O Mar Da Minha Aldeia É Doce E Calmo
O mar da minha aldeia Ă© doce e calmo
mas se alimenta no sal dos meus olhos.
NĂŁo Ă© azul e reza em negro salmo
quando essas águas tragam o fumo eólioAs almas que o conhecem palmo a palmo
sabem do escasso peixe em seu espĂłlio
Ah, várzeas alagadas! Onda e espasmo
nessas barrigas d’águas-promontóriosCrianças se alimentam dessa argila
em cuias com chibé de mandioca
farinha de um maná que a fé ventilaDo barro vem barroca que se espoca
na lama de uma origem que destila
febres palustres, fome que se estoca
Sonetos sobre Ondas
88 resultadosMĂşsica Da Morte
A musica da Morte, a nebulosa,
Estranha, imensa musica sombria,
Passa a tremer pela minh’alma e fria
Gela, fica a tremer, maravilhosa…Onda nervosa e atroz, onda nervosa,
Letes sinistro e torvo da agonia,
Recresce a lancinante sinfonia,
Sobe, numa volĂşpia dolorosa…Sobe, recresce, tumultuando e amarga,
Tremenda, absurda, imponderada e larga,
De pavores e trevas alucina…E alucinando e em trevas delirando,
Como um Ópio letal, vertiginando,
Os meus nervos, letárgica, fascina…
Mendiga
Na vida nada tenho e nada sou;
Eu ando a mendigar pelas estradas…
No silĂŞncio das noites estreladas
Caminho, sem saber para onde vou!Tinha o manto do sol… quem mo roubou?!
Quem pisou minhas rosas desfolhadas?!
Quem foi que sobre as ondas revoltadas
A minha taça de oiro espedaçou?!Agora vou andando e mendigando,
Sem que um olhar dos mundos infinitos
Veja passar o verme, rastejando…Ah, quem me dera ser como os chacais
Uivando os brados, rouquejando os gritos
Na solidĂŁo dos ermos matagais!…
Soneto do amor difĂcil
A praia abandonada recomeça
logo que o mar se vai, a desejá-lo:
Ă© como o nosso amor, somente embalo
enquanto nĂŁo Ă© mais que uma promessa…Mas se na praia a onda se espedaça,
há logo nostalgia duma flor
que ali devia estar para compor
a vaga em seu rumor de fim de raça.Bruscos e doloridos, refulgimos
no silĂŞncio de morte que nos tolhe,
como entre o mar e a praia um longo molhe
de sĂşbito surgido Ă flor dos limos.E deste amor difĂcil sĂł nasceu
desencanto na curva do teu céu.
Está Cheio De Ti Meu Coração
Está cheio de ti meu coração
como a noite de estrelas está cheia,
tĂŁo cheia, que ao se olhar para a amplidĂŁo
o olhar de luz se inunda e se incendeia…Está cheio de ti meu coração
como de ondas o mar que o dorso alteia,
como a praia que estende sobre o chĂŁo
milhões de grĂŁos do seu lençol de areia…Está cheio de ti meu coração,
como uma taça, erguida, transbordante,
num momento de amor e de emoção,– como o meu canto enquanto eu viva e eu cante
como o meu pensamento a todo instante
está cheio de ti meu coração!
Conto de Fadas
Eu trago-te nas mĂŁos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o unguento
Com que sarei a minha prĂłpria dor.Os meus gestos sĂŁo ondas de Sorrento…
Trago no nome as letras de uma flor…
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento…Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepĂşsculos da tarde,
O sol que Ă© d’oiro, a onda que palpita.Dou-te comigo o mundo que Deus fez!
– Eu sou Aquela de quem tens saudade,
A Princesa do conto: “Era uma vez…”
Soneto XXV
Do bravo mar onde Ă s voltas ando
Ora temendo as ondas, ora o vento,
Na esperança maior de salvamento,
A minha barca vai Ă costa dando.Pus os olhos na costa, imaginando
Achar remanso de pirigo isento,
Vendo, porém, frustrado o pensamento,
Louvo o mar já demais seguro e brando.Ai fementido amor, amor tirano,
Que onde minha esperança tinha posta
Me trouxeste a fazer naufrágio amargo.Porém ainda comigo foste humano,
Que mais quero perder-me dando Ă costa,
Que andar com mil temores em mar largo.
