Vós, Crédulos Mortais, Alucinados
Vós, crédulos mortais, alucinados
de sonhos, de quimeras, de aparĂȘncias
colheis por uso erradas consequĂȘncias
dos acontecimentos desastrados.Se à perdição correis precipitados
por cegas, por fogosas, impaciĂȘncias,
indo a cair, gritais que sĂŁo violĂȘncias
de inexoråveis céus, de negros fados.Se um celeste poder tirano e duro
Ă s vezes extorquisse as liberdades,
que prestava, ó Razão, teu lume puro?Não forçam coraçÔes as divindades,
fado amigo nĂŁo hĂĄ nem fado escuro:
fados são as paixÔes, são as vontades.
Sonetos sobre Negros de Manuel Maria Barbosa du Bocage
6 resultadosNeste HorrĂvel Sepulcro Da ExistĂȘncia
Neste horrĂvel sepulcro da existĂȘncia
O triste coração de dor se parte;
A mesquinha razĂŁo se vĂȘ sem arte,
Com que dome a frenĂ©tica impaciĂȘncia:Aqui pela opressĂŁo, pela violĂȘncia
Que em todos os sentidos se reparte,
TransitĂłrio poder que imitar-te,
Eterna, vingadora omnipotĂȘncia!Aqui onde o peito abrange, e sente,
Na mais ampla expressĂŁo acha estreiteza,
Negra idéia do abismo assombra a mente.Difere acaso da infernal tristeza
Não ver terra, nem céu, nem mar, nem gente,
Ser vivo, e nĂŁo gozar da Natureza ?
Fiei-me nos Sorrisos da Ventura
Fiei-me nos sorrisos da ventura,
Em mimos feminis, como fui louco!
Vi raiar o prazer; porém tão pouco
MomentĂąneo relĂąmpago nĂŁo dura:No meio agora desta selva escura,
Dentro deste penedo hĂșmido e ouco,
Pareço, atĂ© no tom lĂșgubre, e rouco
Triste sombra a carpir na sepultura:Que estĂąncia para mim tĂŁo prĂłpria Ă© esta!
Causais-me um doce, e fĂșnebre transporte,
Ăridos matos, lĂŽbrega floresta!Ah! nĂŁo me roubou tudo a negra sorte:
Inda tenho este abrigo, inda me resta
O pranto, a queixa, a solidĂŁo e a morte.
Raios não Peço ao Criador do Mundo
LX
Raios não peço ao Criador do Mundo,
Tormentas nĂŁo suplico ao Rei dos Mares,
VulcÔes à terra, furacÔes aos ares,
Negros monstros ao bĂĄratro profundo:NĂŁo rogo ao deus de amor que furibundo
Te arremesse do pé de seus altares;
Ou que a peste mortal voe a teus lares,
E murche o teu semblante rubicundo.Não imploro em teu dano, ainda que os laços
Urdidos pela fé, com vil mudança
Fizeste, ingrata Nise, em mil pedaços:Não quero outro despique, outra vingança,
Mais que ver-te em poder de indignos braços,
E dizer quem te perde, e quem te alcança.
Negra Fera, Que A Tudo As Garras Lanças
Negra fera, que a tudo as garras lanças,
JĂĄ murchaste, insensĂvel a clamores,
Nas faces de TirsĂĄlia as rubras flores,
Em meu peito as viçosas esperanças.Monstro, que nunca em teus estragos cansas,
VĂȘ as trĂȘs Graças, vĂȘ os nus Amores
Como praguejam teus cruéis furores,
Ferindo os rostos, arrancando as tranças!DomicĂlio da noute, horror sagrado,
Onde jaz destruĂda a formosura,
Abre-te, då lugar a um desgraçado.Eis desço, eis cinzas palpo⊠Ah, Morte dura!
Ah, TirsĂĄlia! Ah, meu bem, rosto adorado!
Torna, torna a fechar-te, Ăł sepultura!
Sobre Estas Duras, Cavernosas Fragas
Sobre estas duras, cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai carcomendo,
Me estĂŁo negras paixĂ”es nâalma fervendo
Como fervem no pego as crespas vagas.Razão feroz, o coração me indagas,
De meus erros e sombra esclarecendo,
E vĂĄs nele (ai de mim!) palpando, e vendo
De agudas Ăąnsias venenosas chagas.Cego a meus males, surdo a teu reclamo,
Mil objectos de horror coâa ideia eu corro,
Solto gemidos, lĂĄgrimas derramo.RazĂŁo, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me nĂŁo amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue: eu peno, eu morro.