Discreta e Formosíssima Maria
Discreta e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo claramente,
Na vossa ardente vista o sol ardente,
E na rosada face a aurora fria:Enquanto pois produz, enquanto cria
Essa esfera gentil, mina excelente
No cabelo o metal mais reluzente,
E na boca a mais fina pedraria:Gozai, gozai da flor da formosura,
Antes que o frio da madura idade
Tronco deixe despido, o que é verdura.Que passado o zênith da mocidade,
Sem a noite encontrar da sepultura,
É cada dia ocaso da beldade.
Sonetos sobre Noite
328 resultadosAspiração
Deve ser bom morrer numa noite como essa!
Beber a luz do luar e sentir-lhe a embriaguez.
Quando se sofre assim, a morte é uma promessa…
Vou tentar ser feliz pela última vez.Foi diferente a minha vida. Andou depressa.
O que fiz, o destino inclemente desfez.
Quando o amor se dilui e a saudade começa,
Talvez a morte seja um consolo… talvez.Serei no céu pastor de estrelas… Entre os dedos
Prenderei um punhado delas, uma a uma,
E ao som da avena que um pastor-poeta me deu,A lua se desmanchará sobre os rochedos,
Para que eu veja nela, em seu vulto de espuma,
A mulher que foi sombra e … desapareceu.
Soneto Da Enseada
Sou sempre o que está além de mim
como a ponte de Brooklyn ao pôr-do-sol.
Sou o peixe buscado pelo anzol
e o caracol imóvel no jardim.De mim mesmo me parto, qual navio,
e sou tudo o que vive além de mim:
o barulho da noite e o cheiro de jasmim
que corre entre as estrelas como um rio.Quem atravessa a ponte logo aprende
que a vida é simplesmente a travessia
entre um aquém e um além que são dois nadas.Na madrugada escura a luz se acende.
Que luz? De que vigília ou de que dia?
De que barco ancorado na enseada?
A Luz
Ela veio…( E a minha alma tinha a porta
aberta, e ela entrou…Casa vazia
e estranha, esta que em plena luz do dia
lembrava a tumba de uma noite morta…)Que ela havia chegado, eu nem sabia…
Mas, pouco a pouco, e a data não importa,
minha alma, por encanto, se conforta,
e há risos pela casa…E há alegria…Quem abrira as janelas? Quem levara
o fantasma da dor sempre ao meu lado?
Os antigos retratos, quem rasgara?E acabei por fazer a descoberta:
– ela espantara as sombras do passado
e a luz entrara pela porta aberta!
Princesa Desalento
Minh’alma é a Princesa Desalento,
Como um Poeta lhe chamou, um dia.
É revoltada, trágica, sombria,
Como galopes infernais de vento!É frágil como o sonho dum momento,
Soturna como preces de agonia,
Vive do riso duma boca fria!
Minh’alma é a Princesa Desalento…Altas horas da noite ela vagueia…
E ao luar suavíssimo, que anseia,
Põe-se a falar de tanta coisa morta!O luar ouve a minh’alma, ajoelhado,
E vai traçar, fantástico e gelado,
A sombra duma cruz à tua porta…
A uns Olhos Negros
Olhos negros, que da alma sois senhores
Duvido com razão desse atributo,
Que é muito, que quem mata, traga o luto,
E é muito ver na noite resplendores:Se de negros, meus olhos, tendes cores,
Como as almas vos dão hoje tributo.
Quem viu que os negros com rigor astuto
Os brancos prenda com grilhões traidores.Mas ah, que foi discreta providência
O fazê-lo da cor da minha sorte,
Por não sentir rigor tão desabrido.Para que veja assim toda a prudência
Que foi prodígio grande, e pasmo forte,
Em duas noites ver o Sol partido.
Lição Quotidiana
Cada manhã ressuscito
Do sono, esse irmão da Morte,
Que é minha estrela do norte,
Meu professor de infinito.Hora por hora medito
Sua lição clara e forte;
Mas nem assim minha sorte
Encaro menos aflito.E, se acordo com o dia,
Cheio de fé e alegria,
Julgando-me imorredoiro,À noite estou moribundo…
E em meu vazio tesoiro
Vejo o meu fim, e o do mundo!
