Soneto XXXII
Quando a chuva cessava e um vento fino
franzia a tarde tímida e lavada,
eu saía a brincar, pela calçada,
nos meus tempos felizes de menino.Fazia, de papel, toda uma armada;
e, estendendo meu braço pequenino,
eu soltava os barquinhos, sem destino,
ao longo das sarjetas, na enxurrada…Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
que não são barcos de ouro os meus ideais:
são feitos de papel, são como aqueles,perfeitamente, exatamente iguais…
– Que os meus barquinhos, lá se foram eles!
Foram-se embora e não voltaram mais!
Sonetos
2370 resultadosAcrobata Da Dor
Gargalha, ri, num riso de tormenta,
Como um palhaço, que desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta…Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas d’aço…E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.
Cheiro De Espádua
“Quando a valsa acabou, veio à janela,
Sentou-se. O leque abriu. Sorria e arfava,
Eu, viração da noite, a essa hora entrava
E estaquei, vendo-a decotada e bela.Eram os ombros, era a espádua, aquela
Carne rosada um mimo! A arder na lava
De improvisa paixão, eu, que a beijava,
Hauri sequiosa toda a essência dela!Deixei-a, porque a vi mais tarde, oh! ciúme!
Sair velada da mantilha. A esteira
Sigo, até que a perdi, de seu perfume.E agora, que se foi, lembrando-a ainda,
Sinto que à luz do luar nas folhas, cheira
Este ar da noite àquela espádua linda!”
A Noite não me Deu nenhum Sossego
Como voltar feliz ao meu trabalho
se a noite não me deu nenhum sossego?
A noite, o dia, cartas dum baralho
sempre trocadas neste jogo cego.Eles dois, inimigos de mãos dadas,
me torturam, envolvem no seu cerco
de fadiga, de dúbias madrugadas:
e tu, quanto mais sofro mais te perco.Digo ao dia que brilhas para ele,
que desfazes as nuvens do seu rosto;
digo à noite sem estrelas que és o melna sua pele escura: o oiro, o gosto.
Mas dia a dia alonga-se a jornada
e cada noite a noite é mais fechada.Tradução de Carlos de Oliveira
Anima Mea
Estava a Morte ali, em pé, diante,
Sim, diante de mim, como serpente
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os pés do caminhante.Era de ver a fúnebre bachante!
Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo mundo errante?»— Não temas, respondeu (e uma ironia
Sinistramente estranha, atroz e calma,
Lhe torceu cruelmente a boca fria).Eu não busco o teu corpo… Era um troféu
Glorioso de mais… Busco a tua alma —
Respondi-lhe: «A minha alma já morreu!»
Soneto De Aniversário
Setembro me agasalha nos seus galhos
e de amor canto no seu verde ventre:
Eis a ventura vaga em danação,
bronze canonizado nas cigarras.O canto é breve, fino, e já anuncia
o inconfundível som do último acorde:
aquele dó de peito em nó estrídulo.
Como Bashô sonhara, é despedidaque mal se sabe, é morte anunciada,
canora liturgia sazonal.
Em setembro me mato e me renasçoem canto livre, rouco, sem ter palco,
representando de cor e salteado
o meu 13, que é fado e sortilégio.
Os Dias Conto, e cada Hora, e Momento
Os dias conto, e cada hora, e momento
qu’ alongando-me vou dos meus amores.
Nas árvores, nas pedras, ervas, flores,
parece que acho mágoa, e sentimento.As aves que no ar voam, o sol, e o vento,
montes, rios, e gados, e pastores,
as estradas, e os campos, mostram as dores
da minha saudade, e apartamento.E quanto m’era lá doce, e suave,
mais triste, e duro Amor cá mo apresenta,
a que entreguei da minha vida a chave.Em lágrimas força é qu’ as faces lave,
ou que não sinta a dor que na tormenta
memória da bonança faz mais grave.
Dialética
Quando não se queima lenha
na casa de palha e taipa,
sinal de fome que escapa
à saga que se faz senha.Rio, termômetro da várzea,
geografia de sol e chuva;
linha d’água, arco em curva,
elementos dessa faina.Um pássaro risca na tarde
a cambraia do seu canto;
o fado da sarça, que arde,queimando encardidos lírios
e a tua palidez palustre
em febre acendendo círios.
Estoicismo
(A Manoel Duarte de Almeida)
Tu que não crês, nem amas, nem esperas,
Espírito de eterna negação,
Teu hálito gelou-me o coração
E destroçou-me da alma as primaveras…Atravessando regiões austeras,
Cheias de noite e cava escuridão,
Como n’um sonho mau, só oiço um não,
Que eternamente ecoa entre as esferas…— Porque suspiras, porque te lamentas,
Cobarde coração? Debalde intentas
Opôr á Sorte a queixa do egoísmo…Deixa aos tímidos, deixa aos sonhadores
A esperança vã, seus vãos fulgores…
Sabe tu encarar sereno o abismo!
Rosa, E Anarda
Rosa da formosura, Anarda bela
igualmente se ostenta como a rosa;
Anarda mais que as flores é formosa,
mais formosa que as flores brilha aquela.A rosa com espinhos se desvela,
arma-se Anarda espinhos de impiedosa;
na fronte Anarda tem púrpura airosa,
a rosa é dos jardins purpúrea estrela.Brota o carmim da rosa doce alento,
respira olor de Anarda o carmim breve,
ambas dos olhos são contentamento:mas esta diferença Anarda teve:
que a rosa deve ao sol seu luzimento,
o sol seu luzimento a Anarda deve.
