Regenerada
De mĂŁos postas, Ă luz de frouxos cĂrios
Rezas para as Estrelas do Infinito,
Para os Azuis dos siderais EmpĂreos
Das Orações o doloroso rito.Todos os mais recĂ´nditos martĂrios,
As angústias mortais, teu lábio aflito
Soluça, em preces de luar e lĂrios,
Num trêmulo de frases inaudito.Olhos, braços e lábios, mãos e seios,
Presos, d’estranhos, mĂsticos enleios,
Já nas Mágoas estão divinizados.Mas no teu vulto ideal e penitente
Parece haver todo o calor veemente
Da febre antiga de gentis Pecados.
Sonetos sobre Olhos de Cruz e Souza
38 resultadosAssim Seja!
Fecha os olhos e morre calmamente!
Morre sereno do Sever cumprido!
Nem o mais leve, nem um sĂł gemido
Traia, sequer, o teu Sentir latente.Morre com alma leal, clarividente,
Da crença errando no Vergel florido
E o Pensamento pelos céus, brandido
Como um gládio soberbo e refulgente.Vai abrindo sacrário por sacrário
Do teu sonho no Templo imaginário,
Na hora glacial da negra Morte imensa…Morre com o teu Dever! Na alta confiança
De quem triunfou e sabe que descansa
Desdenhando de toda a Recompensa!
O Anjo Da Redenção
Soberbo, branco, etereamente puro,
Na mĂŁo de neve um grande facho aceso,
Nas nevroses astrais dos sĂłis surpreso,
Das trevas deslumbrando o caos escuro.Portas de bronze e pedra, o horrendo muro
Da masmorra mortal onde estás preso
Desce, penetra o Arcanjo branco, ileso
Do Ăłdio bifronte, torso, torvo e duro.Maravilhas nos olhos e prodĂgios
Nos olhos, chega dos azuis litĂgios
Desce Ă tua caverna de bandido.E sereno, agitando o estranho facho,
Põe-te aos pés e a cabeça, de alto a baixo,
Auréolas imortais de Redimido!
Exortação
Corpo crivado de sangrentas chagas,
Que atravessas o mundo soluçando,
Que as carnes vais ferindo e vais rasgando
Do fundo d’Ilusões velhas e vagas.Grande isolado das terrestres plagas,
Que vives as Esferas contemplando,
Braços erguidos, olhos no ar, olhando
A etérea chama das Conquistas magas.Se é de silêncio e sombra passageira,
De cinza, desengano e de poeira
Este mundo feroz que te condena,Embora ansiosamente, amargamente
Revela tudo o que tu’alma sente
Para ela entĂŁo poder ficar serena!
ĂŠxtase
Quando vens para mim, abrindo os braços
Numa carĂcia lânguida e quebrada,
Sinto o esplendor de cantos de alvorada
Na amorosa fremência dos teus passos.Partindo os duros e terrestres laços,
A alma tonta, em delĂrio, alvoroçada,
Sobe dos astros a radiosa escada
Atravessando a curva dos espaços.Vens, enquanto que eu, perplexo d’espanto,
Mal te posso abraçar, gozar-te o encanto
Dos seios, dentre esses rendados folhos.Nem um beijo te dou! abstrato e mudo
Diante de ti, sinto-te, absorto em tudo,
Uns rumores de pássaros nos olhos.
Imortal Atitude
Abre os olhos Ă Vida e fica mudo!
Oh! Basta crer indefinidamente
Para ficar iluminado tudo
De uma luz imortal e transcendente.Crer Ă© sentir, como secreto escudo,
A alma risonha, lúcida, vidente…
E abandonar o sujo deus cornudo,
O sátiro da Carne impenitente.Abandonar os lânguidos rugidos,
O infinito gemido dos gemidos
Que vai no lodo a carne chafurdando.Erguer os olhos, levantar os braços
Para o eterno Silêncio dos Espaços
E no Silêncio emudecer olhando…
Dizem Que A Arte É A Clâmide De Idéia
Dizem que a arte é a clâmide de idéia
A peregrina irradiação celeste,
E d’isso a prova singular já deste
Sorvendo d’ela a divinal sabéia!.Da “Georgeta” na feliz estréia,
Asseverar-nos ainda mais vieste
Que és um gênio, que te vás de preste
Tornando o assombro de qualquer platéia!…Sinto uns transportes fervorosos, ledos
Quando nas cenas de sutis enredos
Fulgem-te os olhos co’a expressĂŁo dos astros!…E as turbas mudas, impassĂveis, calmas
Sentem mil mundos lhes crescer nas almas…
Vão-te seguindo os luminosos rastros!…
Vozinha
Velha, velhinha, da doçura boa
De uma pomba nevada, etérea, mansa.
