Em Busca Da Beleza III
Só que puder obter a estupidez
Ou a loucura pode ser feliz.
Buscar, querer, amar… tudo isto diz
Perder, chorar, sofrer, vez após vez.A estupidez achou sempre o que quis
Do círculo banal da sua avidez;
Nunca aos loucos o engano se desfez
Com quem um falso mundo seu condiz.Há dois males: verdade e aspiração,
E há uma forma só de os saber males:
É conhecê-los bem, saber que sãoUm o horror real, o outro o vazio –
Horror não menos – dois como que vales
Duma montanha que ninguém subiu.
Sonetos sobre Mundo
384 resultadosContinua O Poeta Em Louvor A Soledade Vituperando A Corte
Ditoso aquele, e bem-aventurado,
Que longe, e apartado das demandas,
Não vê nos tribunais as apelandas
Que à vida dão fastio, e dão enfado.Ditoso, quem povoa o despovoado,
E dormindo o seu sono entre as holandas
Acorda ao doce som, e às vozes brandas
Do tenro passarinho enamorado.Se estando eu lá na Corte tão seguro
Do néscio impertinente, que porfia,
A deixei por um mal, que era futuro;Como estaria vendo na Bahia,
Que das Cortes do mundo é vil monturo,
O roubo, a injustiça, a tirania?
Tese e Antítese
I
Já não sei o que vale a nova idéia,
Quando a vejo nas ruas desgrenhada,
Torva no aspecto, à luz da barricada,
Como bacchante após lúbrica ceia…Sanguinolento o olhar se lhe incendeia;
Respira fumo e fogo embriagada:
A deusa de alma vasta e sossegada
Ei-la presa das fúrias de Medeia!Um século irritado e truculento
Chama à epilepsia pensamento,
Verbo ao estampido de pelouro e obuz…Mas a idea é n’um mundo inalterável,
N’um cristalino céu, que vive estável…
Tu, pensamento, não és fogo, és luz!II
N’um céu intemerato e cristalino
Pode habitar talvez um Deus distante,
Vendo passar em sonho cambiante
O Ser, como espectáculo divino.Mas o homem, na terra onde o destino
O lançou, vive e agita-se incessante:
Enche o ar da terra o seu pulmão possante…
Cá da terra blasfema ou ergue um hino…A idéia encarna em peitos que palpitam:
O seu pulsar são chamas que crepitam,
Paixões ardentes como vivos sóis!Combatei pois na terra árida e bruta,
De Tão Divino Acento E Voz Humana
De tão divino acento e voz humana,
de tão doces palavras peregrinas,
bem sei que minhas obras não são dinas,
que o rudo engenho meu me desengana.Mas de vossos escritos corre e mana
licor que vence as águas cabalinas;
e convosco do Tejo as flores finas
farão enveja à cópia mantuana.E pois, a vós de si não sendo avaras,
as filhas de Mnemósine fermosa
partes dadas vos tem, ao mundo caras,a minha Musa e a vossa tão famosa,
ambas posso chamar ao mundo raras:
a vossa d’alta, a minha d’envejosa.
Espera…
Não me digas adeus, ó sombra amiga,
Abranda mais o ritmo dos teus passos;
Sente o perfume da paixão antiga,
Dos nossos bons e cândidos abraços!Sou a dona dos místicos cansaços,
A fantástica e estranha rapariga
Que um dia ficou presa nos teus braços…
Não vás ainda embora, ó sombra amiga!Teu amor fez de mim um lago triste:
Quantas ondas a rir que não lhe ouviste,
Quanta canção de ondinas lá no fundo!Espera… espera… ó minha sombra amada…
Vê que pra além de mim já não há nada
E nunca mais me encontras neste mundo!…
C
Musas, canoras musas, este canto
Vós me inspirastes, vós meu tenro alento
Erguestes brandamente àquele assento
Que tanto, ó musas, prezo, adoro tanto.Lágrimas tristes são, mágoas, e pranto,
Tudo o que entoa o músico instrumento;
Mas se o favor me dais, ao mundo atento
Em assunto maior farei espanto.Se em campos não pisados algum dia
Entra a ninfa, o pastor, a ovelha, o touro,
Efeitos são da vossa melodia;Que muito, ó musas, pois, que em fausto agouro
Cresçam do pátrio rio à margem fria
A imarcescível hera, o verde louro!
