Sonetos sobre Natureza

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Sonetos de natureza escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Neste Horrível Sepulcro Da Existência

Neste horrível sepulcro da existência
O triste coração de dor se parte;
A mesquinha razão se vê sem arte,
Com que dome a frenética impaciência:

Aqui pela opressão, pela violência
Que em todos os sentidos se reparte,
Transitório poder que imitar-te,
Eterna, vingadora omnipotência!

Aqui onde o peito abrange, e sente,
Na mais ampla expressão acha estreiteza,
Negra idéia do abismo assombra a mente.

Difere acaso da infernal tristeza
Não ver terra, nem céu, nem mar, nem gente,
Ser vivo, e não gozar da Natureza ?

VII

Onde estou? Este sítio desconheço:
Quem fez tão diferente aquele prado?
Tudo outra natureza tem tomado;
E em contemplá-lo tímido esmoreço.

Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço
De estar a ela um dia reclinado:
Ali em vale um monte está mudado:
Quanto pode dos anos o progresso!

Árvores aqui vi tão florescentes,
Que faziam perpétua a primavera:
Nem troncos vejo agora decadentes.

Eu me engano: a região esta não era:
Mas que venho a estranhar, se estão presentes
Meus males, com que tudo degenera!

Clamor Supremo

Vem comigo por estas cordilheiras!
Põe teu manto e bordão e vem comigo,
Atravessa as montanhas sobranceiras
E nada temas do mortal Perigo!

Sigamos para as guerras condoreiras!
Vem, resoluto, que eu irei contigo
Dentre as Águias e as chamas feiticeiras,
Só tendo a Natureza por abrigo.

Rasga florestas, bebe o sangue todo
Da Terra e transfigura em astros lodo,
O próprio lodo torna mais fecundo.

Basta trazer um coração perfeito,
Alma de eleito, Sentimento eleito
Para abalar de lado a lado o mundo!

Neurastenia

Sinto hoje a alma cheia de tristeza!
Um sino dobra em mim Ave-Marias!
Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias,
Faz na vidraça rendas de Veneza…

O vento desgrenhado chora e reza
Por alma dos que estão nas agonias!
E flocos de neve, aves brancas, frias,
Batem as asas pela Natureza…

Chuva…tenho tristeza! Mas porquê?!
Vento…tenho saudades! Mas de quê?!
Ó neve que destino triste o nosso!

Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!
Gritem ao mundo inteiro esta amargura,
Digam isto que sinto que eu não posso !!…

Já Sobre o Coche de Ébano Estrelado

Já sobre o coche de ébano estrelado,
Deu meio giro a Noite escura e feia,
Que profundo silêncio me rodeia
Neste deserto bosque, à luz vedado!

Jaz entre as folhas Zéfiro abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, às trevas acostumado.

Só eu velo, só eu, pedindo à Sorte
Que o fio com que está mih’alma presa
À vil matéria lânguida, me corte.

Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a Morte
No silêncio total da Natureza.

Apocalipse

Minha divinatória Arte ultrapassa
os séculos efêmeros e nota
Diminuição dinâmica, derrota
Na atual força, integérrima, da Massa.

É a subversão universal que ameaça
A Natureza, e, em noite aziaga e ignota,
Destrói a ebulição que a água alvorota
E põe todos os astros na desgraça!

São despedaçamentos, derrubadas,
Federações sidéricas quebradas…
E eu só, o último a ser, pelo orbe adeante,

Espião da cataclísmica surpresa
A única luz tragicamente acesa
Na universalidade agonizante!

Eu Cantarei um Dia da Tristeza

Eu cantarei um dia da tristeza
por uns termos tão ternos e saudosos,
que deixem aos alegres invejosos
de chorarem o mal que lhes não pesa.

Abrandarei das penhas a dureza,
exalando suspiros tão queixosos,
que jamais os rochedos cavernosos
os repitam da mesma natureza.

Serras, penhascos, troncos, arvoredos,
ave, ponte, montanha, flor, corrente,
comigo hão-de chorar de amor enredos.

Mas ah! que adoro uma alma que não sente!
Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,
que eu derramo os meus ais inutilmente.

Soneto Da Rosa

Mais um ano na estrada percorrida
Vem, como astro matinal, que a adora
Molhar de puras lágrimas de aurora
A morna rosa escura e apetecida.

