Sonetos sobre Olhos de Luís de Camões

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Sonetos de olhos de Luís de Camões. Leia este e outros sonetos de Luís de Camões em Poetris.

Ondados Fios D’ouro Reluzente

Ondados fios d’ouro reluzente,
que, agora da mĂŁo bela recolhidos,
agora sobre as rosas estendidos,
fazeis que sua beleza se acrescente;

Olhos, que vos moveis tĂŁo docemente,
em mil divinos raios entendidos,
se de cá me levais alma e sentidos,
que fora, se de vĂłs nĂŁo fora ausente?

Honesto riso, que entre a mor fineza
de perlas e corais nasce e parece,
se n’alma em doces ecos nĂŁo o ouvisse!

Se imaginando sĂł tanta beleza
de si, em nova glĂłria, a alma se esquece,
que fará quando a vir? Ah! quem a visse!

Se AlgĂĽ’hora Em VĂłs A Piedade

Se algĂĽ’hora em vĂłs a piedade
de tĂŁo longo tormento se sentira,
nĂŁo consentira Amor que me partira
de vossos olhos, minha saĂĽdade.

Apartei me de vĂłs, mas a vontade,
que pelo natural n’alma vos tira,
me faz crer que esta ausĂŞncia Ă© de mentira;
mas inda mal, porém, porque é verdade.

Ir me hei, Senhora; e, neste apartamento,
tomarão tristes lágrimas vingança
nos olhos de quem fostes mantimento.

E assi darei vida a meu tormento;
que, enfim, cá me achará minha lembrança
sepultado no vosso esquecimento.

Náiades, Vós que os Rios Habitais

Náiades, vós que os rios habitais
Que os saudosos campos vĂŁo regando,
De meus olhos vereis estar manando
Outros que quase aos vossos sĂŁo iguais.

DrĂ­ades, que com seta sempre andais
Os fugitivos cervos derribando,
Outros olhos vereis, que triunfando
Derribam corações, que valem mais.

Deixai logo as aljavas e águas frias,
E vinde, Ninfas belas, se quereis,
A ver como de uns olhos nascem mágoas.

Notareis como em vĂŁo passam os dias;
Mas em vĂŁo nĂŁo vireis, porque achareis
Nos seus as setas, e nos meus as águas.

Imagens sĂŁo adonde Amor se Adora

Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Vendo-vos com juĂ­zo sossegado,
Se o Menino, que de olhos Ă© privado,
Nas Meninas dos vossos olhos mora?

Ali manda, ali reina, ali namora,
Ali vive das gentes venerado;
Que vivo lume, e o rosto delicado,
Imagens sĂŁo adonde Amor se adora.

Quem vĂŞ que em branca neve nascem rosas
Que crespos fios de ouro vĂŁo cercando?
Se por entre esta luz a vista passa,

Raios de ouro verá, que as duvidosas
Almas estĂŁo no peito traspassando,
Assim como um cristal o Sol traspassa.

Se De Vosso Fermoso E Lindo Gesto

Se de vosso fermoso e lindo gesto
nasceram lindas flores para os olhos,
que para o peito sĂŁo duros abrolhos,
em mim se vĂŞ mui claro e manifesto:

pois vossa fermosura e vulto honesto
em os ver, de boninas vi mil molhos;
mas se meu coração tivera antolhos,
nĂŁo vira em vĂłs seu dano o mal funesto.

Um mal visto por bem, um bem tristonho,
que me traz elevado o pensamento
em mil, porém diversas, fantasias,

nas quais eu sempre ando, e sempre sonho;
e vĂłs nĂŁo cuidais mais que em meu tormento,
em que fundais as vossas alegrias.

Converteu-se-me em Noite o Claro Dia

Apolo e as nove Musas, descantando
Com a dourada lira, me influĂ­am
Na suave harmonia que faziam,
Quando tomei a pena, começando:

Ditoso seja o dia e hora, quando
TĂŁo delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
Estar-se em seu desejo traspassando!

Assim cantava, quando Amor virou
A roda à esperança, que corria
TĂŁo ligeira, que quase era invisĂ­vel.

Converteu-se-me em noite o claro dia;
E, se alguma esperança me ficou,
Será de maior mal, se for possível.