O Mundo Do Sertão
(com tema do nosso armorial)
Diante de mim, as malhas amarelas
do mundo, Onça castanha e destemida.
No campo rubro, a Asma azul da vida
à cruz do Azul, o Mal se desmantela.Mas a Prata sem sol destas moedas
perturba a Cruz e as Rosas mal perdidas;
e a Marca negra esquerda inesquecida
corta a Prata das folhas e fivelas.E enquanto o Fogo clama a Pedra rija,
que até o fim, serei desnorteado,
que até no Pardo o cego desespera,o Cavalo castanho, na cornija,
tenha alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
ladrando entre as Esfinges e a Pantera.
Frieza
Os teus olhos são frios como espadas,
E claros como os trágicos punhais;
Têm brilhos cortantes de metais
E fulgores de lâminas geladas.Vejo neles imagens retratadas
De abandonos cruéis e desleais,
Fantásticos desejos irreais,
E todo o oiro e o sol das madrugadas!Mas não te invejo, Amor, essa indiferença,
Que viver neste mundo sem amar
É pior que ser cego de nascença!Tu invejas a dor que vive em mim!
E quanta vez dirás a soluçar:
“Ah! Quem me dera, Irmã, amar assim!…”
No mundo quis o Tempo que se achasse
No mundo quis o Tempo que se achasse
O bem que por acerto ou sorte vinha;
E, por exprimentar que dita tinha,
Quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.Mas por que meu destino me mostrasse
Que nem ter esperanças me convinha,
Nunca nesta tão longa vida minha
Cousa me deixou ver que desejasse.Mudando andei costume, terra e estado,
Por ver se se mudava a sorte dura;
A vida pus nas mãos de um leve lenho.Mas, segundo o que o Céu me tem mostrado,
Já sei que deste meu buscar ventura
Achado tenho já que não a tenho.
A Aeronave
Cindindo a vastidão do Azul profundo,
Sulcando o espaço, devassando a terra,
A aeronave que um mistério encerra
Vai pelo espaço acompanhando o mundo.E na esteira sem fim da azúlea esfera
Ei-la embalada n’amplidão dos ares,
Fitando o abismo sepulcral dos mares,
Vencendo o azul que ante si s’erguera.Voa, se eleva em busca do infinito,
É como um despertar de estranho mito,
Auroreando a humana consciência.Cheia da luz do cintilar de um astro,
Deixa ver na fulgência do seu rastro
A trajetória augusta da Ciência.
Para Quê?
Ao velho amigo João
Para quê ser o musgo do rochedo
Ou urze atormentada da montanha?
Se a arranca a ansiedade e o medo
E este enleio e esta angústia estranhaE todo este feitiço e este enredo
Do nosso próprio peito? E é tamanha
E tão profunda a gente que o segredo
Da vida como um grande mar nos banha?Pra que ser asa quando a gente voa,
De que serve ser cântico se entoa
Toda a canção de amor do Universo?Para quê ser altura e ansiedade,
Se se pode gritar uma Verdade
Ao mundo vão nas sílabas dum verso?
Grandeza Oculta
Estes vão para as guerras inclementes,
Os absurdos heróiis sanguinolentos,
Alvoroçados, tontos e sedentos
Do clamor e dos ecos estridentes.Aqueles para os frívolos e ardentes
Prazeres de acres inebriamentos:
Vinhos, mulheres, arrebatamentos
De luxúrias carnais, impenitentes.Mas Tu, que na alma a imensidade fechas,
Que abriste com teu Gênio fundas brechas
no mundo vil onde a maldade exulta,Ó delicado espírito de Lendas!
Fica nas tuas Graças estupendas,
No sentimento da grandeza oculta!
Prece A Anchieta
Santo: erguesses a cruz na selva escura;
Herói: plantasses nossa velha aldeia;
Mestre: ensinasses a doutrina pura;
Poeta: escrevesses versos sobre a areia!Golpeia a cruz a foice inculta e dura;
Invade a vila multidão alheia;
Morre a voz santa entre a distância e a altura;
Apaga o poema a onda espumejante e cheia…Santo, herói, mestre e poeta: — Pela glória
que destes a esta Terra e a sua História,
Pela dor que sofremos sempre nós.Pelo bem que quisesses a este povo,
O novo Cristo deste Mundo Novo,
Padre José de Anchieta, orai por nós!
