Sonetos sobre Noite

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Sonetos de noite escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Obsessão

Os bosques para mim são como catedrais,
Com orgãos a ulular, incutindo pavor…
E os nossos corações, – jazidas sepulcrais,
De profundis também soluçam, n’um clamor.

Odeio do oceano as iras e os tumultos,
Que retratam minh’alma! O riso singular
E o amargo do infeliz, misto de pranto e insultos,
É um riso semelhante ao do soturno mar.

Ai! como eu te amaria, ó Noite, caso tu
Pudesses alijar a luz que te constéia,
Porque eu procuro o Nada, o Tenebroso, o Nu!

Que a própria escuridão é tambem uma téia,
Onde vejo fulgir, na luz dos meus olhares.
Os entes que perdi, – espectros familiares!

Tradução de Delfim Guimarães

Quatro Sonetos De Meditação – IV

Apavorado acordo, em treva. O luar
É como o espectro do meu sonho em mim
E sem destino, e louco, sou o mar
Patético, sonâmbulo e sem fim.

Desço na noite, envolto em sono; e os braços
Como ímãs, atraio o firmamento
Enquanto os bruxos, velhos e devassos
Assoviam de mim na voz do vento.

Sou o mar! sou o mar! meu corpo informe
Sem dimensão e sem razão me leva
Para o silêncio onde o Silêncio dorme

Enorme. E como o mar denro da treva
Num constante arremesso largo e aflito
Eu me espedaço em vão contra o infinito.

Paisagem

Dorme sob o silêncio o parque. Com descanso,
Aos haustos, aspirando o finíssimo extrato
Que evapora a verdura e que deleita o olfato,
Pelas alas sem fim da árvores avanço.

Ao fundo do pomar, entre folhas, abstrato
Em cismas, tristemente, um alvíssimo ganso
Escorrega de manso, escorrega de manso
Pelo claro cristal do límpido regato.

Nenhuma ave sequer, sobre a macia alfombra,
Pousa. Tudo deserto. Aos poucos escurece
A campina, a rechã sob a noturna sombra.

E enquanto o ganso vai, abstrato em cismas, pelas
Selvas a dentro entrando, a noite desce, desce…
E espalham-se no céu camandulas de estrelas…

Em Busca do Amor

O meu Destino disse-me a chorar:
“Pela estrada da Vida vai andando,
E, aos que vires passar, interrogando
Acerca do Amor, que hás-de encontrar.”

Fui pela estrada a rir e a cantar,
As contas do meu sonho desfilando …
E noite e dia, à chuva e ao luar,
Fui sempre caminhando e perguntando …

Mesmo a um velho eu perguntei: “Velhinho,
Viste o Amor acaso em teu caminho?”
E o velho estremeceu … olhou … e riu …

Agora pela estrada, já cansados,
Voltam todos pra trás desanimados …
E eu paro a murmurar: “Ninguém o viu! …”

Converteu-se-me em Noite o Claro Dia

Apolo e as nove Musas, descantando
Com a dourada lira, me influíam
Na suave harmonia que faziam,
Quando tomei a pena, começando:

Ditoso seja o dia e hora, quando
Tão delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
Estar-se em seu desejo traspassando!

Assim cantava, quando Amor virou
A roda à esperança, que corria
Tão ligeira, que quase era invisível.

Converteu-se-me em noite o claro dia;
E, se alguma esperança me ficou,
Será de maior mal, se for possível.

Quem Rasgou os Meus Lençóis de Linho

Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
Onde esperei morrer, meus tão castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os altos girassóis
Quem foi que os arrancou e lançou no caminho?

Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)
A mesa de eu cear, d tábua tosca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
– Da minha vinha o vinho acidulado e fresco…

Ó minha pobre mãe!… Não te ergas mais da cova.
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova…
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.

Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais,
Alma da minha mãe… Não andes mais à neve,
De noite a mendigar às portas dos casais.

4A Sombra – Fabíola

Como teu riso dói… como na treva
Os lêmures respondem no infinito:
Tens o aspecto do pássaro maldito,
Que em sânie de cadáveres se ceva!

Filha da noite! A ventania leva
Um soluço de amor pungente, aflito…
Fabíola!… É teu nome!… Escuta é um grito,
Que lacerante para os céus s’eleva!…

E tu folgas, Bacante dos amores,
E a orgia que a mantilha te arregaça,
Enche a noite de horror, de mais horrores…

É sangue, que referve-te na taça!
É sangue, que borrifa-te estas flores!
E este sangue é meu sangue… é meu… Desgraça!

