LXXI
Eu cantei, nĂŁo o nego, eu algum dia
Cantei do injusto amor o vencimento;
Sem saber, que o veneno mais violento
Nas doces expressões falso encobria.Que amor era benigno, eu persuadia
A qualquer coração de amor isento;
Inda agora de amor cantara atento,
Se lhe não conhecera a aleivosia.Ninguém de amor se fie: agora canto
Somente os seus enganos; porque sinto,
Que me tem destinado estrago tanto.De seu favor hoje as quimeras pinto:
Amor de uma alma Ă© pesaroso encanto;
Amor de um coração é labirinto.
Sonetos sobre Ninguém de Cláudio Manuel da Costa
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XXXV
Aquele, que enfermou de desgraçado,
NĂŁo espere encontrar ventura alguma:
Que o Céu ninguém consente, que presuma,
Que possa dominar seu duro fado.Por mais, que gire o espĂrito cansado
Atrás de algum prazer, por mais em suma,
Que porfie, trabalhe, e se consuma,
Mudança não verá do triste estado.Não basta algum valor, arte, ou engenho
A suspender o ardor, com que se move
A infausta roda do fatal despenho:E bem que o peito humano as forças prove,
Que há de fazer o temerário empenho,
Onde o raio Ă© do CĂ©u, a mĂŁo de Jove.