Sonetos

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Sonetos de autores conhecidos para ler e compartilhar. Os melhores sonetos estĂŁo em Poetris.

Luar

Pelas esferas, nuvens peregrinas,
Brandas de toques, encaracoladas,
Passam de longe, tĂ­midas, nevadas,
Cruzando o azul sereno das colinas.

Sombras da tarde, sombras vespertinas
Como escumilhas leves, delicadas,
Caem da serra oblonga nas quebradas,
VĂŁo penumbrando as coisas cristalinas.

Rasga o silĂŞncio a nota chĂŁ, plangente,
Da Ave-Maria, — e entĂŁo, nervosamente,
Nuns inefáveis, espontâneos jorros

Esbate o luar, de forma admirável,
Claro, bondoso, elétrico, saudável,
Na curvilĂ­nea compridĂŁo dos mortos.

Anjo No Nome, Angélica Na Cara

Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso Ă© ser flor, e Anjo juntamente,
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senĂŁo em vĂłs se uniformara?

Quem veria uma flor, que nĂŁo a cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tĂŁo luzente,
Que por seu Deus, o nĂŁo idolatra?

Se como Anjo sois dos meus altares,
FĂ´reis o meu custĂłdio, e minha guarda,
Livrara eu de diabĂłlicos azares.

Mas vejo, que tĂŁo bela, e tĂŁo galharda,
Posto que os Anjos nunca dĂŁo pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e nĂŁo me guarda.

VI

Em mim também, que descuidado vistes,
Encantado e aumentando o prĂłprio encanto,
Tereis notado que outras cousas canto
Muito diversas das que outrora ouvistes.

Mas amastes, sem dĂşvida … Portanto,
Meditai nas tristezas que sentistes:
Que eu, por mim, não conheço cousas tristes,
Que mais aflijam, que torturem tanto.

Quem ama inventa as penas em que vive;
E, em lugar de acalmar as penas, antes
Busca novo pesar com que as avive.

Pois sabei que Ă© por isso que assim ando:
Que Ă© dos loucos somente e dos amantes
Na maior alegria andar chorando.

Onde o Homem nĂŁo Chega

Onde o Homem nĂŁo chega tudo Ă© puro,
dessa pureza da primeira infância.
Tudo é medida, ritmo, concordância,
tudo Ă© claro e auroral: a noite, o escuro.

E nem o vendaval é dissonância
mas promessa de sol e de futuro.
Quem levantou esse primeiro Muro
que do perto fez longe, ergueu distância?

Foi o Homem, com suas mĂŁos de barro,
com suas mĂŁos perjuras, fel e sarro
de inĂştil sofrimento e vil prazer.

Não é tarde, porém: sacode a lama,
ergue o facho, levanta a Deus a chama
e recomeça: acabas de nascer.

SĂŁo Francisco E O Rouxinol

Um rouxinol cantava. Alegremente,
quis SĂŁo Francisco, no frutal sombrio,
acompanhar o pássaro contente,
e começa a cantar, ao desafio.

E cantavam os dois, junto Ă  corrente
do Arno sonoro, do lendário rio.
Mas SĂ o Francisco, exausto, finalmente,
parou, tendo cantado horas a fio.

E o rouxinol lá prosseguiu cantando,
redobrando as constantes cantilenas,
os trilados festivos redobrando.

E o santo assim reflete, satisfeito,
que feito foi para escutar, apenas,
e o rouxinol para cantar foi feito.

Cavador Do Infinito

Com a lâmpada do Sonho desce aflito
E sobe aos mundos mais imponderáveis,
Vai abafando as queixas implacáveis,
Da alma o profundo e soluçado grito.

Ă‚nsias, Desejos, tudo a fogo, escrito
Sente, em redor, nos astros inefáveis.
Cava nas fundas eras insondáveis
O cavador do trágico Infinito.

E quanto mais pelo Infinito cava
mais o Infinito se transforma em lava
E o cavador se perde nas distâncias…

Alto levanta a lâmpada do Sonho.
E como seu vulto pálido e tristonho
Cava os abismos das eternas ânsias!

Presença

SĂł saberei de ti pelos teus olhos,
que falam mais que a tua fala pouca.
Doce memĂłria (irei buscar-te sempre)
encilhada a essa Ă©gua dos minutos,

onde os ponteiros trotam meus desejos,
avivando a paisagem na lembrança
vinda de ti, e em mim reconstruĂ­da.
Essa presença, em passos e pegadas,

passeia no meu corpo, agora estrada,
caminho teu; submisso, eis meu segredo.
Que abrigar teus pés, possa, novamente,

o meu sereno peito fatigado.
Este que anseia teu corpo presente
olho no olho na véspera do gozo.