XXX

Não se passa, meu bem, na noite, e dia
Uma hora só, que a mísera lembrança
Te não tenha presente na mudança,
Que fez, para meu mal, minha alegria.

Mil imagens debuxa a fantasia,
Com que mais me atormenta e mais me cansa:
Pois se tão longe estou de uma esperança,
Que alívio pode dar me esta porfia!

Tirano foi comigo o fado ingrato;
Que crendo, em te roubar, pouca vitória,
Me deixou para sempre o teu retrato:

Eu me alegrara da passada glória,
Se quando me faltou teu doce trato,
Me faltara também dele a memória.

Lacrimae Rerum

Noite, irmã da Razão e irmã da Morte,
Quantas vezes tenho eu interrogado
Teu verbo, teu oráculo sagrado,
Confidente e intérprete da Sorte!

Aonde são teus sóis, como corte
De almas inquietas, que conduz o Fado?
E o homem porque vaga desolado
E em vão busca a certeza que o conforte?

Mas, na pompa de imenso funeral,
Muda, a noite, sinistra e triunfal,
Passa volvendo as horas vagarosas…

É tudo, em torno a mim, dúvida e luto;
E, perdido num sonho imenso, escuto
O suspiro das coisas tenebrosas…

Paisagens de Inverno

I

Ó meu coração, torna para trás.
Onde vais a correr, desatinado?
Meus olhos incendidos que o pecado
Queimou! o sol! Volvei, noites de paz.

Vergam da neve os olmos dos caminhos.
A cinza arrefeceu sobre o brasido.
Noites da serra, o casebre transido…
Ó meus olhos, cismai como os velhinhos.

Extintas primaveras evocai-as:
_ Já vai florir o pomar das maceiras.
Hemos de enfeitar os chapéus de maias._

Sossegai, esfriai, olhos febris.
_ E hemos de ir cantar nas derradeiras
Ladainhas…Doces vozes senis…_

II

Passou o outono já, já torna o frio…
_ Outono de seu riso magoado.
llgido inverno! Oblíquo o sol, gelado…
_ O sol, e as águas límpidas do rio.

Águas claras do rio! Águas do rio,
Fugindo sob o meu olhar cansado,
Para onde me levais meu vão cuidado?
Aonde vais, meu coração vazio?

Ficai, cabelos dela, flutuando,
E, debaixo das águas fugidias,
Os seus olhos abertos e cismando…

Onde ides a correr, melancolias?
_ E, refratadas, longamente ondeando,

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A Música

A música p’ra mim tem seduções de oceano!
Quantas vezes procuro navegar,
Sobre um dorso brumoso, a vela a todo o pano,
Minha pálida estrela a demandar!

O peito saliente, os pulmões distendidos
Como o rijo velame d’um navio,
Intento desvendar os reinos escondidos
Sob o manto da noite escuro e frio;

Sinto vibrar em mim todas as comoções
D’um navio que sulca o vasto mar;
Chuvas temporais, ciclones, convulsões

Conseguem a minh’alma acalentar.
— Mas quando reina a paz, quando a bonança impera,
Que desespero horrível me exaspera!

Tradução de Delfim Guimarães

Luar

Ao longo das louríssimas searas
Caiu a noite taciturna e fria…
Cessou no espaço a límpida harmonia
Das infinitas perspectivas claras.

As estrelas no céu, puras e raras,
Como um cristal que nítido radia,
Abrem da noite na mudez sombria
O cofre ideal de pedrarias caras.

Mas uma luz aos poucos vai subindo
Como do largo mar ao firmamento — abrindo
Largo clarão em flocos d’escomilha.

Vai subindo, subindo o firmamento!
E branca e doce e nívea, lento e lento,
A lua cheia pelos campos brilha…

Último Round

O vento que de verde tudo varre
não varre esta floresta onde eu habito.
Espana roxas nódoas de um espárringue
que sou eu mesmo a rir por esses ringues.

Porradas que me dou? Mero detalhe,
de quem passou a vida sem ter sido
sendo, o sabido súdito do anárquico.
Não fui, não sou, não quero ser doído.

O menestrel choroso? Este não vale,
perdeu-se pelos socos de outras divas
em noites desbotadas na paisagem.

Mas então, o que fica dessa trilha?
ora, amigo, nocautes dessa aragem
varrida nos cruzados descaminhos.