Mais Há-de Perder quem Mais Alcança

De vós me parto, ó vida, e em tal mudança
Sinto vivo da morte o sentimento.
NĂŁo sei para que Ă© ter contentamento,
Se mais há-de perder quem mais alcança!

Mas dou-vos esta firme segurança:
Que, posto que me mate o meu tormento,
Pelas águas do eterno esquecimento
Segura passará minha lembrança.

Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
Que com cousa outra alguma se contentem:
Antes os esqueçais, que vos esqueçam.

Antes nesta lembrança se atormentem,
Que com esquecimento desmereçam
A glĂłria que em sofrer tal pena sentem.

Tomou-me vossa vista soberana

Tomou-me vossa vista soberana
Aonde tinha as armas mais Ă  mĂŁo,
Por mostrar que quem busca defensĂŁo
Contra esses belos olhos, que se engana.

Por ficar da vitĂłria mais ufana,
Deixou-me armar primeiro da razĂŁo;
Cuidei de me salvar, mas foi em vĂŁo,
Que contra o CĂ©u nĂŁo vale defensa humana.

Mas porém, se vos tinha prometido
O vosso alto destino esta vitĂłria,
Ser-vos tudo bem pouco está sabido.

Que posto que estivesse apercebido,
NĂŁo levais de vencer-me grande glĂłria;
Maior a levo eu de ser vencido.

Aqueles Claros Olhos Que Chorando

Aqueles claros olhos que chorando
ficavam quando deles me partia,
agora que farĂŁo? Quem mo diria?
Se porventura estarĂŁo em mim cuidando?

Se terĂŁo na memĂłria, como ou quando
deles me vim tĂŁo longe de alegria?
Ou s’estarĂŁo aquele alegre dia
que torne a vĂŞ-los, n’alma figurando?

Se contarĂŁo as horas e os momentos?
Se acharĂŁo num momento muitos anos?
Se falarĂŁo co as aves e cos ventos?

Oh! bem-aventurados fingimentos,
que, nesta ausĂŞncia, tĂŁo doces enganos
sabeis fazer aos tristes pensamentos!

De Quantas Graças Tinha, A Natureza

De quantas graças tinha, a Natureza
fez um belo e riquĂ­ssimo tesouro;
e com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.

PĂ´s na boca os rubis, e na pureza
do belo rostro as rosas, por quem mouro;
no cabelo o valor do metal louro;
no peito a neve em que a alma tenho acesa.

Mas nos olhos mostrou quanto podia,
e fez deles um sol, onde se apura
a luz mais clara que a do claro dia.

Enfim, Senhora, em vossa compostura
ela a apurar chegou quanto sabia
de ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.

Dizei, Senhora, Da Beleza Ideia:

Dizei, Senhora, da Beleza ideia:
para fazerdes esse áureo crino,
onde fostes buscar esse ouro fino?
de que escondida mina ou de que veia?

Dos vossos olhos essa luz Febeia,
esse respeito, de um império dino?
Se o alcançastes com saber divino,
se com encantamentos de Medeia?

De que escondidas conchas escolhestes
as perlas preciosas orientais
que, falando, mostrais no doce riso?

Pois vos formastes tal, como quisestes,
vigiai-vos de vĂłs, nĂŁo vos vejais,
fugi das fontes: lembre-vos Narciso.

O Mágico Veneno

Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de quĂŞ; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;

Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravĂ­ssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
IndĂ­cio da alma, limpo e gracioso;

Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento;

Esta foi a celeste formosura
Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pĂ´de transformar meu pensamento.

Tomou-me Vossa Vista Soberana

Tomou-me vossa vista soberana
Aonde tinha as armas mais Ă  mĂŁo,
Por mostrar a quem busca defensĂŁo
Contra esses belos olhos, que se engana.

Por ficar da vitĂłria mais ufana,
Deixou-me armar primeiro da razĂŁo;
Bem salvar-me cuidei, mas foi em vĂŁo,
Que contra o CĂ©u nĂŁo vale defensa humana.

Contudo, se vos tinha prometido
O vosso alto destino esta vitĂłria,
Ser-vos ela bem pouco está entendido.

Pois, inda que eu me achasse apercebido,
NĂŁo levais de vencer-me grande glĂłria,
Eu a levo maior de ser vencido.