Sonetos

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Sonetos de autores conhecidos para ler e compartilhar. Os melhores sonetos estĂŁo em Poetris.

PĂ©s

VI

LĂ­vidos, frios, de sinistro aspecto,
Como os pés de Jesus, rotos em chaga,
Inteiriçados, dentre a auréola vaga
Do mistério sagrado de um afeto.

Pés que o fluido magnético, secreto
Da morte maculou de estranha e maga
Sensação esquisita que propaga
Um frio n’alma, doloroso e inquieto…

PĂ©s que bocas febris e apaixonadas
Purificaram, quentes, inflamadas,
Com o beijo dos adeuses soluçantes.

Pés que já no caixão, enrijecidos,
Aterradoramente indefinidos
Geram fascinações dilacerantes!

Os Versos, que Cantei Importunado

Os versos, que cantei importunado
Da mocidade cega a quem seguia,
Queimei (como vergonha me pedia)
Chorando, por haver tĂŁo mal cantado.

Se nestes nĂŁo ficar tĂŁo desculpado
Quanto mais alto estilo merecia,
NĂŁo me podem negar a melhoria
Da mudança, que diz dum noutro estado.

Que vai que sejam bem ou mal aceitos?
Pois nĂŁo os escrevi para louvores
Humanos, pelo menos perigosos,

SenĂŁo para plantar em tenros peitos
Desejos de colher divinas flores
À força de suspiros saudosos.

Plena Nudez

Eu amo os gregos tipos de escultura:
Pagãs nuas no mármore entalhadas;
Não essas produções que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.

Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliĂŞncias destacadas…

NĂŁo quero, a VĂŞnus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevĂŞ-la
De transparente túnica através:

Quero vĂŞ-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus… toda nua, da cabeça aos pĂ©s!

Never More

A uma falsa amiga

I

NĂŁo te perdĂ´o, nĂŁo, meu tristes olhos
NĂŁo mais hei de fitar nos teus, sorrindo:
Jamais minh’alma sobre um mar de escolhos
Há de chamar por ti no anseio infindo.

Jamais, jamais, nos delicados folhos
Do coração como n’um ramo lindo,
Há de cantar teu nome entre os abrolhos
A ária gentil de meu sonhar já findo.

NĂŁo te perdĂ´o, nĂŁo! E em tardes claras,
Cheias de sonhos e delĂ­cias raras,
Quando eu passar Ă  hora do Sol posto:

NĂŁo rias para mim que sofro e penso,
Deixa-me sĂł neste deserto imenso…
Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!

Beethoven Surdo

Surdo, na universal indiferença, um dia,
Beethoven, levantando um desvairado apelo,
Sentiu a terra e o mar num mudo pesadelo.
E o seu mundo interior cantava e restrugia.

Torvo o gesto, perdido o olhar, hirto o cabelo,
Viu, sobre a orquestração que no seu crânio havia,
Os astros em torpor na imensidade fria,
O ar e os ventos sem voz, a natureza em gelo.

Era o nada, a eversĂŁo do caos no cataclismo,
A síncope do som no páramo profundo,
O silêncio, a algidez, o vácuo, o horror no abismo.

E Beethoven, no seu supremo desconforto,
Velho e pobre, caiu, como um deus moribundo,
Lançando a maldição sobre o universo morto!

As Vozes Da Natureza

As vozes que nos vĂŞm da natureza
Traduzem sempre um mĂştuo sentimento.
Cantam as frondes pela voz do vento,
Pelo manancial canta a represa.

Pelas estrelas canta o firmamento
Nas suas grandes noites de beleza.
Cada nota a outra nota vive presa,
É um pensamento de outro pensamento.

Pelas folhas murmura a voz da estrada,
Pelos salgueiros canta a água parada
E o amigo sol, apenas se levanta,

Jogando o manto de ouro ao céu deserto,
Chama as cigarras todas para perto,
Que Ă© na voz das cigarras que ele canta.

Ardor Em Firme Coração Nascido

Ardor em firme coração nascido;
Pranto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado;
Rio de neve em fogo convertido:

Tu, que um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado;
Quando fogo, em cristais aprisionado;
Quando cristal, em chamas derretido.

Se Ă©s fogo, como passas brandamente,
Se Ă©s neve, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!

Pois para temperar a tirania,
Como quis que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu parecesse a chama fria.