Doente

A lua veio… foi-se… e em breve ainda,
Há de voltar, a doce lua amada,
Sem que eu a veja, a minha fada linda,
Sem que eu a veja, a minha boa fada.

Ela há de vir, Ofélia desmaiada,
Sob as nuvens do céu na alvura infinda
Do seu branco roupĂŁo, noiva gelada,
Boiando Ă  flor de um rio que nĂŁo finda.

Ela há de vir, sem que eu a veja… Entanto,
Com que tristezas e saudoso encanto
Choro estas noites que passando vĂŁo…

Ă“ lua! mostra-me o teu rosto ameno:
Olha que murcha Ă  falta de sereno
O lírio roxo do meu coração!

A umas Lágrimas de uma Despedida

Quando de ambos os céus caindo estava
O rico orvalho, em pérolas formado,
E sobre as frescas rosas derramado,
Igual beleza recebia e dava.

Amor que sempre ali presente estava,
Como competidor de meu cuidado,
Num vaso de cristal de ouro lavrado
As gotas uma a uma entesourava.

Eu, c’os olhos na luz, que aquele dia,
Entre as nuvens do novo sentimento,
Escassamente os raios descobria,

Se me matar (dizia) apartamento,
Ao menos não fará que esta alegria
NĂŁo seja paga igual de meu tormento.

LĂ­ngua Portuguesa

Da avena dos pastores, da harmonia
Que o vento imprime Ă s palmas das palmeiras,
Do bramido do mar e das cachoeiras,
Da voz que impreca Ă  voz que balbucia;

Do sol que fala quando nasce o dia,
Do luar que enche de unção as cordilheiras,
Vem este claro idioma, que Ă© poesia
E alma das gentes luso-brasileiras.

Rumor de asas de abelha, um ruĂ­do apenas…
Doce afago de arminhos e de penas,
Perdão, queixume, lágrima, reclamo,

Ou grito estuante de alma incompreendida,
Do desgraçado: “Eu te condeno, Ăł vida!”
Do poeta que sofreu: “Ă“ vida, eu te amo!”

Essa Aritmética

Antes, eu era apenas metade
de um Ser, a pervagar sem rumo certo,
Ă  procura ideal dessa unidade
que Ă© como um novo mundo descoberto.

Enquanto sĂłs, que somos? Um deserto
a nos pesar com sua imensidade,
existir só começa, a céu aberto,
quando dois sĂŁo um sĂł – eis a verdade!

Eu vinha por aĂ­, aos solavancos,
como se diz: aos trancos e barrancos,
um pedaço a rolar, uma metade

de um Ser, mas quis a sorte, nos achamos,
e ao nos somarmos, nos multiplicamos
nessa aritmética da felicidade.

Soneto XXXIIII

Buscando ando ventura e nĂŁo dou nela,
A tudo sĂł por ela me aventuro,
Mas por mais que acho tudo, em vĂŁo procuro
Que sĂł de tudo, em tudo me falta ela.

Se para vê-la velo, também vela
E vai de mim fugindo pelo escuro,
Eu pelo escuro a sigo assaz seguro
Como quem a nĂŁo tem para perdĂŞ-la.

Mas ai, que digo, como não conheço
A ventura que sem ventura alcanço,
Que mor ventura que nĂŁo ter ventura.

Fora ventura então de pouco preço
E tempo, mas faltando a meu descanso,
Achei ventura em vĂłs, que sempre dura.

Fruto Envelhecido

Do coração no envelhecido fruto
É só desolação e é só tortura.
O frio soluçante da amargura
Envolve o coração num fundo luto.

O fantasma da Dor pérfido e astuto
Caminha junto a toda a criatura.
A alma por mais feliz e por mais pura
Tem de sofrer o esmagamento bruto.

É preciso humildade, é necessário
Fazer do coração branco sacrário
E a hĂłstia elevar do Sentimento eterno.

Em tudo derramar o amor profundo,
Derramar o perdĂŁo no caos do mundo,
Sorrir ao céu e bendizer o Inferno!

Soneto II – A Uma Inconstante

De uma ingrata em troféu despedaçado
Meu coração devora amor cruento,
Trocando em fero e bárbaro tormento
Quantos prazeres concedeu-me o fado.

