Doce Abismo
Coração, coração! a suavidade,
Toda a doçura do teu nome santo
É como um cálix de falerno e pranto,
De sangue, de luar e de saudade.Como um beijo de mágoa e de ansiedade,
Como um terno crepĂşsculo d’encanto,
Como uma sombra de celeste manto,
Um soluço subindo a Eternidade.Como um sudário de Jesus magoado,
Lividamente morto, desolado,
Nas auréolas das flores da amargura.Coração, coração! onda chorosa,
Sinfonia gemente, dolorosa,
Acerba e melancólica doçura.
Sonetos sobre Ondas
88 resultadosTudo quanto Sonhei se Foi Perdido
O que sonhei e antes de vivido
Era perfeito e lĂşcido e divino,
Tudo quanto sonhei se foi perdido
Nas ondas caprichosas do destino.Que os fados em mim mesmo depuseram
Razões de ser e de não ser, contrárias,
Nas emoções que, dentro em mim, cresceram
Tumultuosas, carinhosas, várias.Naqueles seres que fui dentro de um ser,
Que viveram de mais para eu viver
A minha vida luminosa e calma,Se desdobraram gestos de menino
E rudes arremedos de assassino.
Foram almas de mais numa sĂł alma.
Espera…
NĂŁo me digas adeus, Ăł sombra amiga,
Abranda mais o ritmo dos teus passos;
Sente o perfume da paixĂŁo antiga,
Dos nossos bons e cândidos abraços!Sou a dona dos mĂsticos cansaços,
A fantástica e estranha rapariga
Que um dia ficou presa nos teus braços…
Não vás ainda embora, ó sombra amiga!Teu amor fez de mim um lago triste:
Quantas ondas a rir que nĂŁo lhe ouviste,
Quanta canção de ondinas lá no fundo!Espera… espera… Ăł minha sombra amada…
Vê que pra além de mim já não há nada
E nunca mais me encontras neste mundo!…
Prece A Anchieta
Santo: erguesses a cruz na selva escura;
HerĂłi: plantasses nossa velha aldeia;
Mestre: ensinasses a doutrina pura;
Poeta: escrevesses versos sobre a areia!Golpeia a cruz a foice inculta e dura;
Invade a vila multidĂŁo alheia;
Morre a voz santa entre a distância e a altura;
Apaga o poema a onda espumejante e cheia…Santo, herĂłi, mestre e poeta: — Pela glĂłria
que destes a esta Terra e a sua HistĂłria,
Pela dor que sofremos sempre nĂłs.Pelo bem que quisesses a este povo,
O novo Cristo deste Mundo Novo,
Padre José de Anchieta, orai por nós!
Exilada
Bela viajante dos paĂses frios
NĂŁo te seduzam nunca estes aspectos
Destas paisagens tropicais — secretos,
— Os teus receios devem ser sombrios.És branca e Ă©s loura e tens os amavios
Os incĂłgnitos filtros prediletos
Que podem produzir ondas de afetos
Nos mais sensĂveis corações doentios.Loura VisĂŁo, OfĂ©lia desmaiada,
Deixa esta febre de ouro, a febre ansiada
Que nos venenos deste sol consiste.Emigra destes cálidos paĂses,
Foge de amargas, fundas cicatrizes,
Das alucinações de um vinho triste…
A Nau
A Heitor Lima
Sôfrega, alçando o hirto esporão guerreiro,
Zarpa. A Ăngreme cordoalha Ăşmida fica. …
Lambe-lhe a quilha a espĂşmea onda impudica
E ébrios tritões, babando, haurem-lhe o cheiroNa glauca artéria equórea ou no estaleiro
Ergue a alta mastreação, que o éter indica,
E estende os braços de madeira rica
Para as populações do mundo inteiro!Aguarda-a ampla reentrância de angra horrenda
Pára e, a amarra agarrada à âncora, sonha!
Mágoas, se as tem, subjugue-as ou disfarce-as…E nĂŁo haver uma alma que lhe entenda
A angústia transoceânica medonha
No rangido de todas as enxárcias!
