Ante Deus
Quando te vi eu fui o teu voar
E desci Deus pra me encontrar em mim.
Voei-me sobre pontes de marfim
E uma das pontes, Deus, em meu olhar!Aureolei-me de oiro em sombra fria
E meus voos caíram destruídos.
Foram dedos de Deus os meus sentidos.
Meu Corpo andou ao colo de Maria.Agora durmo Cristo em véus pagãos.
São tapetes de Deus as minhas mãos.
Regresso Ânsia pra alcançar os céus.Ergo-me mais. Sou o perfil da Dor.
Sobre os ombros de Deus olho em redor
E Deus não sabe qual de nós é Deus!
Sonetos sobre Olhos
454 resultadosParto-me desses Olhos Graciosos
Bem pode, Sílvia minha, qualquer serra
tirar a estes meus olhos sua glória,
qualquer monte terá de mim vitória,
qualquer pequeno espaço, enfim, de terra.Mas contra um pensamento fazem guerra,
que traz em si pintada vossa história,
e quanto mais contrastes, mais memória
conserva um coração que vos encerra.Parto-me desses olhos graciosos,
mas por eles vos juro, que mudança
se não veja nos meus eternamente,Que a mágoa de os ver ficar chorosos
estímulo será para a lembrança
de quem se vê de vós viver ausente.
Voto
Ah! primeiras amantes! oaristos!, dourados
Cabelos, o azul dos olhos, carne em flor
De corpos juvenis, e entre o seu odor
As carícias a medo e com espontaneidade!Ficaram já distantes essas alegrias
E todas as canduras! Rumo à Primavera
Dos remorsos fugiram aos negros Invernos
Das minhas dores, dos meus cansaços e agonias!E eis-me aqui, agora, só e abatido,
Desesperado e mais frio que os avós mais antigos,
Tão pobre como um órfão sem irmã crescida.Ó mulher de amor meigo e tão reconfortante,
Suave e pensativa, que nunca se espanta
E nos beija na testa, como uma criança!Tradução de Fernando Pinto do Amaral
Aquele Claro Sol
Aquele claro sol, que me mostrava
o caminho do céu mais chão, mais certo,
e com seu novo raio, ao longe, e ao perto,
toda a sombra mortal m’afugentava,deixou a prisão triste, em que cá estava.
Eu fiquei cego, e só, c’o passo incerto,
perdido peregrino no deserto
a que faltou a guia que o levava.Assi c’o esprito triste, o juízo escuro,
suas santas pisadas vou buscando
por vales, e por campos, e por montes.Em toda parte a vejo, e a figuro.
Ela me toma a mão e vai guiando,
e meus olhos a seguem, feitos fontes.
De Vós Me Aparto, Ó Vida! Em Tal Mudança
De vós me aparto, ó vida! Em tal mudança,
sinto vivo da morte o sentimento.
Não sei para que é ter contentamento,
se mais há de perder quem mais alcança.Mas dou vos esta firme segurança
que, posto que me mate meu tormento,
pelas águas do eterno esquecimento
segura passará minha lembrança.Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
que com qualquer cous’ outra se contentem;
antes os esqueçais, que vos esqueçam.Antes nesta lembrança se atormentem,
que com esquecimento desmereçam
a glória que em sofrer tal pena sentem.
Soneto VI
Ora alegre, ora triste, ou rindo, ou grave,
Ou queda, ou dando passos concertados
Ou tomeis com silêncio altos cuidados,
Ora ouça vossa voz branda e suave;Ora abertos os olhos (onde a chave
Tem amor do que pode) ora cerrados,
Ou estêm de asperezas descuidados,
Ora sua aspereza tudo agrave;Ou do crespo ouro que toda alma prende
Vossa cabeça rodeada seja,
Ou dele solto a luz estê invejosa:Agora assi, agora assi vos veja,
Igualmente a meus olhos sois fermosa,
Igualmente em meu peito o amor se acende!
Leio-Te: – O Pranto Dos Meus Olhos Rola:
Leio-te: – o pranto dos meus olhos rola:
– Do seu cabelo o delicado cheiro,
Da sua voz o timbre prazenteiro,
Tudo do livro sinto que se evola …Todo o nosso romance: – a doce esmola
Do seu primeiro olhar, o seu primeiro
Sorriso, – neste poema verdadeiro,
Tudo ao meu triste olhar se desenrola.Sinto animar-se todo o meu passado:
E quanto mais as páginas folheio,
Mais vejo em tudo aquele vulto amado.Ouço junto de mim bater-lhe o seio,
E cuido vê-la, plácida, a meu lado,
Lendo comigo a página que leio.
Alma Minha Gentil, que te Partiste
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.E se vires que pode merecer-te
Algũa cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
Erros Meus a que Chamarei Virtude
Erros meus a que chamarei virtude,
Por bem vos quero, e morro despedido
Sem amor, sem saúde, o chão perdido,
Erros meus a que chamarei virtude.A terra cultivei, amargo e rude,
No sonho de melhor a ter servido;
Para ilusão de um palmo de comprido,
A terra cultivei, amargo e rude.E o amor? A saúde? Eis os dois Lagos
Onde os olhos me ficam debruçados
— Azul e roxo, rasos de água os Lagos.Mas direis, erros meus, ainda amores?
— São bonitos os dias acabados
Quando ao poente o Sol desfolha flores.
