Sonetos

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Sonetos de autores conhecidos para ler e compartilhar. Os melhores sonetos estĂŁo em Poetris.

VolĂşvel do Homem Foi Sempre a Vontade

Sobre as asas do Tempo, que nĂŁo cansa,
Nossos gostos se vão, nossas paixões
Os projectos, sistemas e opiniões
Cos tempos que se mudam tem mudança.

Não pode haver no mundo segurança
Entre o vário montão de inclinações,
Pois sujeita a Vontade a mil baldões
No variável moto não descansa.

Nas nossas quatro Ă©pocas da idade
Temos mudanças mil: nossa fraqueza
Sujeita está, do Tempo, à variedade.

Na inconstância jamais houve firmeza:
VolĂşvel do homem foi sempre a vontade,
Por defeito comum da Natureza.

NĂŁo Pode Amor Por Mais Que As Falas Mude

NĂŁo pode Amor por mais que as falas mude
exprimir quanto pesa ou quanto mede.
Se acaso a comoção falar concede
Ă© tĂŁo mesquinho o tom que o desilude.

Busca no rosto a cor que mais o ajude,
magoado parecer aos olhos pede,
pois quando a fala a tudo o mais excede
nĂŁo pode ser Amor com tal virtude.

Também eu das palavras me arreceio,
também sofro do mal sem saber onde
busque a expressĂŁo maior do meu anseio.

E acaso perde, o Amor que a fala esconde,
em verdade, em beleza, em doce enleio?
Olha bem os meus olhos, e responde.

A Musa Venal

Musa do meu amor, Ăł principesca amante,
Quando o inverno chegar, com seus ventos irados
Pelos longos serões, de frio tiritante,
Com que hás-de acalentar os pésitos gelados?

Tencionas aquecer o colo deslumbrante
Com os raios de luz pelos vidros filtrados?
Tendo a casa vazia e a bolsa agonizante
o ouro vais roubar aos céus iluminados?

Precisas, para obter o triste pão diário,
Fazer de sacristão e de turibulário,
Entoar um Te-Deum, sem crença nem favor,

Ou, como um saltimbanco esfomeado, mostrar
As tuas perfeições, atravĂ©s d’um olhar
Onde ocultas, a rir, o natural pudor!

Tradução de Delfim Guimarães

Nostalgia

Nesse PaĂ­s de lenda, que me encanta,
Ficaram meus brocados, que despi,
E as jĂłias que p’las aias reparti
Como outras rosas de Rainha Santa!

Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta!
Foi por lá que as semeei e que as perdi…
Mostrem-me esse PaĂ­s onde eu nasci!
Mostrem-me o Reino de que eu sou Infanta!

O meu PaĂ­s de sonho e de ansiedade,
NĂŁo sei se esta quimera que me assombra,
É feita de mentira ou de verdade!

Quero voltar! NĂŁo sei por onde vim…
Ah! NĂŁo ser mais que a sombra duma sombra
Por entre tanta sombra igual a mim!

Esterilidade

Ao vĂŞ-la caminhar em trajos vaporosos,
Parece que desliza em voluptuosa dança,
Como aqueles répteis da Índia, majestosos,
Que um faquir faz mover em torno d’uma lança.

Como um vasto areal, ou como um céu ardente,
Como as vagas do mar em seu fragor insano,
— Assim ela caminha, a passo, indiferente,
InsensĂ­vel Ă  dor, ao sofrimento humano.

Seus olhos tĂŞem a luz dos cristais rebrilhantes,
E o seu todo estranho onde, a par, se lobriga
O anjo inviolado e a muda esfinge antiga,

Onde tudo Ă© fulgor, ouro, metais, diamantes
VĂŞ-se resplandecer a fria majestade
Da mulher infecunda — essa inutilidade!

Tradução de Delfim Guimarães

Vou de Suspiros Todo este Ar Enchendo

Vou de suspiros todo est’ ar enchendo,
vou a terra de lágrimas regando,
mais água aos rios, mais às fontes dando,
e com meu fogo em tudo fogo acendo.

E quando os olhos meus, senhora, estendo
para onde o Amor e vĂłs m’estais chamando,
as altas serras em qu’ os vou quebrando
da vista me tolher s’ estĂŁo doendo.

Mas nisto acode Amor, que sempre voa;
eu pelas asas, eu pelo arco o tenho,
té me levar consigo onde desejo.

E jurarei, senhora, que vos vejo,
jurarei qu’ essa doce voz me soa.
Nesta imaginação só me sostenho.

