Soneto De Agosto
Tu me levaste eu fui… Na treva, ousados
Amamos, vagamente surpreendidos
Pelo ardor com que estávamos unidos
Nós que andávamos sempre separados.Espantei-me, confesso-te, dos brados
Com que enchi teus patéticos ouvidos
E achei rude o calor dos teus gemidos
Eu que sempre os julgara desolados.Só assim arrancara a linha inútil
Da tua eterna túnica inconsútil…
E para a glória do teu ser mais francoQuisera que te vissem como eu via
Depois, à luz da lâmpada macia
O púbis negro sobre o corpo branco.
Sonetos sobre Ouvidos
35 resultadosTimidez
Eu sei que é sempre assim, – longe dela imagino
mil versos que não fiz mas que ainda hei de compor,
perto dela, – meu Deus!… lembro mais um menino
que esquecesse a lição diante do professor…Penso, que a minha voz terá sons de violino
enchendo os seus ouvidos de canções de amor,
– e hei de deixá-la tonta ao vinho doce e fino
dos meus beijos, no instante em que minha ela for…Ao seu lado, no entanto, encabulado, emudeço,
e se os seus lábios frios, trêmulos, se calam,
eu, de tudo, das cousas, de mim mesmo, esqueço…E ficamos assim, ela em silêncio… eu, mudo…
Mas meus olhos, nem sei… ah! Quantas cousas falam!
e seus olhos, seus olhos!… dizem tudo, tudo!
Vaso Grego
Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.Era o poeta de Teos que o suspendia
Então, e, ora repleta ora esvasada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.Depois… Mas, o lavor da taça admira,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.
Infante
Dá-me o sol a minha fronte. Doloridos
e chagados meus pés descalços vão fugindo…
– Memórias dos meus doidos passos incontidos!
– Ó meu rumor do mundo em pétalas abrindo!Ó corças que correis pela tarde desferindo
o balido ligeiro que alonga os ouvidos…
– Tarde de écloga e mel silvestre reluzindo…
– Minhas vinhas de vinhos de oiro não bebidos…Desfolham-se ilusões e vão-se sem apegos…
Murchou a flor dos meus desejos com que pude
a vida transformar em ócios e sossegos…Que lucrei, eu, Senhor! com horas execráveis
dum sonho que perdeu meu corpo de virtude?
– o pródigo que fui dos erros inefáveis!
Perfeição
Vejo a Perfeição em sonhos ardentes,
Beleza divina aos sentidos ligada,
Cantando ao ouvido em voz olvidada
Que do peito irrompe em raios candentesQue não posso prender. Seu cabelo vem
P’lo peito inocente onde, confundidos,
O ideal e o real são tecidos
E algo de alegre que ao céu fica bem.Então chega o dia e tudo passou;
A mim regresso em dorido sentir,
Qual marinheiro que o naufrágio acordouDo sonho de um campo em dia luminoso:
Ergue a cabeça e estremece ao ouvir
O rumor da descida ao abismo penoso.
Vingança
“Vingança…”
II
Quero sentir-te nos meus braços presa
e dizer bem baixinho ao teu ouvido,
um segredo de amor terno e sentido
que guardo no meu peito com avareza…Quero ter afinal plena certeza
deste amor que na vida me tem sido:
o meu sonho mais lindo e mais querido,
a luz de uma esperança, sempre acesa…Nesta rosa que tens, viva e vermelha
esmigalhada em tua boca – a abelha
do meu beijo algum dia hei de pousar…Quero unir minha vida à tua vida,
sentir que és minha só, ter-te possuída,
para então, só depois, te abandonar!…
Anda-Me A Alma
Anda-me a alma inteira de tal sorte,
Meus gozos, meu pesar, nos dela unidos
Que os dela são também os meus sentidos,
Que o meu é também dela o mesmo norte.Unidos corpo a corpo — um elo forte
Nos prende eternamente — e nos ouvidos
Sentimos sons iguais. Vemos floridos
Os sons do porvir, em azul coorte…O mesmo diapasão musicaliza
Os seres de nos dois — um sol irisa
Os nossos corações — dá luz, constela…Anda esta vida, espiritualizada
Por este amor — anda-me assim — ligada
A minha sombra com a sombra dela.
Escravocratas
Oh! trânsfugas do bem que sob o manto régio
Manhosos, agachados — bem como um crocodilo,
Viveis sensualmente à luz dum privilégio
Na pose bestial dum cágado tranqüilo.Eu rio-me de vós e cravo-vos as setas
Ardentes do olhar — formando uma vergasta
Dos raios mil do sol, das iras dos poetas,
E vibro-vos a espinha — enquanto o grande bastaO basta gigantesco, imenso, extraordinário —
Da branca consciência — o rútilo sacrário
No tímpano do ouvido — audaz me não soar.Eu quero em rude verso altivo adamastórico,
Vermelho, colossal, d’estrépito, gongórico,
Castrar-vos como um touro — ouvindo-vos urrar!
És Música e a Música Ouves Triste?
És música e a música ouves triste?
Doçura atrai doçura e alegria:
porque amas o que a teu prazer resiste,
ou tens prazer só na melancolia?se a concórdia dos sons bem afinados,
por casados, ofende o teu ouvido,
são-te branda censura, em ti calcados,
porque de ti deviam ter nascido.Vê que uma corda a outra casa bem
e ambas se fazem mútuo ordenamento,
como marido e filho e feliz mãeque, todos num, cantam de encantamento:
É canção sem palavras, vária e em
uníssono: “só não serás ninguém”.
