Viola Azulada
Sempre que houver saco retiro a viola,
e ponho a cantoria no sereno
da noite, em serenata que se evola
em sons antigos, raros, que enveneno.Nos acordes do pinho, a mão que sola
repete a melodia no azul pleno
dessa paixão azul, de ontens e agoras,
azulando a saudade e seu terreno.Carlos Pena Filho pintou de azul
os seus sapatos por ser impossível
pintar de azul as ruas do seu rumo,e a trova azul que eu canto agora aqui
mundo afora vai na nuvem que assume
chover de azul os sonhos por aí.
Sonetos sobre Noite de Anibal Beça
9 resultadosSoneto Com Estrambote Enviesado
Alfaiate de mim costuro a roupa
que cabe ao figurino que me coube.Só meu verso protege essa amargura
desfiada de dia ao sol veloz,
para à noite tecer nova textura,
novelo de silêncio ao rés da voz.Enxoval construído nessa usura
solitária de andaimes, num retrós
de linha vertical, que se pendura
na pênsil teia atada, fio em fozdesse rio agulha que me costura
ao rendilhado de águas tropicais,
que sabe de saudades no meu cais.Viageiro de uma sanha que me traz
sempre de volta ao tear do meu destino
na seda depressiva me assassino.
Toada Para Solo De Ocarina
Fio tênue do céu em claridade
tece esse manto gris meu agasalho
colhido pelos muros da cidade:
mucosa verde musgo que se espalhacomo tapete denso em chão de jade
Meus pés de crivo cravam esse atalho
riscando seu grafite no mar que arde
o fogo-de-santelmo em céu talhadoNesse caminho caio em minha sina
caio no mar que lava essa lavoura
num barco ébrio que sempre desafinaE colho o sal da noite a lua moura
crescente luz de foice me assassina
e me morro no haxixe com Rimbaud
Soneto Da Sentida Solidão
A falta é complemento da saudade,
servida em larga ausência nos ponteiros,
bandeja dos segundos que se evade,
em pasto das desoras, sorrateira.Estar é seduzir sem muito alarde,
no avaro aqui agora companheiro,
o porto da atenção que se me guarde
o ser presente da sanha viageira.Partir é sentimento de voltar,
liberta, eu sei, no vento e seu afoite,
navega a sina em rasa preamar;ela, essa ausente, é dona e meu açoite,
no seu impulso presto em navegar,
vai se enfunando em névoa pela noite.
Equu (Para O Poeta Rafael Courtoisie)
Nos astros me perdia logo cedo
enquanto a luz vestia-me de noites.
Então chorava no meu ombro o enredo
grave galope breve com seus coices.As éguas do destino cospem medos
sabendo-me alazão de muitas foices,
ou pangaré lunar dos meus degredos.
Por isso perseguiam-me nas noitesàquelas mais escuras sem estrelas
nas quais sou presa fácil sem que fosse
porque flechando verbos sei contê-las.Não eram éguas mouras dos desertos
senão potrancas férteis com seus roces
estas que vinham mansas muito perto.
O Cão
O cão da caravana acoita sarnas
pelos pêlos tragados de suor
que encarnam carnaduras já de cor
na salteada costa descarnadaO cão da caravana esconde as armas
o fogo e a cinza dessa cauda cor-
rente ao dorso de estrelas apagadas
se acendem cimitarras para a dorAo relho e aos ossos pó entre mil noites
dita a desdita escrita: Maktub!
E o cão se assenta dócil para o açoiteMas lhe aguarda a tarefa de quem ladra
e exorcisa a baraka dos impuros
enquanto a vida caravana passa
Prólogo
Cavo a cova como um cavalo os cascos cava
se no cavá-lo invoca a fúria de ferir
E tanto mais se cava que a alma não se lava
e as águas já me levam léguas a fingirCava costura cavo à cava enviesada
e o talhe tinge a sombra em descaída pena
Nessa escritura a sina foge desgarrada
e o corte torce a mão e a garra do poemaE dono não sou mais senão o torto artífice
dessas linhas traçadas a dois e por um
E assim me assino esse uno e esse outro Majnun
que por louca paixão da noite é seu partícipemesmo sem Laila veste a dor e se vislumbra
nos lobos do deserto donos da penumbra
Avena Pastoral
Harmonia de coxas protetora
do presente esperado como prêmio
antevéspera és, a domadora
dos gestos apressados no proscêniodo palco em que inauguro-te pastora
de ovelha desgarrada,vil boêmio,
peregrino da noite assoladora,
a solar no teu corpo um abstêmiocanto, de partitura tão antiga,
em que tecidos sons alucinados
são sedas de silêncio na cantiga.Uma cantiga em gozo emparelhado.
E tu na flauta tocas pra que eu siga
lambendo o sal no lago desgarrado.
Último Round
O vento que de verde tudo varre
não varre esta floresta onde eu habito.
Espana roxas nódoas de um espárringue
que sou eu mesmo a rir por esses ringues.Porradas que me dou? Mero detalhe,
de quem passou a vida sem ter sido
sendo, o sabido súdito do anárquico.
Não fui, não sou, não quero ser doído.O menestrel choroso? Este não vale,
perdeu-se pelos socos de outras divas
em noites desbotadas na paisagem.Mas então, o que fica dessa trilha?
ora, amigo, nocautes dessa aragem
varrida nos cruzados descaminhos.