Flor Do Mar
És da origem do mar, vens do secreto,
Do estranho mar espumaroso e frio
Que põe rede de sonhos ao navio,
E o deixa balouçar, na vaga, inquieto.Possuis do mar o deslumbrante afeto,
As dormĂŞncias nervosas e o sombrio
E torvo aspecto aterrador, bravio
Das ondas no atro e proceloso aspecto.Num fundo ideal de pĂşrpuras e rosas
Surges das águas mucilaginosas
Como a lua entre a nĂ©voa dos espaços…Trazes na carne o eflorescer das vinhas,
Auroras, virgens musicas marinhas,
Acres aromas de algas e sargaços…
Soneto Da Ilha
Eu deitava na praia, a cabeça na areia
Abria as pernas aos alĂsios e ao luar
Tonto de maresia; e a mão da maré cheia
Vinha coçar meus pés com seus dedos de mar.Longos êxtases tinha; amava a Deus em ânsia
E a uma nudez qualquer ávida de abandono
Enquanto ao longe a clarineta da distância
Era tambĂŞm um mar que me molhava o sono.E adormecia assim, sonhando, vendo e ouvindo
Pulos de peixes, gritos frouxos, vozes rindo
E a lua virginal arder no plexoEstelar, e o marulho das ondas sucessivas
Da monção, até que alguma entre as mais vivas
Mansa, viesse desaguar pelo meu sexo.
Campesinas VI
As uvas pretas em- cachos
DĂŁo agora nas latadas…
Que lindo tom de alvoradas
Na vinha, junto aos riachos.Este ano arados e sachos
Deixaram terras lavradas,
Ă€ espera das inflamadas
Ondas do sol, como fachos.Veio o sol e fecundou-as,
Deu-lhes vigor, enseivou-as,
Tornou-as férteis de amor.Eis que as vinhas rebentaram
E as uvas amaduraram,
SanguĂneas, com sol na cor.
Evolução
Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo
tronco ou ramo na incĂłgnita floresta…
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquĂssimo inimigo…Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
O, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paĂşl, glauco pascigo…Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade…Interrogo o infinito e Ă s vezes choro…
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente Ă liberdade.
PresĂdio
Nem todo o corpo Ă© carne… NĂŁo, nem todo
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco…?E o ventre, inconsistente como o lodo?…
E o morno gradeamento dos teus braços?
NĂŁo, meu amor… Nem todo o corpo Ă© carne:
Ă© tambĂ©m água, terra, vento, fogo…É sobretudo sombra Ă despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memĂłria o fugidiovulto da Primavera em pleno Outono…
Nem sĂł de carne Ă© feito este presĂdio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!
Primeiras VigĂlias
Dos revoltos lençóis sobre o deserto
Despejava-se, em ondas silenciosas,
O luar dessas noites vaporosas,
De seu lânguido cálix todo aberto.Rangia a cama, e deslizavam, perto
Alvas, femĂneas formas ondulosas;
E eu a idear, nas ânsias amorosas,
Uns ombros nus, um colo descoberto.E a gemer: – “Abeirai-vos de meu leito,
Ó sensuais visões da adolescência,
E inflamai-vos na pira em que me inflamo!Fervem paixões despertas no meu peito;
Descai a flor virgĂnea da inocĂŞncia,
E irrompe o fruto dolorido… Eu amo!”
Canção do Mar Aberto
Onde puseram teus olhos
A mágoa do teu olhar?
Na curva larga dos montes
Ou na planura do mar?De dia vivi este anseio;
De noite vem o luar,
Deixa uma estrada de prata
Aberta para eu passar.Caminho por sobre as ondas
NĂŁo paro de caminhar.