Natal

às moças da Serra

É meia noite … O sino alvissareiro,
Lá da igrejinha branca pendurado,
Como n’um sonho místico e fagueiro,
Vem relembrar o tempo do passado.

Ó velho sino, ó bronze abençoado,
Na alegria e na mágoa companheiro!
Tu me recordas o sorrir primeiro
De menino Jesus imaculado.

E enquanto escuto a tua voz dolente,
Meu ser que geme dolorosamente
Da desventura, aos gélidos açoites …

Bebe em teus sons tanta alegria, tanta!
Sino que lembras uma noite santa,
Noite bendita mais que as outras noites!

Noite

Há na expressão do céu um mágico esplendor
e em êxtase sensual, a terra está vencida…
– deixa enlaçar-te toda… A sombra nos convida,
e uma noite como esta é feita para o amor…

Assim… – Fica em meus braços, trêmula e esquecida,
e dá-me do teu corpo esse estranho calor,
– ao pólen que dá vida, em fruto faz-se a flor,
e o teu corpo é uma flor que não conhece a vida…

Há sussurros pelo ar… Há sombras nos caminhos…
E à indiscrição da Lua, em seu alto mirante,
encolhem-se aos casais, os pássaros nos ninhos…

Astros fogem no céu… ninguém mais pode vê-los…
procuram, para amar, a noite mais distante,
e eu, para amar, procuro a noite em teus cabelos!…

Fetichismo

Homem, da vida as sombras inclementes
Interrogas em vão: – Que céus habita
Deus? Onde essa região de luz bendita,
Paraíso dos justos e dos crentes?…

Em vão tateiam tuas mãos trementes
As entranhas da noite erma, infinita,
Onde a dúvida atroz blasfema e grita,
E onde há só queixas e ranger de dentes…

A essa abóbada escura, em vão elevas
Os braços para o Deus sonhado, e lutas
Por abarcá-lo; é tudo em torno trevas…

Somente o vácuo estreitas em teus braços;
E apenas, pávido, um ruído escutas,
Que é o ruído dos teus próprios passos!…

Contemplação

Sonho de olhos abertos, caminhando
Não entre as formas já e as aparências,
Mas vendo a face imóvel das essências,
Entre idéias e espíritos pairando…

Que é o mundo ante mim? fumo ondeando,
Visões sem ser, fragmentos de existências…
Uma névoa de enganos e impotências
Sobre vácuo insondável rastejando…

E d’entre a névoa e a sombra universais
Só me chega um murmúrio, feito de ais…
É a queixa, o profundíssimo gemido

Das coisas, que procuram cegamente
Na sua noite e dolorosamente
Outra luz, outro fim só presentido…

Sentimentos Carnais

Sentimentos carnais, esses que agitam
Todo o teu ser e o tornam convulsivo…
Sentimentos indômitos que gritam
Na febre intensa de um desejo altivo.

Ânsias mortais, angústias que palpitam,
Vãs dilacerações de um sonho esquivo,
Perdido, errante, pelos céus, que fitam
Do alto, nas almas, o tormento vivo.

Vãs dilacerações de um Sonho estranho,
Errante, como ovelhas de um rebanho,
Na noite de hóstias de astros constelada…

Errante, errante, ao turbilhão dos ventos,
Sentimentos carnais, vãos sentimentos
De chama pelos tempos apagada…

Tecido

O texto tem sua face
de avesso na superfície:
é dia e noite, sintaxe
do que se pensa, ou se disse.

Tudo no texto é disfarce,
ritual de voz e artifício,
como se tudo falasse
por si mesmo, na planície.

Seja por dentro ou por fora,
seja de lado ou durante,
o texto é sempre demora:

o descompasso da escrita
e da leitura no grande
intervalo dos sentidos.

Se ao Mundo Predissesses teu Morrer

Se ao mundo predissesses teu morrer
na morte a natureza ir-te-ia à frente
volvendo com mandado intransigente
no eterno esquecimento o próprio ser

O céu se rosaria docemente
por do teu corpo a roupa enfim descer
florestas tingiria o teu sofrer
de negro e a noite o mar barca silente

Luto sem nome com estrelas mede
a estela ao teu olhar no arco celeste
e a escuridão de espesso muro impede

que a luz da nova primavera preste
A estação vê nos astros que pararam
as cisternas que a morte te espelharam.

Tradução de Vasco Graça Moura