Paisagem Citadina

A pele por fulgurantes
instantes muitas vezes abre-se até onde
seria impensável que exercesse
com tĂŁo grande rigor o seu domĂ­nio.

Não temos então dela senão rápidas
visões, onde os reclames
do coração se cruzam, solitários
e agrestes, reflectidos

por trás nos ossos empedrados.
Em certas posições vêem-se as cordas
do nosso espírito esticadas num terraço.

A roupa dĂłi-nos porque, embora
nos cubra a pele, Ă© dentro
do espĂ­rito que estĂŁo os tecidos amarrados.

A Freira Morta

(Desterro)

Muda, espectral, entrando as arcarias
Da cripta onde ela jaz eternamente
No austero claustro silencioso — a gente
Desce com as impressões das cinzas frias…

Pelas negras abĂłbadas sombrias
Donde pende uma lâmpada fulgente,
Por entre a frouxa luz triste e dormente
Sobem do claustro as sacras sinfonias.

Uma paz de sepulcro apĂłs se estende…
E no luar da lâmpada que pende
Brilham clarões de amores condenados…

Como que vem do tĂşmulo da morta
Um gemido de dor que os ares corta,
Atravessando os mármores sagrados!

Se me Comovesse o Amor

Se me comovesse o amor como me comove
a morte dos que amei, eu viveria feliz. Observo
as figueiras, a sombra dos muros, o jasmineiro
em que ficou gravada a tua mĂŁo, e deixo o dia

caminhar por entre veredas, caminhos perto do rio.
Se me comovessem os teus passos entre os outros,
os que se perdem nas ruas, os que abandonam
a casa e seguem o seu destino, eu saberia reconhecer

o sinal que ninguém encontra, o medo que ninguém
comove. Vejo-te regressar do deserto, atravessar
os templos, iluminar as varandas, chegar tarde.

Por isso nĂŁo me procures, nĂŁo me encontres,
não me deixes, não me conheças. Dá-me apenas
o pĂŁo, a palavra, as coisas possĂ­veis. De longe.

MĂŁe Dolorosa

Vi-o doente, ouvi os seus gemidos;
Sinto a memoria negra, ao recordá-lo!
A MĂŁe baixava os olhos doloridos
Sobre o Filho. E era a Dôr a contemplá-lo!

Depois, nesses instantes esquecidos,
Ou lhe falava ou punha-se a beijá-lo…
Mas, retomando, subito, os sentidos,
Estremecia toda em grande abalo!

Fugia de ao pé dele suffocada,
A sua escura trança desgrenhada,
Os seus olhos abertos de terror!

E entĂŁo, num desespĂŞro, a MĂŁe chorava,
E, por entre gemidos, sĂł gritava:
AmĂ´r! amĂ´r! amĂ´r! amĂ´r! amĂ´r!

Quando O Sol Encoberto Vai Mostrando

Quando o Sol encoberto vai mostrando
ao mundo a luz quieta e duvidosa,
ao longo de ĂĽa praia deleitosa,
vou na minha inimiga imaginando.

Aqui a vi, os cabelos concertando;
ali, co a mĂŁo na face tĂŁo fermosa;
aqui, falando alegre, ali cuidosa;
agora estando queda, agora andando.

aqui esteve sentada, ali me viu,
erguendo aqueles olhos tĂŁo isentos;
aqui movida um pouco, ali segura;

qui se entristeceu, ali se riu;
enfim, nestes cansados pensamentos
passo esta vida vĂŁ, que sempre dura.

Mater Dolorosa

Quando se fez ao largo a nave escura,
na praia essa mulher ficou chorando,
no doloroso aspecto figurando
a lacrimosa estátua da amargura.

Dos céus a curva era tranquila e pura;
Das gementes alcĂ­ones o bando
Via-se ao longe, em cĂ­rculos, voando
Dos mares sobre a cérula planura.

Nas ondas se atufara o Sol radioso,
E Lua sucedera, astro mavioso,
De alvor banhando os alcantis das fragas…

E aquela pobre mĂŁe, nĂŁo dando conta
Que o sol morrera, e que o luar desponta,
A vista embebe na amplidĂŁo das vagas…

Anoitecer

A luz desmaia num fulgor d’aurora,
Diz-nos adeus religiosamente…
E eu, que nĂŁo creio em nada, sou mais crente
Do que em menina, um dia, o fui… outrora…

NĂŁo sei o que em mim ri, o que em mim chora
Tenho bĂŞnçãos d’amor pra toda a gente!
Como eu sou pequenina e tĂŁo dolente
No amargo infinito desta hora!