O longe é sempre mais longe…
Ai de mim se me cansar!…Morre o meu sonho comigo,
Sem te poder encontrar
Mater Dolorosa
Quando se fez ao largo a nave escura,
na praia essa mulher ficou chorando,
no doloroso aspecto figurando
a lacrimosa estátua da amargura.Dos céus a curva era tranquila e pura;
Das gementes alcĂones o bando
Via-se ao longe, em cĂrculos, voando
Dos mares sobre a cérula planura.Nas ondas se atufara o Sol radioso,
E Lua sucedera, astro mavioso,
De alvor banhando os alcantis das fragas…E aquela pobre mĂŁe, nĂŁo dando conta
Que o sol morrera, e que o luar desponta,
A vista embebe na amplidĂŁo das vagas…
Quis Deixar-me a que Eu Adoro
Apartava-se Nise de Montano,
Em cuja alma, partindo-se, ficava,
Que o pastor na memĂłria a debuxava,
Por poder sustentar-se deste engano.Por Ĺ©a praia do ĂŤndico Oceano
Sobre o curvo cajado se encostava,
E os olhos pelas águas alongava,
Que pouco se doĂam de seu dano.Pois com tamanha mágoa e saudade,
(Dizia) quis deixar-me a que eu adoro,
Por testemunhas tomo céu e estrelas.Mas se em vós, ondas, mora piedade,
Levai também as lágrimas que choro,
Pois assim me levais a causa delas.
O Que Tu És…
És Aquela que tudo te entristece
Irrita e amargura, tudo humilha;
Aquela a quem a Mágoa chamou filha;
A que aos homens e a Deus nada merece.Aquela que o sol claro entenebrece
A que nem sabe a estrada que ora trilha,
Que nem um lindo amor de maravilha
Sequer deslumbra, e ilumina e aquece!Mar-Morto sem marés nem ondas largas,
A rastejar no chĂŁo como as mendigas,
Todo feito de lágrimas amargas!És ano que nĂŁo teve Primavera…
Ah! NĂŁo seres como as outras raparigas
Ă“ Princesa Encantada da Quimera!…
A FĂşria Mais Fatal e Mais Medonha
Das FĂşrias infernais foi sempre a Inveja
No mundo a mais fatal e a mais medonha,
Pois faz dos bens dos outros a peçonha
Com que a si mesma se envenena e peja.Com ira e com furor, raivosa, arqueja,
Com vinganças, traições, com ódios sonha.
Onde quer que se encoste e os olhos ponha,
Tragar as ditas dos mortais deseja.MĂŁe dos males fatais Ă Sociedade,
Vidas, honras destrĂłi, cismas fomenta,
Nutrindo n’alma as serpes da Maldade.O prĂłprio coração que come a alenta,
Vive afogada em ondas de ansiedade,
Da frenética raiva se alimenta.
A Noite
A nebulosidade ameaçadora
Tolda o Ă©ter, mancha a gleba, agride os rios
E urde amplas teias de carvões sombrios
No ar que álacre e radiante, há instantes, fora.A água transubstancia-se. A onda estoura
Na negridĂŁo do oceano e entre os navios
Troa bárbara zoada de ais bravios,
Extraordinariamente atordoadora.A custĂłdia do anĂmico registro
A planetária escuridĂŁo se anexa…
Somente, iguais a espiões que acordam cedo,Ficam brilhando com fulgor sinistro
Dentro da treva omnĂmoda e complexa
Os olhos fundos dos que estĂŁo com medo!
Soneto X
Quais no soberbo mar Ă nao, que cansa
Lidando c’os assaltos da onda e vento,
Os Ebálios irmãos do Etéreo assento
Lhe confirmam do porto a esperança,Tal vossa vista ao tempo, que se alcança
Desta, que nĂŁo tem mor contentamento,
No mar de meu cuidado e meu tormento
Mil esperanças cria de bonança.Comparação, conforme a causa, ufana,
Pois quando um me aparece, outro se esconde,
Como no Céu faz ua, e outra estrela.Iguais também no Amor, que em vós responde
Também no desamor da Irmã Troiana,
Que ambos vos conjurais em Ăłdio dela.
Os PorquĂŞs do Amor
CĂ©u, porque tĂŁo convulso e consternado
Me bate, ao Vê-la, o coração no peito?
Porque pasma entre os beiços congelado,
Indo a falar-lhe, o tĂmido conceito?Porque nas áureas ondas engolfado
Da caudalosa trança, inda que afeito,
Me naufraga o juĂzo embelezado,
E em ternura suavĂssima desfeito?Porque a luz dos seus olhos, tĂŁo activa,
Por lânguida inda mais encantadora,
Me cega, e por a ver, ansioso, clamo?Porque da mĂŁo nevada sai tĂŁo viva
Chama, que me electriza e me devora?
Os mesmos meus porquĂŞs me dizem: – Amo!