Alma que se ilumina e se balança
Dentre as redes da Fé que nos perdoa.Cabeça branca de serena leoa,
Carinho, amor, meiguice que nĂŁo cansa,
Coração nobre sempre como a lança
Que nĂŁo vergue, nĂŁo fira e que nĂŁo doa.Olhos e voz de castidades vivas,
Pão ázimo das Páscoas afetivas,
Simples, tranqĂĽila, dadivosa, franca.Morreu tal qual vivera, mansamente,
Na alvura doce de uma luz algente,
Como que morta de uma morte branca.
Falando Ao CĂ©u
Falas ao CĂ©u, Amor! Em vĂŁo tu falas!
Mas o céu, esse é velho, esse é velhinho,
Todo ele Ă© branco, faz lembrar o linho
Dos leitos alvos onde tu te embalas.A alma do céu é como velhas salas
Sem ar, sem luz, como lares sem vinho
Sem água e pão, sem fogo e sem carinho,
Sem as mais toscas, as mais simples galas.Sempre surdo, hoje o céu é mudo, é cego…
Jamais o coração ao céu entrego,
Eu que tĂŁo cego vou por entre abrolhos.Mas se queres tornar jovem e louro
Dá-lhe o bordão do teu amor um pouco
Fala e vista, com a vida dos teus olhos…
Olhos
II
A Grécia d’Arte, a estranha claridade
D’aquela Grécia de beleza e graça,
Passa, cantando, vai cantando e passa
Dos teus olhos na eterna castidade.Toda a serena e altiva heroicidade
Que foi dos gregos a imortal couraça,
Aquele encanto e resplendor de raça
Constelada de antiga majestade,Da Atenas flórea toda o viço louro,
E as rosas e os mirtais e as pompas d’ouro,
Odisséias e deuses e galeras…Na sonolência de uma lua aziaga,
Tudo em saudade nos teus olhos vaga,
Canta melancolias de outras eras!…
Canção Da Formosura
Vinho de sol ideal canta e cintila
Nos teus olhos, cintila e aos lábios desce,
Desce a boca cheirosa e a empurpurece,
Cintila e canta apĂłs dentre a pupila.Sobe, cantando, a limpidez tranqĂĽila
Da tu’alma estrelada e resplandece,
Canta de novo e na doirada messe
Do teu amor, se perpetua e trila…Canta e te alaga e se derrama e alaga…
Num rio de ouro, iriante, se propaga
Na tua carne alabastrina e pura.Cintila e canta na canção das cores,
Na harmonia dos astros sonhadores,
A Canção imortal da Formosura!
Humildade Secreta
Fico parado, em ĂŞxtase suspenso,
Ă€s vezes, quando vou considerando
Na humildade simpática, no brando
Mistério simples do teu ser imenso.Tudo o que aspiro, tudo quanto penso
D’estrelas que andam dentro em mim cantando,
Ah! tudo ao teu fenĂ´meno vai dando
Um céu de azul mais carregado e denso.De onde não sei tanta simplicidade,
Tanta secreta e lĂmpida humildade
Vem ao teu ser como os encantos raros.Nos teus olhos tu alma transparece…
E de tal sorte que o bom Deus parece
Viver sonhando nos teus olhos claros.
Sensibilidade
Como os audazes, ruivos argonautas,
Intrépidos, viris e corajosos
Que voltam dos orientes fantasiosos,
Dos paĂses de NĂşbios e Aranautas.Como esses bravos, que por naus incautas,
Regressam dos oceanos borrascosos,
Indo encontrar nos lares harmoniosos
De luz, vinho e alegria as mesas lautas.Tal o meu coração, quando aparece
A tua imagem, canta e resplandece,
Sem lutas, sem paixões, livre de abrolhos.A meu pesar, louco de ver-te, louco,
As lágrimas me correm pouco a pouco,
Como o champanhe virginal dos olhos…
Madona Da Tristeza
Quando te escuto e te olho reverente
E sinto a tua graça triste e bela
De ave medrosa, tĂmida, singela,
Fico a cismar enternecidamente.Tua voz, teu olhar, teu ar dolente
Toda a delicadeza ideal revela
E de sonhos e lágrimas estrela
O meu ser comovido e penitente.Com que mágoa te adoro e te contemplo,
Ă“ da Piedade soberano exemplo,
Flor divina e secreta da Beleza.Os meus soluços enchem os espaços
Quando te aperto nos estreitos braços,
solitária madona da Tristeza!