Lágrimas Da Aurora, Poemas Cristalinos

Lágrimas da aurora, poemas cristalinos
Que rebentais das cobras do mistério!
Aves azuis do manto auri-sidĂ©rio…
Raios de luz, fantásticos, divinos!…

Astros diáfanos, brandos, opalmos,
Brancas cecens do Paraíso etéreo,
Canto da tarde, límpido, aéreo,
Harpa ideal, dos encantados hinos!…

Brisas suaves, virações amenas,
LĂ­rios do vale, roseirais do lago,
Bandos errantes de sutis falenas!…

Vinde do arcano n’um potente afago
Louvar o Gênio das mansões serenas,
Esse ProdĂ­gio singular e mago!!…

Em CustĂłdia

Quatro prisões, quatro interrogatĂłrios…
Há três anos que as solas dos sapatos
Gasto, a correr de Herodes a Pilatos,
Como Cristo, por todos os pretĂłrios!

Pulgas, baratas, percevejos, ratos…
Caras sinistras de espiões notĂłrios…
Fedor de escarradeiras e micrĂłbios…
Catingas de secretas e mulatos…

Para tantas prisões é curta a vida!
– Ă“ Dutra! Ă“ Melo! Ă“ ValadĂŁo! Ă“ diabo!
Vinde salvar-me! Vinde em meu socorro!

Livrai-me desta fama imerecida,
Fama de Ravachol, que arrasto ao rabo,
Como uma lata ao rabo de um cachorro.

Quem diz que Amor Ă© falso ou enganoso

Quem diz que Amor Ă© falso ou enganoso,
Ligeiro, ingrato, vĂŁo desconhecido,
Sem falta lhe terá bem merecido
Que lhe seja cruel ou rigoroso.

Amor Ă© brando, Ă© doce, e Ă© piedoso.
Quem o contrário diz não seja crido;
Seja por cego e apaixonado tido,
E aos homens, e inda aos Deuses, odioso.

Se males faz Amor em mim se vĂŞem;
Em mim mostrando todo o seu rigor,
Ao mundo quis mostrar quanto podia.

Mas todas suas iras sĂŁo de Amor;
Todos os seus males sĂŁo um bem,
Que eu por todo outro bem nĂŁo trocaria.

Vinho

Do amor tu não dirás: provo, mas não me embriago,
que nĂŁo basta provar para sentir o amor.
É preciso sorvê-lo até o último trago
se a embriaguez é que dá seu profundo sabor.

Teu amor deve ter profundidade e cor
nĂŁo deve ser um sonho doentio e vago,
se assim for, entĂŁo sim, podes te dar por pago
que este é o preço da vida e todo o seu valor.

Transborda a tua taça, ergue-a nas mãos, e brinda
o momento feliz que viveste e nĂŁo finda,
que sĂł o amor que embriaga e que nos leva a extremos

pode glorificar os sentidos e a vida,
e vencendo a razĂŁo que nos tolhe e intimida,
nos faz reaver, de pronto, as horas que perdemos!

Fermosos Olhos Que Na Idade Nossa

Fermosos olhos que na idade nossa
mostrais do CĂ©u certissimos sinais,
se quereis conhecer quanto possais,
olhai me a mim, que sou feitura vossa.

Vereis que de viver me desapossa
aquele riso com que a vida dais;
vereis como de Amor nĂŁo quero mais,
por mais que o tempo corra e o dano possa.

E se dentro nest’alma ver quiserdes,
como num claro espelho, ali vereis
também a vossa, angélica e serena.

Mas eu cuido que sĂł por nĂŁo me verdes,
ver vos em mim, Senhora, nĂŁo quereis:
tanto gosto levais de minha pena!

Ilha

Eis-me completamente sĂł em plena vida,
sem uma amor sequer à vista, sem ninguém:
– a que um dia julguei eterna, a mais querida,
traĂ­-a, e me traiu… já nĂŁo lhe quero bem…

a outra, a que me chegou quase que despercebida
e acabou sendo tudo o que a paixão contém,
tal como me chegou partiu: sem despedida!
e eis-me só, na lembrança, a aguardá-la também.

Completamente sĂł, perdido em plena vida
como desabitada ilha, Ă­ngreme penha
fora de rota, a erguer-se entre vagas bravias.

Uma ilha em pleno mar, esperando esquecida
que algum náufrago amor ( algum dia) ainda venha
por milagre encontrar suas praias vazias..