Tua Carta
A carta que escreveste é a oração que repito
todas as noites, sempre, antes de me deitar,
à hora em que abro a janela ao azul do infinito
e me ausento de tudo… e me esqueço a sonhar…Eu, descrente da terra e dos homens, descrente
mais ainda dos céus, com bem maior razão,
murmuro a tua carta religiosamente
pois fiz do teu amor a minha religião…Tua carta, nem sei… releio-a a todo instante,
ela acende em meus olhos tristes alegrias
e me faz esquecer que te encontras distante…Paradoxos talvez, mentiras!… Não te esqueço
se toda noite assim ( há não sei quantos dias ),
com teu nome em meus lábios… rezando adormeço!…
Acusam-me de Mágoa e Desalento
Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a própria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.
Quem Disse que o Teu Nome é uma Espada
Quem disse que o teu nome é uma espada
e as tuas mãos dois rios transparentes?
Quem te acordou naquela madrugada?
O voo da águia? O silvo das serpentes?Quem sabe que és a minha namorada
e me guardas os beijos mais ardentes?
Quem fez uma canção desesperada
com o sexo dos anjos impotentes?Ó meu amor, quem foi?, quem foi que disse
que se durante a noite alguém nos visse
fazendo amor de corpos abraçadosnos faria morrer de orgasmo e sede
ou apenas, encostados à parede,
em nome da alegria fuzilados?
Amo!
Amo a terra! Amo o sol! Amo o céu! Amo o mar!
Amo a vida! Amo a luz! Amo as árvores! Amo
a poesia que escrevo e entusiasta declamo
aos que sentem como eu a alegria de amar!Amo a noite! Amo a antiga palidez do luar!
A flor presa aos cabelos soltos de algum ramo!
Uma folha que cai! Um perfume no ar
onde um desejo extinto sem querer inflamo!Amo os rios! E a estranha solidão em festa,
dessa alma que possuo multiforme e inquieta
como a alma multiforme e inquieta da floresta!Amo a cor que há nos sons! Amo os sons que há na cor!
E em mim mesmo – amo a glória de sentir-me um Poeta
e amar imensamente o meu imenso amor!.
Quando, Despertos Deste Sono, A Vida
Quando, despertos deste sono, a vida,
Soubermos o que somos, e o que foi
Essa queda até Corpo, essa descida
Até à Noite que nos a Alma obstrui,Conheceremos pois toda a escondida
Verdade do que é tudo que há ou flui?
Não: nem na Alma livre é conhecida…
Nem Deus, que nos criou, em Si a inclui.Deus é o Homem de outro Deus maior:
Adam Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador;Foi criado, e a Verdade lhe morreu…
De além o Abismo, Espírito Seu, Lha veda;
Aquém não a há no Mundo, Corpo Seu.
Mil Anos Há que Busco a Minha Estrela
Mil anos há que busco a minha estrela
E os Fados dizem que ma têm guardada;
Levantei-me de noite e madrugada,
Por mais que madruguei, não pude vê-la.Já não espero haver alcance dela
Senão depois da vida rematada,
Que deve estar nos céus tão remontada
Que só lá poderei gozá-la e tê-la.Pensamentos, desejos, esperança,
Não vos canseis em vão, não movais guerra,
Façamos entre os mais uma mudança:Para me procurar vida segura
Deixemos tudo aquilo que há na terra,
Vamos para onde temos a ventura.
A Vingança Da Porta
Era um hábito antigo que ele tinha:
Entrar dando com a porta nos batentes.
– Que te fez essa porta? a mulher vinha
E interrogava. Ele cerrando os dentes:– Nada! traze o jantar! – Mas à noitinha
Calmava-se; feliz, os inocentes
Olhos revê da filha, a cabecinha
Lhe afaga, a rir, com as rudes mãos trementes.Urna vez, ao tornar à casa, quando
Erguia a aldraba, o coração lhe fala:
Entra mais devagar… – Pára, hesitando…Nisto nos gonzos range a velha porta,
Ri-se, escancara-se. E ele vê na sala,
A mulher como doida e a filha morta.
