Os Brilhantes
Não ha mulher mais pallida e mais fria,
E o seu olhar azul vago e sereno
Faz como o effeito d’um luar ameno
Na sua tez que é morbida e macia.Como Levana … esta mulher sombria
Traz a Morte cruel ao seu aceno,
O Suicidio e a Dôr!… Lembra do Rheno
Um conto, á luz crepuscular do dia.Por isso eu nunca invejo os seus amantes!
– E em quanto hontem, gabavam seus brilhantes,
No theatro, com vistas fascinadas…Tortura das visões… incomprehensiveis!
Em vez d’elles, cri ver brilhar – horriveis
E verdadeiras lagrimas geladas!
Sonetos sobre Olhar
233 resultadosO Sr. Abbade
Quando vem Junho e deixo esta cidade,
Batina, Caes, tuberculozos céus,
Vou para o Seixo, para a minha herdade:
Adeus, cavaco e luar! choupos, adeus!Tomo o regimen do Sr. Abbade,
E faço as pazes, elle o quer, com Deus.
No seu direito olhar vejo a bondade,
E ás capellinhas vou ver os judeus.Que homem sem par! Ignora o que são dores!
Para elle uma ramada é o pallio verde,
Os cachos d’uvas são as suas flores!Ao seu passal chama elle o mundo todo…
Sr. Abbade! olhe que nada perde:
Viva na paz, ahi, longe do lodo.
Soneto à Rendeira
O linho é uma oração remota, nesse
fluir fabril de fio para a flor.
Move-se o coração da moça, e esquece
o tempo prisioneiro, em derredorda sombra esguia que à almofada tece.
Move-se, em seu afã modelador
de paz, o mito imemorial da prece
que do limbo da morte inventa o amor.Movem-se dentro dela o sol e o vento.
Move-se o mar, e os pórticos se movem
das águas em perpétuo movimento…Move-se a gênese em seu corpo jovem.
E, enquanto o olhar medita, os dedos tecem
gestos de amor que os lábios não conhecem.
Tese e Antítese
I
Já não sei o que vale a nova idéia,
Quando a vejo nas ruas desgrenhada,
Torva no aspecto, à luz da barricada,
Como bacchante após lúbrica ceia…Sanguinolento o olhar se lhe incendeia;
Respira fumo e fogo embriagada:
A deusa de alma vasta e sossegada
Ei-la presa das fúrias de Medeia!Um século irritado e truculento
Chama à epilepsia pensamento,
Verbo ao estampido de pelouro e obuz…Mas a idea é n’um mundo inalterável,
N’um cristalino céu, que vive estável…
Tu, pensamento, não és fogo, és luz!II
N’um céu intemerato e cristalino
Pode habitar talvez um Deus distante,
Vendo passar em sonho cambiante
O Ser, como espectáculo divino.Mas o homem, na terra onde o destino
O lançou, vive e agita-se incessante:
Enche o ar da terra o seu pulmão possante…
Cá da terra blasfema ou ergue um hino…A idéia encarna em peitos que palpitam:
O seu pulsar são chamas que crepitam,
Paixões ardentes como vivos sóis!Combatei pois na terra árida e bruta,
Na Mazurka
Morava num palácio — estranha Babilônia
De arcadas colossais, de impávidos zimbórios,
Alcovas de damasco e torreões marmóreos,
Volutas primorais de arquitetura jônia.Assim, quando surgia em meio aos peristilos
Descendo, qual mulher de Séfora, vaidosa,
Envolta em ouropéis, em sedas, luxuosa,
Cercam-na do belo os místicos sigilos!E quando nos saraus, assim como um rainúnculo,
O lábio lhe tremia e o olhar, vivo carbúnculo,
Vibrava nos salões, como uma adaga turca,Ou como o sol em cheio e rubro sobre o Bósforo,
— nos crânios os Homens sentiam ter mais fósforo…
Ao vê-la escultural no passo da Mazurka…
Ante a Paisagem
Eu fujo da Paisagem. Tenho medo.
Os pinheirais são em marfim bordados.
Sou paisagem-cetim num olhar quedo,
Oiro louco sonhando cortinados.Fujo de mim porque já sou Paisagem.
Procura-me Satã no meu chorar…
Seus passos, o ruído da folhagem.
