Esquecimento
Mais tarde em tua vida, um dia, hás de tentar
revolver da memória este tempo de agora…
– Mas o mundo é uma praia, onde as ondas do mar
apagam quase sempre as lembranças de outrora…Hás de em vão, ao teu Deus, esse Dom suplicar
sem conseguires nunca o que a tua alma implora…
– É que a vida é uma fonte, a correr sem parar
e a seguir, sem voltar, por este mundo afora…Não se vive outra vez… O que chamas presente,
há de ser, amanhã, um romance apagado
que em vão procurarás reler, inutilmente…O tempo tudo vence… Tudo ele consome…
E se um dia, talvez, lembrares teu passado
não mais hás de sequer reconhecer meu nome!…
Sonetos sobre Ondas
88 resultadosEntre O Ser E As Coisas
Onda e amor, onde amor, ando indagando
ao largo vento e à rocha imperativa,
e a tudo me arremesso, nesse quando
amanhece frescor de coisa viva.As almas, não, as almas vão pairando,
e, esquecendo a lição que já se esquiva,
tornam amor humor, e vago e brando
o que é de natureza corrosiva.N´água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.E nem os elementos encantados
sabem do amor que os punge e que é, pungido,
uma fogueira a arder no dia findo
Quando Será?!
Quando será que tantas almas duras
Em tudo, já libertas, já lavadas
nas águas imortais, iluminadas
Do sol do Amor, hão de ficar bem puras?Quando será que as límpidas frescuras
Dos claros rios de ondas estreladas
Dos céus do Bem, hão de deixar clareadas
Almas vis, almas vãs, almas escuras?Quando será que toda a vasta Esfera,
Toda esta constelada e azul Quimera,
Todo este firmamento estranho e mudo,Tudo que nos abraça e nos esmaga,
quando será que uma resposta vaga,
Mas tremenda, hão de dar de tudo, tudo?!
A Vida Anterior
Longos anos vivi sob um pórtico alto
De gigantes pilares, nobres, dominadores,
Que a luz, vinda do mar, esmaltava de cores,
Tornando-o semelhante às grutas de basalto.Chegavam até mim os ecos da harmonia
Do orfeão colossal das ondas chamejantes,
Ligando a sua voz às tintas deslumbrantes
Da luz crepuscular que em meus olhos fugia.Em meio do esplendor do céu, do mar, dos lumes,
Foi-me dado gozar, voluptuosas calmas!
Escravos seminus, rescendendo perfumes,Minha fronte febril refrescavam com palmas,
E tinham por missão apenas descobrir
A misteriosa dor que eu andava a carpirTradução de Delfim Guimarães
A Água
Eu fui a sombra a converter-se em luz,
E fui a névoa a transformar-se em cor,
E fui o pranto a consagrar a dor,
Quando brilhei nos olhos de Jesus.E fui a nuvem a buscar a altura,
E recebi do Sol a cor da chama.
Caí na terra e converti-me em lama
Para a tornar melhor e menos dura!Fui pranto de perdão e de humildade…
E foi nuns olhos cheios de saudade
Que mais linda me fiz e desejei!…E fui rio… e fui mar… e onda… e espuma…
E, em sonho de Poetas, fui à bruma…
O vago… o indeciso… o que não sei….
Soneto XXXXI
Quando as cerúleas ondas no mar alto,
Co’ a branda viração quieto e manso,
Que empolando-se vão de lanço em lanço,
Prognosticam dos ventos bravo assalto,Os Delfins, com ligeiro e leve salto,
Buscam do melhor porto o mor descanso,
Passando a tempestade em seu remanso
Já livres de temor e sobressalto.O bravo mar, é este bravo mundo,
Os Delfins, todos nós que nele andamos,
As religiões, seguros mansos portos.Para eles deste mar nos acolhamos,
Antes que em seu abismo alto e profundo
Soçobrados fiquemos, despois mortos.
Camões IV
Um dia, junto à foz de brando e amigo
Rio de estranhas gentes habitado,
Pelos mares aspérrimos levado,
Salvaste o livro que viveu contigo.E esse que foi às ondas arrancado,
Já livre agora do mortal perigo,
Serve de arca imortal, de eterno abrigo,
Não só a ti, mas ao teu berço amado.Assim, um homem só, naquele dia,
Naquele escasso ponto do universo,
Língua, história, nação, armas, poesia,Salva das frias mãos do tempo adverso.
E tudo aquilo agora o desafia.
E tão sublime preço cabe em verso.
Vénus
I
À flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda…
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razão se perde!Pútrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.O seu esboço, na marinha turva…
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pés atrás, como voando…E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co’a salsugem.II
Singra o navio. Sob a água clara
Vê-se o fundo do mar, de areia fina…
_ Impecável figura peregrina,
A distância sem fim que nos separa!Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparência luminosa
Repousam, fundos, sob a água plana.E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrágios, perdições, destroços!
_ Ó fúlgida visão, linda mentira!Róseas unhinhas que a maré partira…
Dentinhos que o vaivém desengastara…