E da fragrante tepidez sonora
No recesso, como ávida ferida
Guardar o plasma múltiplo da vida
Que a faz materna e plácida, e agora

Rosa geral de sonho e plenitude
Transforma em novas rosas de beleza
Em novas rosas de carnal virtude.

Para que o sonho viva de certeza
Para que o tempo da paixão não mude
Para que se una o verbo à natureza.

Comparar-te a um Dia de Verão?

Comparar-te a um dia de verão?
Há mais ternura em ti, ainda assim:
um maio em flor às mãos do furacão,
o foral do verão que chega ao fim.

Por vezes brilha ardendo o olhar do céu;
outras, desfaz-se a compleição doirada,
perde beleza a beleza; e o que perdeu
vai no acaso, na natureza, em nada.

Mas juro-te que o teu humano verão
será eterno; sempre crescerás
indiferente ao tempo na canção;

e, na canção sem morte, viverás:
Porque o mundo, que vê e que respira,
te verá respirar na minha lira.

Tradução de Carlos de Oliveira

Quem não Ama, Desmente a Natureza

Se a flor namora a flor que lhe é vizinha,
Se uma palma com outra enlaça os ramos,
Se nos prados, com cândidos reclamos,
Namora uma avezinha outra avezinha.

Se o mundo o seu Autor quando o sustinha,
Nos eixos do poder, que acreditamos,
Na longa rotação que divisamos,
Viu que, para o suster, Amor convinha:

Se Amor é um dever que impresso existe
Em tudo que vegeta a redondeza,
Em que o governo universal consiste:

Quem se exime de amor e a Amor despreza?
Quem ataca esta Lei? Quem lhe resiste?
Quem não ama, desmente a Natureza.

Guerra

Guerra é esforço, é inquietude, é ânsia, é transporte…
E a dramatização sangrenta e dura
Vir Deus num simples grão de argila errante,
Da avidez com que o Espírito procura

É a Subconsciência que se transfigura
Em volição conflagradora… E a coorte
Das raças todas, que se entrega à morte
Para a felicidade da Criatura!

É a obsessão de ver sangue, é o instinto horrendo
De subir, na ordem cósmica, descendo
A irracionalidade primitiva…

É a Natureza que, no seu arcano,
Precisa de encharcar-se em sangue humano
Para mostrar aos homens que está viva!

Ao Estrídulo Solene Dos Bravos

– Os Trópicos pulando as palmas batem…
Em pé nas ondas – O Equador dá vivas!…

Ao estrídulo solene dos bravos! das platéias,
Prossegues altaneira, oh! ídolo da arte!…
– O sol pára o curso p’ra bem de admirar-te
– O sol, o grande sol, o misto das idéias.

A velha natureza escreve-te odisséias…
A estrela, a nívea concha, o arbusto… em toda a parte
Retumba a doce orquestra que ousa proclamar-te
Assombro do ideal, em duplas melopéias!

Perpassam vagos sons na harpa do mistério
Lá, quando no proscênio te ergues imperando
– Oh! Íbis magistral do mundo azul – sidério!

Então da imensidade, audaz vem reboando
De palmas o tufão, veloz, febril, aéreo
Que cai dentro das almas e as vai arrebatando!…

Beethoven Surdo

Surdo, na universal indiferença, um dia,
Beethoven, levantando um desvairado apelo,
Sentiu a terra e o mar num mudo pesadelo.
E o seu mundo interior cantava e restrugia.

Torvo o gesto, perdido o olhar, hirto o cabelo,
Viu, sobre a orquestração que no seu crânio havia,
Os astros em torpor na imensidade fria,
O ar e os ventos sem voz, a natureza em gelo.

Era o nada, a eversão do caos no cataclismo,
A síncope do som no páramo profundo,
O silêncio, a algidez, o vácuo, o horror no abismo.

E Beethoven, no seu supremo desconforto,
Velho e pobre, caiu, como um deus moribundo,
Lançando a maldição sobre o universo morto!

As Vozes Da Natureza

As vozes que nos vêm da natureza
Traduzem sempre um mútuo sentimento.
Cantam as frondes pela voz do vento,
Pelo manancial canta a represa.

Pelas estrelas canta o firmamento
Nas suas grandes noites de beleza.
Cada nota a outra nota vive presa,
É um pensamento de outro pensamento.