Um Pássaro a Morrer
Não é vida nem morte, é uma passagem,
nem antes nem depois: somente agora,
um minuto nos tantos duma hora.
Uma pausa. Um intervalo. Uma viragem.Prisioneira de mim, onde a coragem
de quebrar as algemas, ir-me embora,
se tudo o que em mim ria agora chora,
se já não me seduz outra viagem?E nada disto é céu nem é inferno.
Tristeza, só tristeza. Sol de Inverno,
sem uma flor a abrir na minha mão,sem um búzio a cantar ao meu ouvido.
Só tristeza, um silêncio desmedido
e um pássaro a morrer: meu coração.
Destino
Aquela voz era intranqüila. Trago-a
No ouvido ainda ininterruptamente:
Voz de alma que sofreu, voz de vivente,
Desoladora e trêmula de mágoa.Era o rio da Vida; a água paciente
Que, arrastando calhaus, de frágua em frágua
Ora beijava a sombra na corrente,
Ora abraçava o Sol com os braços de água.Deus te leve, água pura e fresca!… A treva
Não te interrompa a marcha transitória,
Porque o Destino ingrato que te levaPara o vale florido ou o amplo deserto,
É o mesmo que me arrasta o passo incerto
Para o despenhadeiro ou para a Glória.
Musa Impassível I
Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de um Jó, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idílico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.Dá-me o hemistíquio d’ouro, a imagem atrativa;
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d’alma; a estrofe limpa e viva;Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos.
XVIII
Aquela cinta azul, que o céu estende
A nossa mão esquerda, aquele grito,
Com que está toda a noite o corvo aflito
Dizendo um não sei quê, que não se entende;Levantar me de um sonho, quando atende
O meu ouvido um mísero conflito,
A tempo, que o voraz lobo maldito
A minha ovelha mais mimosa ofende;Encontrar a dormir tão preguiçoso
Melampo, o meu fiel, que na manada
Sempre desperto está, sempre ansioso;Ah! queira Deus, que minta a sorte irada:
Mas de tão triste agouro cuidadoso
Só me lembro de Nise, e de mais nada.
Velho Tema II
Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.Quero que meu amor se te apresente
– Não andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como é: risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece: eu te amo, o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do te beijo.
Indo O Triste Pastor Todo Embebido
Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saído:-A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras não acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?Oh! bela Ninfa, porque não respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vês, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.
Descrição Da Cidade De Sergipe D’el-Rei
Três dúzias de casebres remendados,
Seis becos, de mentrastos entupidos,
Quinze soldados, rotos e despidos,
Doze porcos na praça bem criados.Dois conventos, seis frades, três letrados,
Um juiz, com bigodes, sem ouvidos,
Três presos de piolhos carcomidos,
Por comer dois meirinhos esfaimados.As damas com sapatos de baeta,
Palmilha de tamanca como frade,
Saia de chita, cinta de raqueta.O feijão, que só faz ventosidade
Farinha de pipoca, pão que greta,
De Sergipe d’El-Rei esta é a cidade.
Camões III
Quando, torcendo a chave misteriosa
Que os cancelos fechava do Oriente,
O Gama abriu a nova terra ardente
Aos olhos da companha valorosa,Talvez uma visão resplandecente
Lhe amostrou no futuro a sonorosa
Tuba. que cantaria a ação famosa
Aos ouvidos da própria e estranha gente.E disse: “Se já noutra, antiga idade,
Tróia bastou aos homens, ora quero
Mostrar que é mais humana a humanidade.Pois não serás herói de um canto fero,
Mas vencerás o tempo e a imensidade
Na voz de outro moderno e brando Homero”.
Soneto V
Eu cantarei de amor tão novamente,
Se me ouve aquela de quem sempre canto,
Que de mim dor e magoa, e dela espanto
Terá a mais fera, inculta e dura gente.E ela que assi tão crua e indinamente
Dura aos meus choros é, surda ao meu canto,
Algüa parte crerá (se não for tanto
Como eu desejo) do que esta alma sente.Mas como esperarei achar piedade
De mim nem em mim mesmo, se ela nega
(Não peço brandos já) duros ouvidos?Se nega um volver de olhos com que cega
A luz e dá só escuro claridade,
Como serão meus danos nunca cridos?
Retrospecto
Vinte e seis anos, trinta amores: trinta
vezes a alma de sonhos fatigada.
e, ao fim de tudo, como ao fim de cada
amor, a alma de amor sempre faminta!Ó mocidade que foges! brada
aos meus ouvidos teu futuro, e pinta
aos meus olhos mortais, com toda a tinta,
os remorsos da vida dissipada!Derramo os olhos por mim mesmo… E, nesta
muda consulta ao coração cansado,
que é que vejo? que sinto? que me resta?Nada: ao fim do caminho percorrido,
o ódio de trinta vezes ter jurado
e o horror de trinta vezes ter mentido!
Que Vençais no Oriente tantos Reis
Que vençais no Oriente tantos Reis,
Que de novo nos deis da Índia o Estado,
Que escureçais a fama que hão ganhado
Aqueles que a ganharam de infiéis;Que vencidas tenhais da morte as leis,
E que vencêsseis tudo, enfim, armado,
Mais é vencer na Pátria, desarmado,
Os monstros e as Quimeras que venceis.Sobre vencerdes, pois, tanto inimigo,
E por armas fazer que sem segundo
No mundo o vosso nome ouvido seja;O que vos dá mais fama inda no mundo,
É vencerdes, Senhor, no Reino amigo,
Tantas ingratidões, tão grande inveja.