Saint-Just
Quando à tribuna ele se ergueu, rugindo,
– Ao forte impulso das paixões audazes
Ardente o lábio de terríveis frases
E a luz do gênio em seu olhar fulgindo,A tirania estremeceu nas bases,
De um rei na fronte ressumou, pungindo,
Um suor de morte e um terror infindo
Gelou o seio aos cortesãos sequazes –Uma alma nova ergueu-se em cada peito,
Brotou em cada peito uma esperança,
De um sono acordou, firme, o Direito –E a Europa – o mundo – mais que o mundo, a França –
Sentiu numa hora sob o verbo seu
As comoções que em séculos não sofreu!
Bendita
Bendita sejas, minha mãe, bendito
Seja o teu seio, imaculado e santo,
Onde derrama as gotas de seu pranto
Meu dolorido coração aflito.Ó minha mãe, ó anjo sacrossanto,
Bendito seja o teu amor, bendito!
Ouve do Céu o amargurado grito
Cheio da dor de quem soluça tanto.E deixa que repouse em teus joelhos
A minha fronte, ouvindo os teus conselhos
Longe do mundo, ó sempiterna dita!Envia lá do céu no teu sorriso
A morte que levou-te ao Paraíso…
Bendita sejas, minha mãe, bendita!
Ao Mundo Esconde O Sol Seus Resplendores
Ao mundo esconde o Sol seus resplendores,
e a mão da Noite embrulha os horizontes;
não cantam aves, não murmuram fontes,
não fala Pã na boca dos pastores.Atam as Ninfas, em lugar de flores,
mortais ciprestes sobre as tristes frontes;
erram chorando nos desertos montes,
sem arcos, sem aljavas, os Amores.Vênus, Palas e as filhas da Memória,
deixando os grandes templos esquecidos,
não se lembram de altares nem de glória.Andam os elementos confundidos:
ah, Jônia, Jônia, dia de vitória
sempre o mais triste foi para os vencidos!
X
Deixa que o olhar do mundo enfim devasse
Teu grande amor que é teu maior segredo!
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o afeto que sentes se mostrasse?Basta de enganos! Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.Olha: não posso mais! Ando tão cheio
Deste amor, que minh’alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo…Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.
Soneto D’Um Poeta Morto
Bem sei que hei de morrer cedo e cansado,
Alguma cousa triste em mim o diz,
E vagarei no mundo desterrado,
Como Dante chorando a Beatriz.Pelos reinos, irei talvez curvado,
Como um proscripto princepe infeliz,
Ou como o indio pallido e exilado
Chorando o vivo azul do seu payz.Mas no entanto, ah! ninguem ao Sol divino
Abrasou mais as azas, derretidas
Ante as duras, ferozes multidões!E ninguem teve a torre d’ouro fino,
Aonde, quaes princezas perseguidas,
Morreram minhas doudas illusões!
Soneto XXII
Ao mesmo
Rico Almazém, que Deus estima e preza,
Mais forte que o poder do inferno forte,
Bem te armas de ua morte e de outra morte,
Para qualquer encontro e brava empresa.Arma-se o fraco cá de fortaleza
Para que assi resista ao duro corte;
Mas Deus sempre peleja d’outra sorte,
Cobrindo o forte de mortal fraqueza.Usou c’o inferno deste próprio modo,
Iscando o anzol da natureza sua
Co’ a nossa; e foi-se o pece trás o engano.E co’ as armas da carne rota e nua
Dos Mártires venceu o mundo todo,
Hoje em ti as põem para socorro humano.
Soneto XXXXIIII
Do fundo sobe do mar Indo acima
A recolher o orvalho a concha, e nela,
Despois que pouco a pouco se congela,
A pérola nos dá de tanta estima.Hoje, despois que o Céu choveu de cima
O rico orvalho, aquela concha, aquela
Divina humana, mais que todas bela,
O mundo pobre com seu parto anima.Mas ai que a concha aberta o orvalho fino
Recebe, e em pedra dá; porém, Maria,
De outra invenção e modo extraordinário.E como vem tão pobre este minino?
Vem tosca pedra, e seu preço e valia
Só conhece o discreto lapidário.