Sonetos sobre Ouvidos de Cláudio Manuel da Costa

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Sonetos de ouvidos de Cláudio Manuel da Costa. Leia este e outros sonetos de Cláudio Manuel da Costa em Poetris.

XVIII

Aquela cinta azul, que o céu estende
A nossa mĂŁo esquerda, aquele grito,
Com que está toda a noite o corvo aflito
Dizendo um nĂŁo sei quĂŞ, que nĂŁo se entende;

Levantar me de um sonho, quando atende
O meu ouvido um mĂ­sero conflito,
A tempo, que o voraz lobo maldito
A minha ovelha mais mimosa ofende;

Encontrar a dormir tão preguiçoso
Melampo, o meu fiel, que na manada
Sempre desperto está, sempre ansioso;

Ah! queira Deus, que minta a sorte irada:
Mas de tĂŁo triste agouro cuidadoso
SĂł me lembro de Nise, e de mais nada.

XXIX

Ai Nise amada! se este meu tormento,
Se estes meus sentidĂ­ssimos gemidos
Lá no teu peito, lá nos teus ouvidos
Achar pudessem brando acolhimento;

Como alegre em servir-te, como atento
Meus votos tributara agradecidos!
Por séculos de males bem sofridos
Trocara todo o meu contentamento.

Mas se na incontrastável, pedra dura
De teu rigor não há correspondência,
Para os doces afetos de ternura;

Cesse de meus suspiros a veemĂŞncia;
Que Ă© fazer mais soberba a formosura
Adorar o rigor da resistĂŞncia.

V

Se sou pobre pastor, se nĂŁo governo
Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes;
Se em frio, calma, e chuvas inclementes
Passo o verĂŁo, outono, estio, inverno;

Nem por isso trocara o abrigo terno
Desta choça, em que vivo, coas enchentes
Dessa grande fortuna: assaz presentes
Tenho as paixões desse tormento eterno.

Adorar as traições, amar o engano,
Ouvir dos lastimosos o gemido,
Passar aflito o dia, o mĂŞs, e o ano;

Seja embora prazer; que a meu ouvido
Soa melhor a voz do desengano,
Que da torpe lisonja o infame ruĂ­do.