Uma Amiga
Aqueles que eu amei, nĂŁo sei que vento
Os dispersou no mundo, que os nĂŁo vejo…
Estendo os bracos e nas trevas beijo
Visões que a noite evoca o sentimento…Outros me causam mais cruel tormento
Que a saudade dos mortos… que eu invejo…
Passam por mim… mas como que tem pejo
Da minha soledade e abatimento!Daquela primavera venturosa
NĂŁo resta uma flor so, uma so rosa…
Tudo o vento varreu, queimou o gelo!Tu so foste fiel – tu, como dantes,
Inda volves teus olhos radiantes…
Para ver o meu mal… e escarnece-lo!
Sonetos sobre Olhos de Antero de Quental
12 resultadosElogio da Morte
I
Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.Não que de larvas me povôe a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razĂŁo por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…Nada! o fundo dum poço, hĂşmido e morno,
Um muro de silĂŞncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.II
Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povĂ´a o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
SĂł das visões da noite se confia.Que mĂsticos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!N’esta viagem pelo ermo espaço,
Espectros
Espectros que velais, enquanto a custo
Adormeço um momento, e que inclinados
Sobre os meus sonos curtos e cansados
Me encheis as noites de agonia e susto!…De que me vale a mim ser puro e justo,
E entre combates sempre renovados
Disputar dia a dia Ă mĂŁo dos Fados
Uma parcela do saber augusto,Se a minh’alma há-de ver, sobre si fitos,
Sempre esses olhos trágicos, malditos!
Se até dormindo, com angústia imensa,Bem os sinto verter sobre o meu leito,
Uma a uma verter sobre o meu peito
As lágrimas geladas da descrença!
Uma Amiga
Aqueles que eu amei, nĂŁo sei que vento
Os dispersou no mundo, que os nĂŁo vejo…
Estendo os braços e nas trevas beijo
Visões que a noite evoca o sentimento…Outros me causam mais cruel tormento
Que a saudade dos mortos… que eu invejo…
Passam por mim… mas como que tem pejo
Da minha soledade e abatimento!Daquela primavera venturosa
NĂŁo resta uma flor sĂł, uma sĂł rosa…
Tudo o vento varreu, queimou o gelo!Tu sĂł foste fiel – tu, como dantes,
Inda volves teus olhos radiantes…
Para ver o meu mal… e escarnecĂŞ-lo!
Nox
Noite, vĂŁo para ti meus pensamentos,
Quando olho e vejo, Ă luz cruel do dia,
Tanto estéril lutar, tanta agonia,
E inĂşteis tantos ásperos tormentos…Tu, ao menos, abafas os lamentos,
Que se exalam da trágica enxovia…
O eterno Mal, que ruge e desvaria,
Em ti descansa e esquece alguns momentos…Oh! Antes tu tambĂ©m adormecesses
Por uma vez, e eterna, inalterável,
Caindo sobre o Mundo, te esquecesses,E ele, o Mundo, sem mais lutar nem ver,
Dormisse no teu seio inviolável,
Noite sem termo, noite do NĂŁo-ser!
Das Unnennbare
Oh quimera, que passas embalada
Na onda de meus sonhos dolorosos,
E roças co’os vestidos vaporosos
A minha fronte pálida e cansada!Leva-te o ar da noite sossegada…
Pergunto em vĂŁo, com olhos ansiosos,
Que nome Ă© que te dĂŁo os venturosos
No teu paĂs, misteriosa fada!Mas que destino o meu! e que luz baça
A d’esta aurora, igual Ă do sol posto,
Quando sĂł nuvem lĂvida esvoaça!Que nem a noite uma ilusĂŁo consinta!
Que sĂł de longe e em sonhos te presinta…
E nem em sonhos possa ver-te o rosto!
Poz-te Deus Sobre a Fronte a MĂŁo Piedosa
Poz-te Deus sobre a fronte a mĂŁo piedosa:
O que fada o poeta e o soldado
Volveu a ti o olhar, de amor velado,
E disse-te: «vae, filha, sê formosa!»E tu, descendo na onda harmoniosa,
Pousaste n’este solo angustiado,
Estrela envolta n’um clarĂŁo sagrado,
Do teu limpido olhar na luz radiosa…Mas eu… posso eu acaso merecer-te?
Deu-te o Senhor, mulher! o que Ă© vedado,
Anjo! Deu-te o Senhor um mundo á parte.E a mim, a quem deu olhos para ver-te,
Sem poder mais… a mim o que me ha dado?
Voz, que te cante, e uma alma para amar-te!
Com Os Mortos
Os que amei, onde estĂŁo? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos…E eu mesmo, com os pĂ©s tambĂ©m imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
SĂł vejo espuma lĂvida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos…Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhĂŁo ideal do eterno Bem.
Sonho
Sonhei – nem sempre o sonho Ă© coisa vĂŁ –
Que um vento me levava arrebatado,
Através desse espaço constelado
Onde uma aurora eterna ri louçã…As estrelas, que guardam a manhĂŁ,
Ao verem-me passar triste e calado,
Olhavam-me e diziam com cuidado:
Onde está, pobre amigo, a nossa irmã?Mas eu baixava os olhos, receoso
Que traĂssem as grandes mágoas minhas,
E passava furtivo e silencioso,Nem ousava contar-lhes, Ă s estrelas,
Contar Ă s tuas puras irmĂŁzinhas
Quanto Ă©s falsa, meu bem, e indigna delas!
VisĂŁo
(A J. M. Eça de Queiroz)
Eu vi o Amor — mas nos seus olhos baços
Nada sorria já: só fixo e lento
Morava agora ali um pensamento
De dor sem trĂ©gua e de Ăntimos cansaços.Pairava, como espectro, nos espaços,
Todo envolto n’um nimbo pardacento…
Na atitude convulsa do tormento,
Torcia e retorcia os magros braços…E arrancava das asas destroçadas
A uma e uma as penas maculadas,
Soltando a espaços um soluço fundo,Soluço de Ăłdio e raiva impenitentes…
E do fantasma as lágrimas ardentes
CaĂam lentamente sobre o mundo!
A uma Mulher
Para tristezas, para dor nasceste.
Podia a sorte pôr-te o berço estreito
N’algum palácio e ao pĂ© de rĂ©gio leito,
Em vez d’este areal onde cresceste:Podia abrir-te as flores — com que veste
As ricas e as felizes — n’esse peito:
Fazer-te… o que a Fortuna há sempre feito…
Terias sempre a sorte que tiveste!Tinhas de ser assim… Teus olhos fitos,
Que nĂŁo sĂŁo d’este mundo e onde eu leio
Uns mistérios tão tristes e infinitos,Tua voz rara e esse ar vago e esquecido,
Tudo me diz a mim, e assim o creio,
Que para isto sĂł tinhas nascido!
Contemplação
Sonho de olhos abertos, caminhando
Não entre as formas já e as aparências,
Mas vendo a face imĂłvel das essĂŞncias,
Entre idĂ©ias e espĂritos pairando…Que Ă© o mundo ante mim? fumo ondeando,
Visões sem ser, fragmentos de existĂŞncias…
Uma névoa de enganos e impotências
Sobre vácuo insondável rastejando…E d’entre a nĂ©voa e a sombra universais
SĂł me chega um murmĂşrio, feito de ais…
É a queixa, o profundĂssimo gemidoDas coisas, que procuram cegamente
Na sua noite e dolorosamente
Outra luz, outro fim sĂł presentido…