A Morte
Oh! que doce tristeza e que ternura
No olhar ansioso, aflito dos que morrem…
De que âncoras profundas se socorrem
Os que penetram nessa noite escura!Da vida aos frios véus da sepultura
Vagos momentos trêmulos decorrem…
E dos olhos as lágrimas escorrem
Como farĂłis da humana Desventura.Descem entĂŁo aos golfos congelados
Os que na terra vagam suspirando,
Com os velhos corações tantalizados.Tudo negro e sinistro vai rolando
Báratro abaixo, aos ecos soluçados
Do vendaval da Morte ondeando, uivando…
Satanismo
NĂŁo me olhes assim, branca Arethusa,
Peregrina inspiração dos meus cantares;
NĂŁo me deixes a razĂŁo vagar confusa
Ao relâmpago ideal de teus olhares.Não me olhes, oh! não, porquanto eu penso
Envolvido no luar das minhas cismas,
Que o olhar que me dardejas — doido, imenso
Tem a rápida explosão dos aneurismas.Não me olhes. Oh! não, que o próprio inferno
Problemático, fatal, cálido, eterno,
Nos teus olhos, mulher, se foi cravar!…Não me olhes, oh! não, que m’entolece
Tanta luz, tanto sol — e até parece
Que tens músicas cruéis dentro do olhar!…
Cristo E A AdĂşltera
(Grupo de Bernardelli)
Sente-se a extrema comoção do artista
No grupo ideal de plácida candura,
Nesse esplendor tĂŁo fino da escultura
Para onde a luz de todo o olhar enrista.Que campo, ali, de rĂştila conquista
Deve rasgar, do mármore na alvura,
O estatuário — que amplidão segura
Tem — de alma e braço, de razão e vista!Vê-se a mulher que implora, ajoelhada,
A mais serena compaixĂŁo sagrada
De um Cristo feito a largos tons gloriosos.De um Nazareno compassivo e terno,
D’olhos que lembram, cheios de falerno,
Dois inefáveis corações piedosos!
Aparição
Por uma estrada de astros e perfumes
A Santa Virgem veio ter comigo:
Doiravam-lhe o cabelo claros lumes
Do sacrossanto resplendor amigo.Dos olhos divinais no doce abrigo
Não tinha laivos de Paixões e ciúmes:
Domadora do Mal e do perigo
Da montanha da Fe galgara os cumes.Vestida na alva excelsa dos Profetas
Falou na ideal resignação de Ascetas,
Que a febre dos desejos aquebranta.No entanto os olhos dela vacilavam,
Pelo mistério, pela dor flutuavam,
Vagos e tristes, apesar de Santa!
Campesinas III
As papoulas da saĂşde
Trouxeram-te um ar mais novo,
Ă“ bela filha do povo,
Rosa aberta de virtude.Do campo viçoso e rude
Regressas, como um renovo,
E eu ao ver-te, os olhos movo
De um modo que nunca pude.Bravo ao campo e bravo a seara
Que deram-te a pele clara
SĂŁo rubores de alvorada.Que esses teus beijos agora
Tenham sabores de amora
E de romĂŁ estalada.
Benditas Cadeias!
Quando vou pela Luz arrebatado,
Escravo dos mais puros sentimentos
Levo secretos estremecimentos
Como quem entra em mágico Noivado.Cerca-me o mundo mais transfigurado
Nesses sutis e cândidos momentos…
Meus olhos, minha boca vĂŁo sedentos
De luz, todo o meu ser iluminado.Fico feliz por me sentir escravo
De um Encanto maior entre os Encantos,
Livre, na culpa, do mais leve travo.De ver minh’alma com tais sonhos, tantos,
E que por fim me purifico e lavo
Na água do mais consolador dos prantos