Soneto VI
Ora alegre, ora triste, ou rindo, ou grave,
Ou queda, ou dando passos concertados
Ou tomeis com silĂŞncio altos cuidados,
Ora ouça vossa voz branda e suave;Ora abertos os olhos (onde a chave
Tem amor do que pode) ora cerrados,
Ou estĂŞm de asperezas descuidados,
Ora sua aspereza tudo agrave;Ou do crespo ouro que toda alma prende
Vossa cabeça rodeada seja,
Ou dele solto a luz estĂŞ invejosa:Agora assi, agora assi vos veja,
Igualmente a meus olhos sois fermosa,
Igualmente em meu peito o amor se acende!
Sonetos sobre Ouro
135 resultadosII
Leia a posteridade, ó pátrio Rio,
Em meus versos teu nome celebrado;
Por que vejas uma hora despertado
O sono vil do esquecimento frio:NĂŁo vĂŞs nas tuas margens o sombrio,
Fresco assento de um álamo copado;
NĂŁo vĂŞs ninfa cantar, pastar o gado
Na tarde clara do calmoso estio.Turvo banhando as pálidas areias
Nas porções do riquĂssimo tesouro
O vasto campo da ambição recreias.Que de seus raios o planeta louro
Enriquecendo o influxo em tuas veias,
Quanto em chamas fecunda, brota em ouro.
Musa ImpassĂvel I
Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de um JĂł, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idĂlico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.Dá-me o hemistĂquio d’ouro, a imagem atrativa;
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d’alma; a estrofe limpa e viva;Versos que lembrem, com seus bárbaros ruĂdos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos.
Soneto XXIIII
De ua esperança vã suspenso mouro,
Mas quando a fortes cabos mais me amarro,
Então vou através, então desgarro,
Como barca no Tejo, ou rio Douro.Ah’ quem fora um pastor que seu tesouro
Tem no leve cortiço e tosco tarro,
E de ledo e contente os pés de barro
Julga consigo por cabeça de ouro.Mas aquele que tem de ouro a cabeça
E pés que são de barro em cima sente,
Como não sintirá tanta desgraça.Viva ufano, porém viva contente:
Quebra o barro, por mais que se endureça,
O imortal ouro mil idades passa.
Hei-de Tomar-te
Lindo e subtil trançado, que ficaste
Em penhor do remédio que mereço,
Se só contigo, vendo-te, endoudeço,
Que fora co’os cabelos que apertaste?Aquelas tranças de ouro que ligaste,
Que os raios de sol têm em pouco preço,
Não sei se para engano do que peço,
Ou para me matar as desataste.Lindo trançado, em minhas mãos te vejo,
E por satisfação de minhas dores,
Como quem nĂŁo tem outra, hei-de tomar-te.E se nĂŁo for contente o meu desejo,
Dir-lhe-ei que, nesta regra dos amores,
Por o todo também se toma a parte.
Roseira Brava
Há nos teus olhos um tal fulgor
E no teu riso tanta claridade,
Que o lembrar-me de ti Ă© ter saudade
Duma roseira brava toda em flor.Tuas mĂŁos foram feitas para a dor,
Para os gestos de doçura e piedade;
E os teus beijos de sonho e de ansiedade
SĂŁo como a alma a arder do prĂłprio Amor!Nasci envolta em trajes de mendiga;
E, ao dares-me o teu amor de maravilha,
Deste-me o manto de oiro de rainha!Tua irmĂŁ…teu amor…e tua amiga…
E também, toda em flor, a tua filha,
Minha roseira brava que Ă© sĂł minha!…
O Meu Desejo
Vejo-te só a ti no azul dos céus,
Olhando a nuvem de oiro que flutua…
Ó minha perfeição que criou Deus
E que num dia lindo me fez sua!Nos vultos que diviso pela rua,
Que cruzam os seus passos com os meus…
Minha boca tem fome sĂł da tua!
Meus olhos tĂŞm sede sĂł dos teus!Sombra da tua sombra, doce e calma,
Sou a grande quimera da tua alma
E, sem viver, ando a viver contigo…Deixa-me andar assim no teu caminho
Por toda a vida, amor, devagarinho,
AtĂ© a Morte me levar consigo…
As Vozes Da Natureza
As vozes que nos vĂŞm da natureza
Traduzem sempre um mĂştuo sentimento.