Tudo O Que É Puro, Santo E Resplendente
Tudo o que é puro, santo e resplendente,
N’este mundo cruel de desenganos,
Toda a ventura dos primeiros anos
N’um’alma que desabrocha sorridente;Tudo o que ainda vemos de potente
Na vastidão sem fim dos oceanos,
E da terra nos prantos soberanos
Trazidos pela aurora refulgente;Tudo o que desce do infinito ousado:
O sol, a brisa, o orvalho prateado,
A luz do amor, do bem, das esperanças;Tudo, afinal, que vem do Céu dourado
A despertar o coração magoado,
– Deus encerrou nos olhos das crianças!
A Flor Do Sonho
A Flor do Sonho, alvíssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.Pende em meu seio a haste branda e fina
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim! …
Milagre… fantasia… ou, talvez, sina…Ó flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!…Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh’alma
E nunca, nunca mais eu me entendi…
Humildade Secreta
Fico parado, em êxtase suspenso,
Às vezes, quando vou considerando
Na humildade simpática, no brando
Mistério simples do teu ser imenso.Tudo o que aspiro, tudo quanto penso
D’estrelas que andam dentro em mim cantando,
Ah! tudo ao teu fenômeno vai dando
Um céu de azul mais carregado e denso.De onde não sei tanta simplicidade,
Tanta secreta e límpida humildade
Vem ao teu ser como os encantos raros.Nos teus olhos tu alma transparece…
E de tal sorte que o bom Deus parece
Viver sonhando nos teus olhos claros.
Sensibilidade
Como os audazes, ruivos argonautas,
Intrépidos, viris e corajosos
Que voltam dos orientes fantasiosos,
Dos países de Núbios e Aranautas.Como esses bravos, que por naus incautas,
Regressam dos oceanos borrascosos,
Indo encontrar nos lares harmoniosos
De luz, vinho e alegria as mesas lautas.Tal o meu coração, quando aparece
A tua imagem, canta e resplandece,
Sem lutas, sem paixões, livre de abrolhos.A meu pesar, louco de ver-te, louco,
As lágrimas me correm pouco a pouco,
Como o champanhe virginal dos olhos…
Musa Impassível I
Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de um Jó, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idílico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.Dá-me o hemistíquio d’ouro, a imagem atrativa;
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d’alma; a estrofe limpa e viva;Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos.
Retorno Inútil
Voltaste – e nos teus olhos novamente havia
aquela úmida luz que eu reconheço bem…
quiseste reavivar talvez minha agonia
e falaste em perdão… e choraste também…“Não voltes! que terás na volta o meu desdém!”
falei-te… Mas sorriste do que eu te dizia…
Confiaste em meu amor e voltaste!: Pois bem
Já não há mais amor: – há indiferença fria…Inútil, tua volta. O meu Ser já não sente,
Retorna ao teu amor, aquele grande amor
de que um dia falavas orgulhosamente…Retorna! Porque em mim já nada encontrarás!
Depois da humilhação, depois de tanta dor,
Já não sou mais o mesmo… e nem te quero mais!
Quando Voltei Encontrei Os Meus Passos
Quando voltei encontrei os meus passos
Ainda frescos sobre a úmida areia.
A fugitiva hora, reevoquei-a,
– Tão rediviva! nos meus olhos baços…Olhos turvos de lágrimas contidas.
– Mesquinhos passos, porque doidejastes
Assim transviados, e depois tornastes
Ao ponto das primeiras despedidas?Onde fostes sem tino, ao vento vário,
Em redor, como as aves num aviário,
Até que a asita fofa lhes faleça…Toda essa extensa pista – para quê?
Se há de vir apagar-vos a maré,
Com as do novo rasto que começa…
Fanatismo
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver.
Não és sequer razão do meu viver
Pois que tu és já toda a minha vida!Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No mist’rioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!…“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!…”
Roseira Brava
Há nos teus olhos um tal fulgor
E no teu riso tanta claridade,
Que o lembrar-me de ti é ter saudade
Duma roseira brava toda em flor.Tuas mãos foram feitas para a dor,
Para os gestos de doçura e piedade;
E os teus beijos de sonho e de ansiedade
São como a alma a arder do próprio Amor!Nasci envolta em trajes de mendiga;
E, ao dares-me o teu amor de maravilha,
Deste-me o manto de oiro de rainha!Tua irmã…teu amor…e tua amiga…
E também, toda em flor, a tua filha,
Minha roseira brava que é só minha!…
Espectros
Espectros que velais, enquanto a custo
Adormeço um momento, e que inclinados
Sobre os meus sonos curtos e cansados
Me encheis as noites de agonia e susto!…De que me vale a mim ser puro e justo,
E entre combates sempre renovados
Disputar dia a dia à mão dos Fados
Uma parcela do saber augusto,Se a minh’alma há-de ver, sobre si fitos,
Sempre esses olhos trágicos, malditos!
Se até dormindo, com angústia imensa,Bem os sinto verter sobre o meu leito,
Uma a uma verter sobre o meu peito
As lágrimas geladas da descrença!
XLV
A cada instante, Amor, a cada instante
No duvidoso mar de meu cuidado
Sinto de novo um mal, e desmaiado
Entrego aos ventos a esperança errante.Por entre a sombra fúnebre, e distante
Rompe o vulto do alivio mal formado;
Ora mais claramente debuxado,
Ora mais frágil, ora mais constante.Corre o desejo ao vê-lo descoberto;
Logo aos olhos mais longe se afigura,
O que se imaginava muito perto.Faz-se parcial da dita a desventura;
Porque nem permanece o dano certo,
Nem a glória tão pouco está segura