Ă€ Revolta

A Cassiano CĂ©sar

O sĂ©culo Ă© de revolta — do alto transformismo,
De Darwin, de LittrĂ©, de Spencer, de Laffite —
Quem fala, quem dá leis é o rubro niilismo
Que traz como divisa a bala-dinamite!…

Se é força, se é preciso erguer-se um evangelho,
Mais reto, que instrua — estĂ©tico — mais novo
Esmaguem-se do trono os dogmas de um Velho
E lance-se outro sangue aos mĂşsculos do povo!…

O vício azinhavrado e os cérebros raquíticos,
É pô-los ao olhar dos sérios analíticos,
Na ampla, social e esplĂŞndida vitrine!…

Ă€ frente!… — Trabalhar a luz da idĂ©ia nova!…
— Pois bem! Seja a idĂ©ia, quem lance o vĂ­cio Ă  cova,
— Pois bem! — Seja a idĂ©ia, quem gere e quem fulmine!…

Felina Mulher

Eu quisera depois das lutas acabadas,
na paz dos vegetais adormecer um dia
e nunca mais volver da santa letargia,
meu corpo dando pasto Ă s plantas delicadas.

Seria belo ouvir nas moitas perfumadas,
enquanto a mesma seiva em mim também corria,
as sãs vegetações, em íntima harmonia,
aos troncos enlaçando as lívidas ossadas!

Ó beleza fatal que há tanto tempo gabo:
se eu volvesse depois feito em jasmins-do-cabo
– gentil metamorfose em que nesta hora penso –

tu, felina mulher, com garras de veludo,
havias de trazer meu espĂ­rito, contudo,
envolto muita vez nas dobras do teu lenço!

Regina Martyrum

LĂ­rio do CĂ©u, sagrada criatura,
Mãe das crianças e dos pecadores,
Alma divina como a luz e as flores
Das virgens castas a mais casta e pura;

Do Azul imenso, d’essa imensa altura
Para onde voam nossas grandes dores,
Desce os teus olhos cheios de fulgores
Sobre os meus olhos cheios de amargura!

Na dor sem termo pela negra estrada
Vou caminhando a sĂłs, desatinada,
– Ai! pobre cega sem amparo ou guia! –

SĂŞ tu a mĂŁo que me conduza ao porto…
Ă“ doce mĂŁe da luz e do conforto,
Ilumina o terror d’esta agonia!

Discreta E FormosĂ­ssima Maria

Discreta e formosĂ­ssima Maria,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora,
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos e boca, o Sol e o dia:

Enquanto com gentil descortesia,
O Ar, que fresco AdĂ´nis te namora,
Te espalha a rica trança brilhadora
Quando vem passear-te pela fria.

Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trata, a toda a ligeireza
E imprime em toda flor sua pisada.

Oh nĂŁo aguardes que a madura idade
te converta essa flor, essa beleza,
em terra, em cinza, em pĂł, em sombra, em nada.

Ă€ Instabilidade Das Cousas No Mundo.

Nasce o Sol, e nĂŁo dura mais que um dia,
Depois da luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contĂ­nuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a luz Ă©, por que nĂŁo dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol e na luz, falta a firmeza,
Na formosura não se crê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.

Adeus! Caro de Mais te PossuĂ­a

Adeus! caro de mais te possuĂ­a,
sabes a estimativa em que te trazem;
carta de teu valor dá-te franquia,
meus vínculos a ti já se desfazem.

Como reter-te sem consentimento
e onde mereço essa riqueza grada?
Falece a causa em mim de tal provento
e a patente que tenho Ă© revogada.

Deste-me, sem saber do teu valor,
ou quanto a mim, a quem o deste, errando,
e a dádiva que em base errada for

volta a casa, melhor se ponderando.
Tive-te assim qual sonho de embalar,
um rei no sono e nada ao acordar.

ProfissĂŁo De FĂ©

Meu verso quero enxuto mas sonoro
levando na cantiga essa alegria
colhida no compasso que decoro
com pés de vento soltos na harmonia.

Na dança das palavras me enamoro
prossigo passional na melodia
amante da metáfora em meus poros
já vou vagando em vasta arritmia .

No vĂ´o aliterado sigo o rumo
dos mares mais remotos navegados
e em faias de catraias me consumo.

É meu rito subscrito e bem firmado
sem o temor do velho e seu resumo
num eterno retorno renovado.

Se em NĂłs a SolidĂŁo Viver Sozinha

Se em nĂłs a solidĂŁo viver sozinha,
sem que nada em nĂłs prĂłprios a perturbe,
cada figura passará rainha
na antiguidade sĂşbita da urbe.

Um acento de pena irá na linha
vincar a eternidade de figura
a um rosto que quase sĂł caminha
para dentro de o vermos pela pura

substância em si que vive a solidão
dentro de nĂłs. E sendo nĂłs sĂł margem
do seu reino de ver por onde vĂŁo

as figuras passando na paisagem
de um antigo fulgor de coração
aonde passam desde sempre. E agem.