Cantam as frondes pela voz do vento,
Pelo manancial canta a represa.Pelas estrelas canta o firmamento
Nas suas grandes noites de beleza.
Cada nota a outra nota vive presa,
É um pensamento de outro pensamento.Pelas folhas murmura a voz da estrada,
Pelos salgueiros canta a água parada
E o amigo sol, apenas se levanta,Jogando o manto de ouro ao céu deserto,
Chama as cigarras todas para perto,
Que Ă© na voz das cigarras que ele canta.
Olavo Bilac
Vim afinal para o solar dos astros,
De irradiações purĂssimas e belas,
Numa viagem de alterosos mastros,
Numa viagem de saudosas velas…Das alegrias nos febris enastros
Que as almas prendem para percebĂŞ-las,
Vim cantando e feliz, fugindo aos rastros
Da terra de onde vi e ouvi estrelas.E por aqui, nas lĂşcidas paisagens,
Vestido das mais fluĂdicas roupagens
Tecido de ouro, nos clarões imersos…Ando a gozar, entre laurĂ©is e palmas,
O que cantei na terra, junto Ă s almas,
Na eterna florescĂŞncia dos meus versos.
Mendiga
Na vida nada tenho e nada sou;
Eu ando a mendigar pelas estradas…
No silĂŞncio das noites estreladas
Caminho, sem saber para onde vou!Tinha o manto do sol… quem mo roubou?!
Quem pisou minhas rosas desfolhadas?!
Quem foi que sobre as ondas revoltadas
A minha taça de oiro espedaçou?!Agora vou andando e mendigando,
Sem que um olhar dos mundos infinitos
Veja passar o verme, rastejando…Ah, quem me dera ser como os chacais
Uivando os brados, rouquejando os gritos
Na solidĂŁo dos ermos matagais!…
Mocidade
Ah! esta mocidade! — Quem Ă© moço
Sente vibrar a febre enlouquecida
Das ilusões, da crença mais florida
Na muscular artĂ©ria de Colosso…Das incertezas nunca mede o poço…
Asas abertas — na amplidĂŁo da vida,
Páramo a dentro — de cabeça erguida,
VĂŞ do futuro o mais alegre esboço…Chega a velhice, a neve das idades
E quem foi moço, volve, com saudades,
Do azul passado, o fulgido compĂŞndio…Ai! esta mocidade palpitante,
Lembra um inseto de ouro, rutilante,
Em derredor das chamas de um incĂŞndio!
I
Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar iluminada
Entre as estrelas trĂŞmulas subia
Uma infinita e cintilante escada.E eu olhava-a de baixo, olhava-a… Em cada
Degrau, que o ouro mais lĂmpido vestia,
Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada,
Ressoante de sĂşplicas, feria…Tu, mĂŁe sagrada! vĂłs tambĂ©m, formosas
Ilusões! sonhos meus! Ăeis por ela
Como um bando de sombras vaporosas.E, Ăł meu amor! eu te buscava, quando
Vi que no alto surgias, calma e bela,
O olhar celeste para o meu baixando…
Supremo Anseio
Esta profunda e intérmina esperança
Na qual eu tenho o espĂrito seguro,
A tão profunda imensidade avança
Como é profunda a idéia do futuro.Abre-se em mim esse clarão, mais puro
Que o céu preclaro em matinal bonança:
Esse clarĂŁo, em que eu melhor fulguro,
Em que esta vida uma outra vida alcança.Sim! Inda espero que no fim da estrada
Desta existência de ilusões cravada
Eu veja sempre refulgir bem pertoEsse clarĂŁo esplendoroso e louro
Do amor de mĂŁe — que Ă© como um fruto de ouro,
Da alma de um filho no eternal deserto.
Conto de Fadas
Eu trago-te nas mĂŁos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o unguento
Com que sarei a minha prĂłpria dor.Os meus gestos sĂŁo ondas de Sorrento…
Trago no nome as letras de uma flor…
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento…Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepĂşsculos da tarde,
O sol que Ă© d’oiro, a onda que palpita.Dou-te comigo o mundo que Deus fez!
