhado no passado,
cada vez mais moderno e mais antigo.
Mater Dolorosa
Quando se fez ao largo a nave escura,
na praia essa mulher ficou chorando,
no doloroso aspecto figurando
a lacrimosa estátua da amargura.Dos céus a curva era tranquila e pura;
Das gementes alcíones o bando
Via-se ao longe, em círculos, voando
Dos mares sobre a cérula planura.Nas ondas se atufara o Sol radioso,
E Lua sucedera, astro mavioso,
De alvor banhando os alcantis das fragas…E aquela pobre mãe, não dando conta
Que o sol morrera, e que o luar desponta,
A vista embebe na amplidão das vagas…
Satanismo
Não me olhes assim, branca Arethusa,
Peregrina inspiração dos meus cantares;
Não me deixes a razão vagar confusa
Ao relâmpago ideal de teus olhares.Não me olhes, oh! não, porquanto eu penso
Envolvido no luar das minhas cismas,
Que o olhar que me dardejas — doido, imenso
Tem a rápida explosão dos aneurismas.Não me olhes. Oh! não, que o próprio inferno
Problemático, fatal, cálido, eterno,
Nos teus olhos, mulher, se foi cravar!…Não me olhes, oh! não, que m’entolece
Tanta luz, tanto sol — e até parece
Que tens músicas cruéis dentro do olhar!…
Tudo Passa – II
O coração não morre: ele adormece…
E antes morresse o coração traído,
Mulher que choras teu amor perdido,
Amor primeiro que não mais se esquece!Quando tu vais rezar, quando anoitece,
Beijas as contas do colar partido;
E o coração n’um trêmulo gemido
Vem perturbar a paz de tua prece.Reza baixinho, ó noiva desolada!
E quando, à tarde, pela mesma estrada
Chorando fores esse imenso amor…Geme de manso, juriti dolente!
Vais acordar o coração doente…
Não o despertes para nova dor.
I – À Morte Do Príncipe D. Pedro
Pode o artista pintar a imagem morta
Da mulher, por quem dera a própria vida.
À esposa que a ventura vê perdida
Casto e saudoso beijo inda conforta.A imitar-lhe os exemplos nos exorta
O amigo na extrema despedida…
Mas dizer o que sente a alma partida
Do pai, a quem, oh Deus, tua espada corta.A flor de seu futuro, o filho amado;
Quem o pode, Senhor, se mesmo o Teu
Só morrendo livrou-nos do pecado,Se a terra à voz do Gólgota tremeu
E o sangue do Cordeiro Imaculado
Até o próprio céu enegreceu!
Soneto Do Corifeu
São demais os perigos desta vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita.Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.