Sonetos sobre Negação

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Sonetos de negação escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Mala Com Alça

É da lama essa mala que retiro
para subir a encosta (como a pedra
que Sisifo ainda empurra todo dia)
numa viagem cheia de seqüelas.

Não há como negar tantos espinhos
na travessia turva de mistérios
que vão-se descobrindo nos caminhos:
a mão negada, a fome, o vitupério,

o rito solidário que esquecemos
em troca a vaidade transitória.
Somos do barro e ao barro voltaremos.

A verdade do Homem e de sua Hora
vem com mala e alça, disto sabemos,
mais o peso do corpo e sua história.

Estoicismo

(A Manoel Duarte de Almeida)

Tu que não crês, nem amas, nem esperas,
Espírito de eterna negação,
Teu hálito gelou-me o coração
E destroçou-me da alma as primaveras…

Atravessando regiões austeras,
Cheias de noite e cava escuridão,
Como n’um sonho mau, só oiço um não,
Que eternamente ecoa entre as esferas…

— Porque suspiras, porque te lamentas,
Cobarde coração? Debalde intentas
Opôr á Sorte a queixa do egoísmo…

Deixa aos tímidos, deixa aos sonhadores
A esperança vã, seus vãos fulgores…
Sabe tu encarar sereno o abismo!

Os Versos, que Cantei Importunado

Os versos, que cantei importunado
Da mocidade cega a quem seguia,
Queimei (como vergonha me pedia)
Chorando, por haver tão mal cantado.

Se nestes não ficar tão desculpado
Quanto mais alto estilo merecia,
Não me podem negar a melhoria
Da mudança, que diz dum noutro estado.

Que vai que sejam bem ou mal aceitos?
Pois não os escrevi para louvores
Humanos, pelo menos perigosos,

Senão para plantar em tenros peitos
Desejos de colher divinas flores
À força de suspiros saudosos.

Máscara Mortuária De Graciliano Ramos

Feito só, sua máscara paterna
Sua máscara tosca de acridoce
Feição, sua máscara austerizou-se
Numa preclara decisão eterna.

Feito só, feito pó, desencantou-se
Nele o intimo arcanjo, a chama interna
Da paixão em que sempre se queimou
Seu duro corpo que ora longe inverna.

Feito pó, feito pólem, feito fibra
Feito pedra, feito o que é morto e vibra
Sua mácara enxuta de homem forte

Isto revela em seu silêncio à escuta:
Numa severa afirmação da luta
Uma impassível negação da morte.

Ah, que Olhos Pôs Amor na Minha Cara

Ah, que olhos pôs Amor na minha cara
mas sem correspondência a fiel vista?
Ou se a têm, meu juízo onde é que pára
que em tão falsas censuras inda insista?

Se é belo o que meus olhos falso adoram
que quer dizer o mundo em negação?
E se não é, amor mostra se goram
seus olhos, menos fiéis que os homens: não,

como pode? Como pode, se pranto
e espera o afectam, ser fiel no olhar?
De erros da minha vista não me espanto,

o sol não vê até o céu limpar.
Manhoso amor, com choros pões-me cego,
mas vendo bem, a tuas faltas chego.