– Eu sou Aquela de quem tens saudade,
A Princesa do conto: “Era uma vez…”
Essa Que Eu Hei De Amar…
Essa que eu hei de amar perdidamente um dia
será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,
que eu pensarei que Ă© o sol que vem, pela janela,
trazer luz e calor a essa alma escura e fria.E quando ela passar, tudo o que eu nĂŁo sentia
da vida há de acordar no coração, que vela…
E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz… — Tudo isso eu me dizia,quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste…E falou-me de longe: “Eu passei a teu lado,
mas ias tĂŁo perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!”
VisĂŁo Da Morte
Olhos voltados para mim e abertos
Os braços brancos, os nervosos braços,
Vens d’espaços estranhos, dos espaços
Infinitos, intĂ©rminos, desertos…Do teu perfil os tĂmidos, incertos
Traços indefinidos, vagos traços
Deixam, da luz nos ouros e nos aços,
Outra luz de que os céus ficam cobertos.Deixam nos céus uma outra luz mortuária,
Uma outra luz de lĂvidos martĂrios,
De agonies, de mágoa funerária…E causas febre e horror, frio, delĂrios,
Ó Noiva do Sepulcro, solitária,
Branca e sinistra no clarĂŁo dos cĂrios!
FonĂłgrafo
Vai declamando um cĂ´mico defunto.
Uma platéia ri, perdidamente,
Do bom jarreta… E há um odor no ambiente.
A cripta e a pĂł, – do anacrĂ´nico assunto.Muda o registo, eis uma barcarola:
LĂrios, lĂrios, águas do rio, a lua…
Ante o Seu corpo o sonho meu flutua
Sobre um paul, – extática corola.Muda outra vez: gorjeios, estribilhos
Dum clarim de oiro – o cheiro de junquilhos,
VĂvido e agro! – tocando a alvorada…Cessou. E, amorosa, a alma das cornetas
Quebrou-se agora orvalhada e velada.
Primavera. ManhĂŁ. Que eflĂşvio de violetas!
O Avarento
No meio de seus cofres, desvelado,
Co’as tampas levantadas, rasas de ouro,
Cevando a vista está no metal louro
Dele o cioso Avarento namorado.Temendo que lhe venha a ser roubado,
Emprega alma e vida em seu tesouro,
Girando com os olhos, qual besouro,
Zumbindo sem cessar, afervorado.Fechado nele está, com sete portas,
Com temor de algum fero arrombamento
De astutas invenções, de ideias tortas.Não emprega em mais nada o pensamento.
Cega ambição de vãs riquezas mortas!
Quão infeliz não és, louco avarento!
Teus Olhos
Olhos do meu Amor! Infantes loiros
Que trazem os meus presos, endoidados!
Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:
Meus anéis, minhas rendas, meus brocados.Neles ficaram meus palácios moiros,
Meus carros de combate, destroçados,
Os meus diamantes, todos os meus oiros
Que trouxe d’AlĂ©m-Mundos ignorados!Olhos do meu Amor! Fontes… cisternas..
Enigmáticas campas medievais…
Jardins de Espanha… catedrais eternas…Berço vinde do cĂ©u Ă minha porta…
Ă“ meu leite de nĂşpcias irreais!…
Meu sumptuoso tĂşmulo de morta!…
As Minhas MĂŁos
As minhas mĂŁos magritas, afiladas,
Tão brancas como a água da nascente,
Lembram pálidas rosas entornadas
Dum regaço de Infanta do Oriente.Mãos de ninfa, de fada, de vidente,
Pobrezinhas em sedas enroladas,
Virgens mortas em luz amortalhadas
Pelas prĂłprias mĂŁos de oiro do sol-poente.Magras e brancas… Foram assim feitas…
MĂŁos de enjeitada porque tu me enjeitas…
TĂŁo doces que elas sĂŁo! TĂŁo a meu gosto!Pra que as quero eu – Deus! – Pra que as quero eu?!
Ó minhas mãos, aonde está o céu?
…Aonde estĂŁo as linhas do teu rosto?