Cimos de lírios velhos de luar.As tuas mãos fechadas e desertas,
Janelas pra o jardim, jamais abertas,
Fiam de mármore um correr de rios…E os teus olhos cansados de saudades.
Eunucos possuindo divindades…
Hora-luar a de teus olhos frios…
O Misantropo
A boca, às vezes, o louvor escapa
E o pranto aos olhos; mas louvor e pranto
Mentem: tapa o louvor a inveja, enquanto
O pranto a vesga hipocrisia tapa.Do louvor, com que espanto, sob a capa
Vejo tanta dobrez, ludíbrio tanto!
E o pranto em olhos vejo, com que espanto,
Que escarnecem dos mais, rindo à socapa!Porque, desde que esse ódio atroz me veio,
Só traições vejo em cada olhar venusto?
Perfídias só em cada humano seio?Acaso as almas poderei sem custo
Ver, perspícuo e melhor, só quando odeio?
E é preciso odiar para ser justo?!
A Moça Caetana A Morte Sertaneja
(com tema de Deborah Brennand)
Eu vi a Morte, a moça Caetana,
com o Manto negro, rubro e amarelo.
Vi o inocente olhar, puro e perverso,
e os dentes de Coral da desumana.Eu vi o Estrago, o bote, o ardor cruel,
os peitos fascinantes e esquisitos.
Na mão direita, a Cobra cascavel,
e na esquerda a Coral, rubi maldito.Na fronte, uma coroa e o Gavião.
Nas espáduas, as Asas deslumbrantes
que, rufiando nas pedras do Sertão,pairavam sobre Urtigas causticantes,
caules de prata, espinhos estrelados
e os cachos do meu Sangue iluminado.
IX
De outras sei que se mostram menos frias,
Amando menos do que amar pareces.
Usam todas de lágrimas e preces:
Tu de acerbas risadas e ironias.De modo tal minha atenção desvias,
Com tal perícia meu engano teces,
Que, se gelado o coração tivesses,
Certo, querida, mais ardor terias.Olho-te: cega ao meu olhar te fazes …
Falo-te – e com que fogo a voz levanto! –
Em vão… Finges-te surda às minhas frases…Surda: e nem ouves meu amargo pranto!
Cega: e nem vês a nova dor que trazes
À dor antiga que doía tanto!
Eu
Até agora eu não me conhecia.
Julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.Mas que eu não era Eu não o sabia
E, mesmo que o soubesse, não o dissera…
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim…e não me via!Andava a procurar-me — pobre louca!
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!E esta ânsia de viver, que nada acalma,
É a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!
Saint-Just
Quando à tribuna ele se ergueu, rugindo,
– Ao forte impulso das paixões audazes
Ardente o lábio de terríveis frases
E a luz do gênio em seu olhar fulgindo,A tirania estremeceu nas bases,
De um rei na fronte ressumou, pungindo,
Um suor de morte e um terror infindo
Gelou o seio aos cortesãos sequazes –Uma alma nova ergueu-se em cada peito,
Brotou em cada peito uma esperança,
De um sono acordou, firme, o Direito –E a Europa – o mundo – mais que o mundo, a França –
Sentiu numa hora sob o verbo seu
As comoções que em séculos não sofreu!
Titãs Negros
Hirtas de Dor, nos áridos desertos
Formidáveis fantasmas das Legendas,
Marcham além, sinistras e tremendas,
As caravanas, dentre os céus abertos…Negros e nus, negros Titãs, cobertos
Das bocas vis das chagas vis e horrendas,
Marcham, caminham por estranhas sendas,
Passos vagos, sonâmbulos, incertos…Passos incertos e os olhares tredos,
Na convulsão de trágicos segredos,
De agonias mortais, febres vorazes…Têm o aspecto fatal das feras bravas
E o rir pungente das legiões escravas,
De dantescos e torvos Satanases!…
Recordação
Foi por aqui, sob estes árvoredos,
Sob este doce e plácido horizonte,
Perto da clara e pequenina fonte
Que murmura lá baixo os seus segredos…Recordo bem todos os cantos ledos
Da passarada — e lembro-me da ponte
Por sobre a qual via-se além, de fronte,
O mar azul batendo nos penedos.Sinto a impressão ainda da paisagem,
Do trêmolo (…)* da folhagem,
Das culturas rurais, do sítio agreste.A luz do dia vinha então morrendo…
Foi por aqui que eu pude ficar crendo
O quanto pode o teu olhar celeste.* Rasurado
X
Deixa que o olhar do mundo enfim devasse
Teu grande amor que é teu maior segredo!
