Sonetos sobre Orvalho de Cruz e Souza

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Ilusões Mortas

A Virgílio Várzea

Os meus amores vão-se mar em fora,
E vão-se mar em fora os meus amores,
A murchar, a murchar, como essas flores
Sem mais orvalho e a doce luz da aurora.

E os meus amores não virão agora,
Não baterão as asas multicores,
Como as aves mansas — dentre os esplendores
Do meu prazer, do meu prazer de outrora.

Tudo emigrou, rasgando a esfera branca
Das ilusões, — tudo em revoada franca
Partiu — deixando um bem-estar saudoso

No fundo ideal de toda a minha vida,
Qual numa taça a gota indefinida
De um bom licor antigo e saboroso.

Aspiração Suprema

Como os cegos e os nus pede um abrigo
A alma que vive a tiritar de frio.
Lembra um arbusto frágil e sombrio
Que necessita do bom sol amigo.

Tem ais de dor de trêmulo mendigo
Oscilante, sonâmbulo, erradio.
É como um tênue, cristalino fio
D’estrelas, como etéreo e louro trigo.

E a alma aspira o celestial orvalho,
Aspira o céu, o límpido agasalho,
sonha, deseja e anseia a luz do Oriente…

Tudo ela inflama de um estranho beijo.
E este Anseio, este Sonho, este Desejo
Enche as Esferas soluçantemente.

Inverno

Amanheceu – no topo da colina
Um céu de madrepérola se arqueia
Limpo, lavado, reluzindo – ondeia
O perfume da selva esmeraldina.

Uma luz virginal e cristalina,
Como de um rio a transbordante cheia,
Alaga as terras culturais e arreia
De pingos d’ouro os verdes da campina.

Um sol pagão, de um louro gema d’ovo,
Já tão antigo e quase sempre novo
Surge na frígida estação do inverno.

– Chilreiam muito em árvores frondosas
Pássaros – fulge o orvalho pelas rosas
Como o vigor no espírito moderno.

Irradiações

Às crianças

Qual da amplidão fantástica e serena
À luz vermelha e rútila da aurora
Cai, gota a gota, o orvalho que avigora
A imaculada e cândida açucena.

Como na cruz, da triste Madalena
Aos pés de Cristo, a lágrima sonora
Caia, rolou, qual bálsamo que irrora
A negra mágoa, a indefinida pena…

Caia por vós, esplêndidas crianças
Bando feliz de castas esperanças,
Sonhos da estrela no infinito imersas;

Caia por vós, as músicas formosas,
Como um dilúvio matinal de rosas,
Todo o luar benéfico dos versos!