Pelas folhas murmura a voz da estrada,
Pelos salgueiros canta a água parada
E o amigo sol, apenas se levanta,

Jogando o manto de ouro ao céu deserto,
Chama as cigarras todas para perto,
Que é na voz das cigarras que ele canta.

Terra

Ó Terra, amável mãe da Natureza!
Fecunda em produções de imensos entes,
Criadora das próvidas sementes
Que abastam toda a tua redondeza!

Teu amor sem igual, sem par fineza,
Teus maternais efeitos providentes
Dão vida aos seres todos existentes,
Dão brio, dão vigor, dão fortaleza.

Tu rasgas do teu corpo as grossas veias
E as cristalinas fontes de água pura
Tens, para a nossa sede, sempre cheias.

Tu, na vida e na morte, com ternura
Amas os filhos teus, tu te recreias
Em lhes dar, no teu seio, a sepultura.

Corpo A Corpo, À Campanha Embravecida

Corpo a corpo, à campanha embravecida,
Braço a braço, à batalha rigorosa,
Sai Vieira com sanha belicosa,
De impaciente a Morte sai vestida.

Investem-se cruéis; e na investida,
A Morte se admirou menos lustrosa;
Que Vieira, com força portentosa,
Sua cruel força prostrou vencida.

Porém, vendo ele então, que se na empresa
Vencia à própria Morte, ninguém nega
Que seus foros perdia a Natureza:

Porque ela se exercite, bruta e cega,
Em devorar as vidas com fereza,
Ao seu poder Vieira a sua entrega.

Arvore, Cujo Pomo, Belo E Brando

Arvore, cujo pomo, belo e brando,
natureza de leite e sangue pinta,
onde a pureza, de vergonha tinta,
está virgíneas faces imitando;

nunca da ira e do vento, que arrancando
os troncos vão, o teu injúria sinta;
nem por malícia de ar te seja extinta
a cor, que está teu fruto debuxando;

que, pois me emprestas doce e idóneo abrigo
a meu contentamento, e favoreces
com teu suave cheiro minha glória,

se não te celebrar como mereces,
cantando te, sequer farei contigo
doce, nos casos tristes, a memória.

Correspondências

A natureza é um templo augusto, singular,
Que a gente ouve exprimir em língua misteriosa;
Um bosque simbolista onde a árvore frondosa
Vê passar os mortais, e segue-os com o olhar.

Como distintos sons que ao longe vão perder-se,
Formando uma só voz, de uma rara unidade,
Tem vasta como a noite a claridade,
Sons, perfumes e cor logram corresponder-se

Há perfumes subtis de carnes virginais,
Doces como o oboé, verdes como o alecrim,
E outros, de corrupção, ricos e triunfais

Como o âmbar e o musgo, o incenso e o benjoim,
Entoando o louvor dos arroubos ideais,
Com a larga expansão das notas d’um clarim.

Tradução de Delfim Guimarães

A Maria Ifigênia

Em 1786, quando completava sete anos.

Amada filha, é já chegado o dia,
em que a luz da razão, qual tocha acesa
vem conduzir a simples natureza,
é hoje que o teu mundo principia.

A mão que te gerou teus passos guia,
despreza ofertas de uma vã beleza,
e sacrifica as honras e a riqueza
às santas leis do filho de Maria.

Estampa na tua alma a caridade,
que amar a Deus, amar aos semelhantes,
são eternos preceitos da verdade.

Tudo o mais são idéias delirantes;
procura ser feliz na eternidade,
que o mundo são brevíssimos instantes.

Já o Inverno, expremendo as cãs nevosas

Já o Inverno, expremendo as cãs nevosas,
Geme, de horrendas nuvens carregado;
Luz o aéreo fuzil, e o mar inchado
Investe ao pólo em serras escumosas;

Ó benignas manhãs!, tardes saudosas,
Em que folga o pastor, medrando o gado,
Em que brincam no ervoso e fértil prado
Ninfas e Amores, Zéfiros e Rosas!

Voltai, retrocedei, formosos dias:
Ou antes vem, vem tu, doce beleza
Que noutros campos mil prazeres crias;

E ao ver-te sentirá minha alma acesa
Os perfumes, o encanto, as alegrias,
Da estação que remoça a natureza.