Diferente
Buscando o vão Ideal que me seduz,
Sem que o atinja me disperso e gasto,
E ansiosamente aos braços duma cruz
Ergo o perfil de iluminado e casto.Já tristemente desdenhoso afasto
O manto de burel dos ombros nus;
E a noite pisa a forma do meu rasto,
Se deixo atrás de mim passos de luz.Na minha tez suave e nazarena,
Transparecem vislumbres dessa pena
Que Deus pelos estranhos hà sentido…E frio e calmo, a divergir da Raça,
Mal poiso os lábios no cristal da taça
Por onde as outras almas têm bebido!
XXII
Neste álamo sombrio, aonde a escura
Noite produz a imagem do segredo;
Em que apenas distingue o próprio medo
Do feio assombro a hórrida figura;Aqui, onde não geme, nem murmura
Zéfiro brando em fúnebre arvoredo,
Sentado sabre o tosco de um penedo
Chorava Fido a sua desventura.As lágrimas a penha enternecida
Um rio fecundou, donde manava
D’ânsia mortal a cópia derretida:A natureza em ambos se mudava;
Abalava-se a penha comovida;
Fido, estátua da dor, se congelava.
Primavera
Passei a Primavera de meus anos
Com maternais desvelos amorosos.
Com meiguices, afagos carinhosos,
Com mimos de solícitos afanos.Desenfaixado dos primeiros panos,
Pus-me em pé, dei passinhos vagarosos,
Logo corridas, saltos brincalhosos,
Travessuras de meninais enganos.Nesta idade infantil da Primavera,
Com outros meus iguais brincões folgava.
Ah, quão gostoso, então, o tempo me era!Inocente brincar só me encantava:
Feliz, se aqui ficando eu conhecera
A força do prazer que desfrutava!
Visita
Adornou o meu quarto a flor do cardo,
Perfumei-o de almiscar recendente;
Vesti-me com a purpura fulgente,
Ensaiando meus cantos, como um bardo;Ungi as mãos e a face com o nardo
Crescido nos jardins do Oriente,
A receber com pompa, dignamente,
Mysteriosa visita a quem aguardo.Mas que filha de reis, que anjo ou que fada
Era essa que assim a mim descia,
Do meu casebre á humida pousada?…Nem princezas, nem fadas. Era, flor,
Era a tua lembrança que batia
Ás portas de ouro e luz do meu amor!
Triste Regresso
Uma vez um poeta, um tresloucado,
Apaixonou-se d’uma virgem bela;
Vivia alegre o vate apaixonado,
Louco vivia, enamorado dela.Mas a Pátria chamou-o. Era o soldado,
E tinha que deixar p’ra sempre aquela
Meiga visão, olímpica e singela!
E partiu, coração amargurado.Dos canhões ao ribombo e das metralhas,
Altivo lutador, venceu batalhas,
Juncou-lhe a fronte aurifulgente estrela,E voltou, mas a fronte aureolada,
Ao chegar, pendeu triste e desmaiada,
No sepulcro da loura virgem bela.
Trabalho E Luz I
Luz e trabalho, eis a divisa imensa
Da nova legião de um mundo novo.
Das águias do porvir fecunde-se o ovo
No vigor do trabalho unido à crença.D’árvore humanidade à luz intensa
Do livre ensino brota o são renovo
Rico de luz se nobilita o povo
Do trabalho na santa recompensa.Trabalham para a luz almas, que alentam
O brilho do trabalho. Os benefícios
Da luz da educação a Deus contentam.Trabalho e luz contra o furor dos vícios,
No trabalho e na luz que a paz sustentam,
Glória ao Liceu de Artes e de Ofícios.
Uma Amiga
Aqueles que eu amei, não sei que vento
Os dispersou no mundo, que os não vejo…
Estendo os bracos e nas trevas beijo
Visões que a noite evoca o sentimento…Outros me causam mais cruel tormento
Que a saudade dos mortos… que eu invejo…
Passam por mim… mas como que tem pejo
Da minha soledade e abatimento!Daquela primavera venturosa
Não resta uma flor so, uma so rosa…
Tudo o vento varreu, queimou o gelo!Tu so foste fiel – tu, como dantes,
Inda volves teus olhos radiantes…
Para ver o meu mal… e escarnece-lo!
XIV
Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata, civil correspondência,
Ou desconhece o rosto da violência,
Ou do retiro a paz não tem provado.Que bem é ver nos campos transladado
No gênio do pastor, o da inocência!
E que mal é no trato, e na aparência
Ver sempre o cortesão dissimulado!Ali respira amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Um só trata a mentira, outro a verdade.Ali não há fortuna, que soçobre;
Aqui quanto se observa, é variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!
Soneto Da Perdida Esperança
Perdi o bonde e a esperança
Volto pálido para casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora.Não sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
porque não? na noite escassacom um insolúvel flautim.
Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno.
José
Se coubessem mil coisas num só dia
E se ele não fosse um só, mas fosse mil
Pelos Faux mounnaieurs!!! Não haveria
Quem fizesse mais coisas no BrasilUm romance, um besigue, um pensamento
Um cigarro, um cachorro, uma piada
Outro Besigue, gide, namorada
Resultado final: – padecimento!O mundo muda e ele vai seguindo
Abafando os concursos que vêm vindo
Trabalhar! Trabalhar nunca foi bom…Antes ir os cinemas percorrendo
Namorando, sofrendo, andando e lendo
Colocado entre Deus e entre Mammon.