A Mãe e o Filho
Teu sêr tragicamente enternecido,
Em desespero de alma transformado,
Vae através do espaço escurecido
E pousa no seu tumulo sagrado.E ele acorda, sentindo-o; e, comovido,
Chora ao vêr teu espirito adorado,
Assim tão só na noite e arrefecido
E todo de êrmas lagrimas molhado!E eis que ele diz: “Ó Mãe, não chores mais!
Em vez dos teus suspiros, dos teus ais,
Quero que venha a mim tua alegria!”E só nas horas em que a Mãe descança,
É que ele inclina a fronte de creança
E dorme ao pé de ti, Virgem Maria!
À Tua Porta Há um Pinheiro Manso
À tua porta há um pinheiro manso
De cabeça pendida, a meditar,
Amor! Sou eu, talvez, a contemplar
Os doces sete palmos do descanso.Sou eu que para ti atiro e lanço,
Como um grito, meus ramos pelo ar,
Sou eu que estendo os braços a chamar
Meu sonho que se esvai e não alcanço.Eu que do sol filtro os ruivos brilhos
Sobre as louras cabeças dos teus filhos
Quando o meio-dia tomba sobre a serra…E, à noite, a sua voz dolente e vaga
É o soluço da minha alma em chaga:
Raiz morta de sede sob a terra!
Mais Luz!
(A Guilherme de Azevedo)
Amem a noite os magros crapulosos,
E os que sonham com virgens impossíveis,
E os que inclinam, mudos e impassíveis,
À borda dos abismos silenciosos…Tu, lua, com teus raios vaporosos,
Cobre-os, tapa-os e torna-os insensíveis,
Tanto aos vicios crueis e inextinguiveis,
Como aos longos cuidados dolorosos!Eu amarei a santa madrugada,
E o meio-dia, em vida refervendo,
E a tarde rumorosa e repousada.Viva e trabalhe em plena luz: depois,
Seja-me dado ainda ver, morrendo,
O claro sol, amigo dos heroes!
Pôs-se o Sol
Pôs-se o sol… Como já na sombra feia
Do dia pouco a pouco a luz desmaia,
E a parda mão da noite, antes que caia,
De grossas nuvens todo o ar semeia!Apenas já diviso a minha aldeia;
Já do cipreste não distingo a faia.
Tudo em silêncio está; só lá na praia
Se ouvem quebrar as ondas pela areia.Co’a mão na face, a vista ao céu levanto;
E cheio de mortal melancolia,
Nos tristes olhos mal sustenho o pranto.E se inda algum alívio ter podia,
Era ver esta noite durar tanto
Que nunca mais amanhecesse o dia!
Meu Pai
A Eloy
Desce, meu Pai, a noite baixou mansa.
Nem uma nuvem se vê mais no céu:
Aninharam-se aqui no peito meu,
Onde, chorando, a negra dor descansa.Quando morreste eu era bem criança,
Balbuciava, sim, o nome teu,
Mas d’este rosto santo que morreu
Já não conservo a mínima lembrança.A noite é clara; e eu, aqui sentada,
Tenho medo da lua embalsamada,
Corta-me o frio a alma comovida.Se lá no Céu teu coração padece,
Vem comigo rezar a mesma prece:
Tua bênção, meu pai, me dará vida!
A Voz da Tília
Diz-me a tília a cantar: “Eu sou sincera,
Eu sou isto que vês: o sonho, a graça,
Deu ao meu corpo, o vento, quando passa,
Este ar escultural de bayadera…E de manhã o sol é uma cratera,
Uma serpente de oiro que me enlaça…
Trago nas mãos as mãos da Primavera…
E é para mim que em noites de desgraçaToca o vento Mozart, triste e solene,
E à minha alma vibrante, posta a nu,
Diz a chuva sonetos de Verlaine…”E, ao ver-me triste, a tília murmurou:
“Já fui um dia poeta como tu…
Ainda hás de ser tília como eu sou…”