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o afeto que sentes se mostrasse?Basta de enganos! Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.Olha: não posso mais! Ando tão cheio
Deste amor, que minh’alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo…Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.
Uma Palavra, Um Gesto
Não quiseste, – ou quem sabe? … vacilaste na hora
em que esperei de ti uma palavra, um gesto…
– bastaria um olhar quando me fui embora,
um olhar… e eu feliz entenderia o resto…Mas, não. Nem um olhar, num um vago protesto,
em um tremor na voz de quem sofre e não chora…
Ah! teria bastado uma palavra, um gesto,
para tudo, afinal, ser diferente agora…Parti! levou-me a vida, ao léu, e redemoinho…
Hoje, volto, – e tu me olhas a falar de amor
e me entregas as mãos num gesto de carinho…E evito teu olhar… E não me manifesto…
– É que, já não te posso dar, seja o que for,
nem mesmo uma palavra de esperança, um gesto…
Noiva
Ei-la toda de branco. Aos pés, o imenso véu
como em flocos de espuma, espalhado no chão…
No ar, dentro do olhar, cabe inteirinho um céu,
e leva um céu maior dentro do coração…Nos lábios… Ah! nos lábios o sabor do mel,
e uma carícia em flor se entreabre em cada mão,
– e que tremor no braço, ao deixar no papel
o nome dela, o dele… os dois desde então…Quem lhe falou da vida ? A vida é um sonho, a vida
é esse caminho azul, esse estranho embaraço
de sentir-se ao seu lado adorada e querida…Aos seus pés, como nuvem branca, o imenso véu…
Quem dirá, que ao seguir apoiada ao seu braço
não pensa que caminha em direção ao céu ?…
Ambos
Vão pela estrada, à margem dos caminhos
Arenosos, compridos, salutares,
Por onde, a noite, os límpidos luares
Dão às verduras leves tons de arminhos.Nuvens alegres como os alvos linhos
Cortam a doce compridão dos ares,
Dentre as canções e os tropos singulares
Dos inefáveis, meigos passarinhos.Do céu feliz na branda curvidade,
A luz expande a inteira alacridade,
O mais supremo e encantador afago.E com o olhar vibrante de desejos
Vão decifrando os trêmulos arpejos,
E as reticências que produz o vago.
À Virgem Santíssima
Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia
N’um sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizível ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza…Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade…
Era outra luz, era outra suavidade,
Que até nem sei se as há na natureza…Um místico sofrer… uma ventura
Feita só do perdão, só da ternura
E da paz da nossa hora derradeira…Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa…
E deixa-me sonhar a vida inteira!
Triste
Vai-se extinguindo a viva labareda
Que te abrasava o coração ridente…
Passas magoada pela rua e a gente
Umas converses funerais segreda.Não tens no olhar o sangue q’embebeda,
Foram-se as rosas do viver contente…
Segues, agora, pobre flor — somente
Da sepultura a essencial vereda.E vem chegando o tenebroso inverno…
Mas nesse mal devorador e eterno,
Teu organismo já não mais resisteÀs punhaladas da estação de gelo…
E acabará como eu nem sei dizê-lo,
Triste, bem triste, pesarosa, triste!
Coração Solitário
A noite esta fechada na janela aberta.
Uma rua perdeu-se na sombra lá embaixo.
Não existe esta rua – é um beco surrealista
que fugiu de algum quadro louco que não vi.Ouço meu coração ardente e solitário
com sua música estranha de piano bêbado.
No espelho, meu olhar: duas chamas de estrelas.
Não sei se é o vento, sei que há música na noite.Há música no quarto, nas cortinas, música
nos meus cabelos despenteados, nos meus dedos,
no meu rosto, entra e sai pela janela.Música indefinida a encher a solidão:
– estou no ventre da noite a mexer com os meus sonhos
ouço o meu coração ardente e solitário.