Horas tristes que sĂŁo o meu rosário…
Ă“ minha cruz de tĂŁo pesado lenho!
Meu áspero e intérmino Calvário!

E a esta hora tudo em mim revive:
Saudades de saudades que nĂŁo tenho…
Sonhos que sĂŁo os sonhos dos que eu tive…

A Morte

Oh! que doce tristeza e que ternura
No olhar ansioso, aflito dos que morrem…
De que âncoras profundas se socorrem
Os que penetram nessa noite escura!

Da vida aos frios véus da sepultura
Vagos momentos trĂŞmulos decorrem…
E dos olhos as lágrimas escorrem
Como farĂłis da humana Desventura.

Descem entĂŁo aos golfos congelados
Os que na terra vagam suspirando,
Com os velhos corações tantalizados.

Tudo negro e sinistro vai rolando
Báratro abaixo, aos ecos soluçados
Do vendaval da Morte ondeando, uivando…

Em Busca Da Beleza V

Braços cruzados, sem pensar nem crer,
Fiquemos pois sem mágoas nem desejos.
Deixemos beijos, pois o que sĂŁo beijos?
A vida Ă© sĂł o esperar morrer.

Longe da dor e longe do prazer,
Conheçamos no sono os benfazejos
Poderes Ăşnicos; sem urzes, brejos,
A sua estrada sabe apetecer.

C’roado de papoilas e trazendo
Artes porque com sono tira sonhos,
Venha Morfeu, que as almas envolvendo,

Faça a felicidade ao mundo vir
Num nada onde sentimo-nos risonhos
Só de sentirmos nada já sentir.

Soneto Ao Falso Fingidor

Há poeta que se ampara na velhice
como um cego que se apĂłia na bengala
tateando tristes trilhas da sandice
na claudicante fala que se entala.

Empalado nos versos da mesmice
seus poemas-burocratas cospem lágrimas
num chororô nostálgico em pieguice
Ă  procura de glĂłria em ante-salas.

Colhe, assim, as benesses oficiais,
prebendas, sinecuras, doutorados,
honorĂ­ficas causas e que tais.

Em vala rasa cala desolado
despindo-se do linho das vestais
para juntar-se ao sono de olvidados.

O Nosso Mundo

Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos
Como um divino vinho de Falerno!
Pousando em ti o meu olhar eterno
Como pousam as folhas sobre os lagos…

Os meus sonhos agora sĂŁo mais vagos…
O teu olhar em mim, hoje, Ă© mais terno…
E a Vida já não é o rubro inferno
Todo fantasmas tristes e pressagos!

A Vida, meu Amor, quero vivĂŞ-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas, hemos de bebĂŞ-la!

Que importa o mundo e as ilusões defuntas?…
Que importa o mundo e seus orgulhos vĂŁos?…
O mundo, Amor! … As nossas bocas juntas!…

Velho

Estás morto, estás velho, estás cansado!
Como um sulco de lágrimas pungidas,
Ei-las, as rugas, as indefinidas
Noites do ser vencido e fatigado.

Envolve-te o crepĂşsculo gelado
Onde vai soturno amortalhando as vidas
Ante o responso em mĂşsicas gemidas
No fundo coração dilacerado.

A cabeça pendida de fadiga,
Sentes a morte taciturna e amiga
Que os teus nervos cĂ­rculos governa.

Estás velho, estás morto! Ó dor, delírio,
Alma despedaçada de martírio,
Ó desespero da Desgraça eterna!

Carta ao Mar

Deixa escrever-te, verde mar antigo,
Largo Oceano, velho deus limoso,
Coração sempre lyrico, choroso,
E terno visionario, meu amigo!

Das bandas do poente lamentoso
Quando o vermelho sol vae ter comtigo,
– Nada Ă© mais grande, nobre e doloroso,
Do que tu, – vasto e humido jazigo!

Nada Ă© mais triste, tragico e profundo!
Ninguem te vence ou te venceu no mundo!…
Mas tambem, quem te poude consollar?!

Tu Ă©s Força, Arte, Amor, por excellencia! –
E, comtudo, ouve-o aqui, em confidencia;
– A Musica Ă© mais triste inda que o Mar!