No seio d’alma, já dilacerado,
Negras fúrias do báratro apascento!
Filtra-me o delirante pensamento
De zelos negro fel envenenado.

Desprezo, ingratidão, fria esquivança
Da cruel por quem morro, em tal procela
Apagaram-me a estrela da esperança.

E eu (ao confessá-lo a dor me gela)
Humilhado a seus pés, minha vingança
É carpir, delirar, morrer por ela.

Rio Abaixo

Treme o rio, a rolar, de vaga em vaga…
Quase noite. Ao sabor do curso lento
Da água, que as margens em redor alaga,
Seguimos. Curva os bambuais o vento.

Vivo, há pouco, de púrpura, sangrento,
Desmaia agora o Ocaso. A noite apaga
A derradeira luz do firmamento…
Rola o rio, a tremer, de vaga em vaga.

Um silĂŞncio tristĂ­ssimo por tudo
Se espalha. Mas a lua lentamente
Surge na fĂ­mbria do horizonte mudo:

E o seu reflexo pálido, embebido
Como um gládio de prata na corrente,
Rasga o seio do rio adormecido.

Cara Minha Inimiga

Cara minha inimiga, em cuja mĂŁo
PĂ´s meus contentamentos a ventura,
Faltou-te a ti na terra sepultura,
Por que me falte a mim consolação.

Eternamente as águas lograrão
A tua peregrina formosura:
Mas enquanto me a mim a vida dura,
Sempre viva em minha alma te acharĂŁo.

E, se meus rudos versos podem tanto,
Que possam prometer-te longa histĂłria
Daquele amor tĂŁo puro e verdadeiro,

Celebrada serás sempre em meu canto:
Porque, enquanto no mundo houver memĂłria,
Será a minha escritura o teu letreiro.

Às Cambalhotas Sempre Anda a Través

Às cambalhotas sempre anda a través
O Mundo, sem poder-se endireitar.
Velho, bĂŞbado e tonto, a cambalear,
Já não pode suster-se sobre os pés.

Tudo nele se vê hoje de invés
Pois seu eixo quebrou, anda a rolar
Não há homem que o possa consertar:
SĂł se for, do Arquitecto a mĂŁo que o fez.

Tornou-se num piĂŁo: qualquer rapaz
O faz dar quatro voltas c’um cordel
E na palma da mão dançar o faz.

O que hoje fez de grande o seu papel,
Amanhã representa de Gil Blás
Neste imenso teatro de Babel.

Ă€ Virgem SantĂ­ssima

Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia

N’um sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizĂ­vel ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza…

NĂŁo era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade…
Era outra luz, era outra suavidade,
Que atĂ© nem sei se as há na natureza…

Um mĂ­stico sofrer… uma ventura
Feita sĂł do perdĂŁo, sĂł da ternura
E da paz da nossa hora derradeira…

Ă“ visĂŁo, visĂŁo triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa…
E deixa-me sonhar a vida inteira!

Soneto De Vinicius Dedicado A Neruda

Quantos caminhos nĂŁo fizemos juntos
Neruda, meu irmĂŁo, meu companheiro…
Mas este encontro sĂşbito, entre muitos
NĂŁo foi ele o mais belo e verdadeiro?

Canto maior, canto menor – dois cantos
Fazem-se agora ouvir sob o cruzeiro
E em seu recesso as cĂłleras e os prantos
Do homem chileno e do homem brasileiro

E o seu amor – o amor que hoje encontramos…
Por isso, ao se tocarem nossos ramos
Celebro-te ainda além, cantor geral

Porque como eu, bicho pesado, voas
Mas mais alto e melhor do céu entoas
Teu furioso canto material!

Chorai, Ninfas, Os Fados Poderosos

Chorai, Ninfas, os fados poderosos
daquela soberana fermosura!
Onde foram parar na sepultura
aqueles reais olhos graciosos?

Ă“ bens do mundo, falsos e enganosos!
Que mágoas para ouvir! Que tal figura
jaza sem resplandor na terra dura,
com tal rosto e cabelos tĂŁo fermosos!

Das outras que será, pois poder teve
a morte sobre cousa tanto bela
que ela eclipsava a luz do claro dia?

Mas o mundo nĂŁo era dino dela,
por isso mais na terra nĂŁo esteve;
ao Céu subiu, que já *se* lhe devia.