XLIX
Os olhos tendo posto, e o pensamento
No rumo, que demanda, mais distante;
As ondas bate o Grego Navegante,
Entregue o leme ao mar, a vela ao ventoEm vão se esforça o harmonioso acento
Da sereia, que habita o golfo errante;
Que resistindo o espĂrito constante,
Vence as lisonjas do enganoso intento.Se pois, ninfas gentis, rompe a Cupido
O arco, a flecha, o dardo, a chama acesa
De um peito entre os heróis esclarecido;Que vem buscar comigo a néscia empresa,
Se inda mais, do que Ulisses atrevido,
Sei vencer os encantos da beleza!
Vinho Negro
O vinho negro do imortal pecado
Envenenou nossas humanas veias
Como fascinações de atras sereias
E um inferno sinistro e perfumado.O sangue canta, o sol maravilhado
Do nosso corpo, em ondas fartas, cheias.
como que quer rasgar essas cadeias
Em que a carne o retém acorrentado.E o sangue chama o vinho negro e quente
Do pecado letal, impenitente,
O vinho negro do pecado inquieto.E tudo nesse vinho mais se apura,
Ganha outra graça, forma e formosura,
Grave beleza d’esplendor secreto.
Talvez o Vento Saiba
Talvez o vento saiba dos meus passos,
das sendas que os meus pés já não abordam,
das ondas cujas cristas nĂŁo transbordam
senão o sal que escorre dos meus braços.As sereias que ouvi não mais acordam
à cálida pressão dos meus abraços,
e o que a infância teceu entre sargaços
as agulhas do tempo já não bordam.Só vejo sobre a areia vagos traços
de tudo o que meus olhos mal recordam
e os dentes, por inúteis, não concordamsequer em mastigar como bagaços.
Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços.
O Céu, A Terra, O Vento Sossegado
O cĂ©u, a terra, o vento sossegado…
As ondas, que se estendem pela areia…
Os peixes, que no mar o sono enfreia…
O nocturno silĂŞncio repousado…O pescador AĂłnio, que, deitado
onde co vento a água se meneia,
chorando, o nome amado em vĂŁo nomeia,
que nĂŁo pode ser mais que nomeado:Ondas (dezia), antes que Amor me mate,
torna-me a minha Ninfa, que tĂŁo cedo
me fizestes à morte estar sujeita.Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.
Soneto VI
Qual naufragante mĂsero que cai
Da rota barca no soberbo pego,
E, lidando c’os braços sem sossego,
A cada onda receia que desmaie,Tal, sem ter já lugar onde se espraie
Neste mar de meu mal, cansado e cego
Ando, aqui desfaleço, ali me anego,
E a cada encontro seu [a] alma me sai.Em meio de mil barcas clamo, e brado:
“Me lancem por piedade um cabo forte!”,
Mas a ninguém magoa meu cuidado.Ah, não queirais que vida tal se corte
Que se vida me dais, ganhais dobrado,
Livrando muitas vidas de ua morte.
A Tua Voz de Primavera
Manto de seda azul, o céu reflete
Quanta alegria na minha alma vai!
Tenho os meus lábios úmidos: tomai
A flor e o mel que a vida nos promete!Sinfonia de luz meu corpo nĂŁo repete
O ritmo e a cor dum mesmo desejo… olhai!
Iguala o sol que sempre Ă s ondas cai,
Sem que a visĂŁo dos poentes se complete!Meus pequeninos seios cor-de-rosa,
Se os roça ou prende a tua mão nervosa,
TĂŞm a firmeza elástica dos gamos…Para os teus beijos, sensual, flori!
E amendoeira em flor, só ofereço os ramos,
SĂł me exalto e sou linda para ti!
Das Unnennbare
Oh quimera, que passas embalada
Na onda de meus sonhos dolorosos,
E roças co’os vestidos vaporosos
A minha fronte pálida e cansada!Leva-te o ar da noite sossegada…
Pergunto em vĂŁo, com olhos ansiosos,
Que nome Ă© que te dĂŁo os venturosos
No teu paĂs, misteriosa fada!Mas que destino o meu! e que luz baça
A d’esta aurora, igual Ă do sol posto,
Quando sĂł nuvem lĂvida esvoaça!Que nem a noite uma ilusĂŁo consinta!
Que sĂł de longe e em sonhos te presinta…
E nem em sonhos possa ver-te o rosto!
