Sonetos sobre Olhos de Charles Baudelaire

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Sonetos de olhos de Charles Baudelaire. Leia este e outros sonetos de Charles Baudelaire em Poetris.

A Beleza

De um sonho escultural tenho a beleza rara,
E o meu seio, — jardim onde cultivo a dor,
Faz despertar no Poeta um vivo e intenso amor,
Com a eterna mudez do marmor’ de Carrara

Sou esfinge subtil no Azul a dominar,
Da brancura do cisne e com a neve fria;
Detesto o movimento, e estremeço a harmonia;
Nunca soube o que Ă© rir, nem sei o que Ă© chorar.

O Poeta, se me vê nas atitudes fátuas
Que pareço copiar das mais nobres estátuas,
Consome noite e dia em estudos ingentes..

Tenho, p’ra fascinar o meu dĂłcil amante,
Espelhos de cristal, que tornaram deslumbrante
A própria imperfeição: — os meus olhos ardentes!

Tradução de Delfim Guimarães

Esterilidade

Ao vĂŞ-la caminhar em trajos vaporosos,
Parece que desliza em voluptuosa dança,
Como aqueles répteis da Índia, majestosos,
Que um faquir faz mover em torno d’uma lança.

Como um vasto areal, ou como um céu ardente,
Como as vagas do mar em seu fragor insano,
— Assim ela caminha, a passo, indiferente,
InsensĂ­vel Ă  dor, ao sofrimento humano.

Seus olhos tĂŞem a luz dos cristais rebrilhantes,
E o seu todo estranho onde, a par, se lobriga
O anjo inviolado e a muda esfinge antiga,

Onde tudo Ă© fulgor, ouro, metais, diamantes
VĂŞ-se resplandecer a fria majestade
Da mulher infecunda — essa inutilidade!

Tradução de Delfim Guimarães

O Tonel do Rancor

O Rancor Ă© o tonel das Danaidas alvĂ­ssimas;
A Vingança, febril, grandes olhos absortos,
procura em vĂŁo encher-lhes as trevas profundĂ­ssimas,
Constante, a despejar pranto e sangue de mortos.

O Diabo faz-lhe abrir uns furos misteriosos
Por onde se estravasa o lĂ­quido em tropel;
Mil anos de labor, de esforços fatigosos,
Tudo seria vĂŁo para encher o tonel.

O Rancor Ă© qual Ă©brido em sĂłrdida taverna,
Que quanto mais bebeu inda mais sede tem,
Vendo-a multiplicar como a hidra de Lerna.

– Mas se o Ă©brio feliz sabe com quem se avĂ©m,
O Rancor, por seu mal, nĂŁo logra conseguir,
Qual torvo beberrĂŁo, acabar por dormir.

Tradução de Delfim Guimarães

O Monge Maldito

Os devotos painéis dos antigos conventos,
Reproduzindo a santa imagem da Verdade,
Davam certo conforto aos sĂłbrios monumentos,
Tornavam menos fria aquela austeridade.

Olhos fitos em Deus, nos santos mandamentos,
Mais de um monge alcançou palma de santidade,
A’ Morte consagrando obras e pensamentos
Numa vida de paz, de labor, de humildade.

Minh’alma Ă© um coval onde, monge maldito,
Desde que existe o mundo, aborrecido, habito,
Sem ter um sĂł painel que possa contemplar…

— O’ monge mandriĂŁo! se quer’s viver, contente,
uma vida de paz, nĂŁo seja indolente;
Caleja-me essas mĂŁos, trabalha! vai cavar!

Tradução de Delfim Guimarães

Ciganos em Viagem

A tribo que prevĂŞ a sina dos viventes
Levantou arraiais hoje de madrugada;
Nos carros, as mulher’, c’o a torva filharada
Ă€s costas ou sugando os mamilos pendentes;

Ao lado dos carrões, na pedregosa estrada,
Vão os homens a pé, com armas reluzentes,
Erguendo para o céu uns olhos indolentes
Onde já fulgurou muita ilusão amada.

Na buraca onde está encurralado, o grilo,
Quando os sente passar, redobra o meigo trilo;
Cibela, com amor, traja um verde mais puro,

Faz da rocha um caudal, e um vergel do deserto,
Para assim receber esses p’ra quem ‘stá aberto
O império familiar das trevas do futuro!

Tradução de Delfim Guimarães

A Vida Anterior

Longos anos vivi sob um pĂłrtico alto
De gigantes pilares, nobres, dominadores,
Que a luz, vinda do mar, esmaltava de cores,
Tornando-o semelhante Ă s grutas de basalto.

Chegavam até mim os ecos da harmonia
Do orfeĂŁo colossal das ondas chamejantes,
Ligando a sua voz Ă s tintas deslumbrantes
Da luz crepuscular que em meus olhos fugia.

Em meio do esplendor do céu, do mar, dos lumes,
Foi-me dado gozar, voluptuosas calmas!
Escravos seminus, rescendendo perfumes,

Minha fronte febril refrescavam com palmas,
E tinham por missĂŁo apenas descobrir
A misteriosa dor que eu andava a carpir

Tradução de Delfim Guimarães