Conchita
Adeus aos filtros da mulher bonita;
A esse rosto espanhol, pulcro e moreno;
Ao pĂ© que no bolero… ao pĂ© pequeno;
PĂ© que, alĂgero e cĂ©lere, saltita…Lira do amor, que o amor nĂŁo mais excita,
A um silĂŞncio de morte eu te condeno;
Despede-te; e um adeus, no Ăşltimo treno,
Soluça às graças da gentil Conchita:A esses, que em ondas se levantam, seios
Do mais cheiroso jambo; a esses quebrados
Olhos meridionais de ardência cheios;A esses lábios, enfim, de nácar vivo,
Virgens dos lábios de outrem, mas corados
Pelos beijos de um sol quente e lascivo.
Arrependo-me de a Meter num Romance
O poema tem mais pressa que o romance,
Asa de fogo para te levar:
Assim, pois, se houver lama que te lance
Ao corpo quente algum, hei-de chorar.Deus fez o poeta por que nĂŁo descanse
No golfo do destino e amores no mar:
Vem um, de onda, cobri-la — e ela que dance!
Vem outro — e faz menção de me enfeitar.Os outros a conspurcam, mas é minha!
Chicoteá-la vou com a própria espinha,
Estreitam-me de amor seus braços mornos,Transformo seus gemidos em meus uivos
E torno anéis dos seus cabelos ruivos
Na raspa canelada dos meus cornos.
A AngĂşstia
Nada em ti me comove, Natureza, nem
Faustos das madrugadas, nem campos fecundos,
Nem pastorais do Sul, com o seu eco tĂŁo rubro,
A solene dolência dos poentes, além.Eu rio-me da Arte, do Homem, das canções,
Da poesia, dos templos e das espirais
Lançadas para o céu vazio plas catedrais.
Vejo com os mesmos olhos os maus e os bons.NĂŁo creio em Deus, abjuro e renego qualquer
Pensamento, e nem posso ouvir sequer falar
Dessa velha ironia a que chamam Amor.Já farta de existir, com medo de morrer,
Como um brigue perdido entre as ondas do mar,
A minha alma persegue um naufrágio maior.Tradução de Fernando Pinto do Amaral
Poz-te Deus Sobre a Fronte a MĂŁo Piedosa
Poz-te Deus sobre a fronte a mĂŁo piedosa:
O que fada o poeta e o soldado
Volveu a ti o olhar, de amor velado,
E disse-te: «vae, filha, sê formosa!»E tu, descendo na onda harmoniosa,
Pousaste n’este solo angustiado,
Estrela envolta n’um clarĂŁo sagrado,
Do teu limpido olhar na luz radiosa…Mas eu… posso eu acaso merecer-te?
Deu-te o Senhor, mulher! o que Ă© vedado,
Anjo! Deu-te o Senhor um mundo á parte.E a mim, a quem deu olhos para ver-te,
Sem poder mais… a mim o que me ha dado?
Voz, que te cante, e uma alma para amar-te!
Siderações
Para as Estrelas de cristais gelados
As ânsias e os desejos vão subindo,
Galgando azuis e siderais noivados
De nuvens brancas a amplidĂŁo vestindo…Num cortejo de cânticos alados
Os arcanjos, as cĂtaras ferindo,
Passam, das vestes nos troféus prateados,
As asas de ouro finamente abrindo…Dos etĂ©reos turĂbulos de neve
Claro incenso aromal, lĂmpido e leve,
Ondas nevoentas de Visões levanta…E as ânsias e os desejos infinitos
VĂŁo com os arcanjos formulando ritos
Da Eternidade que nos Astros canta…
As Ondas
Entre as trĂŞmulas mornas ardentias,
A noite no alto-mar anima as ondas.
Sobem das fundas Ăşmidas Golcondas,
Pérolas vivas, as nereidas frias:Entrelaçam-se, correm fugidias,
Voltam, cruzando-se; e, em lascivas rondas,
Vestem as formas alvas e redondas
De algas roxas e glaucas pedrarias.Coxas de vago Ă´nix, ventres polidos
De alabastro, quadris de argĂŞntea espuma,
Seios de dĂşbia opala ardem na treva;E bocas verdes, cheias de gemidos,
Que o fósforo incendeia e o âmbar perfuma,
Soluçam beijos vĂŁos que o vento leva…