Sonetos

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XXVIII

Faz a imaginação de um bem amado,
Que nele se transforme o peito amante;
Daqui vem, que a minha alma delirante
Se não distingue já do meu cuidado.

Nesta doce loucura arrebatado
Anarda cuido ver, bem que distante;
Mas ao passo, que a busco neste instante
Me vejo no meu mal desenganado.

Pois se Anarda em mim vive, e eu nela vivo,
E por força da idéia me converto
Na bela causa de meu fogo ativo;

Como nas tristes lágrimas, que verto,
Ao querer contrastar seu gênio esquivo,
Tão longe dela estou, e estou tão perto.

As Ondas

Entre as trêmulas mornas ardentias,
A noite no alto-mar anima as ondas.
Sobem das fundas úmidas Golcondas,
Pérolas vivas, as nereidas frias:

Entrelaçam-se, correm fugidias,
Voltam, cruzando-se; e, em lascivas rondas,
Vestem as formas alvas e redondas
De algas roxas e glaucas pedrarias.

Coxas de vago ônix, ventres polidos
De alabastro, quadris de argêntea espuma,
Seios de dúbia opala ardem na treva;

E bocas verdes, cheias de gemidos,
Que o fósforo incendeia e o âmbar perfuma,
Soluçam beijos vãos que o vento leva…

Não Lamentes, Oh Nise, O Teu Estado;

Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:

Dido foi puta, e puta dum soldado;
Cleópatra por puta alcança a c’roa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:

Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:

Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques, pois, oh Nise, duvidosa
Que isto de virgo e honra é tudo peta.

XIII

Nise ? Nise ? onde estás ? Aonde espera
Achar te uma alma, que por ti suspira,
Se quanto a vista se dilata, e gira,
Tanto mais de encontrar te desespera!

Ah se ao menos teu nome ouvir pudera
Entre esta aura suave, que respira!
Nise, cuido, que diz; mas é mentira.
Nise, cuidei que ouvia; e tal não era.

Grutas, troncos, penhascos da espessura,
Se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde,
Mostrai, mostrai me a sua formosura.

Nem ao menos o eco me responde!
Ah como é certa a minha desventura!
Nise ? Nise ? onde estás ? aonde ? aonde ?

Feliz!

Ser de beleza, de melamcolia,
Espírito de graça e de quebranto,
Deus te bendiga o doloroso pranto,
Enxugue as tuas lágrimas um dia.

Se a tu’alma é d’estrela e d’harmonia,
Se o que vem dela tem divino encanto,
Deus a proteja no sagrado manto,
No céu, que é o vale azul da Nostalgia.

Deus a proteja na felicidade
Do sonho, do mistério, da saudade,
De cânticos, de aroma e luz ardente.

E sê feliz e sê feliz subindo,
Subindo, a Perfeição na alma sentindo
Florir e alvorecer libertamente!

Ansiedade

Esta ansiedade que nos enche o peito
Enche o céu, enche o mar, fecunda a terra.
Ela os germens puríssimos encerra
Do Sentimento límpido, perfeito.

Em jorros cristalinos o direito,
A paz vencendo as convulsões da guerra,
A liberdade que abre as asas e erra
Pelos caminhos do Infinito eleito.

Tudo na mesma ansiedade gira,
Rola no Espaço, dentre a luz suspira
E chora, chora, amargamente chora…

Tudo nos turbilhões da Imensidade
Se confunde na trágica ansiedade
Que almas, estrelas, amplidões devora.

Noite De Chuva

Chuva…Que gotas grossas!…Vem ouvir:
Uma …duas…mais outra que desceu…
É Viviana, é Melusina, a rir,
São rosas brancas dum rosal do Céu…

Os lilases deixaram-se dormir…
Nem um frémito…a terra emudeceu…
Amor! Vem ver estrelas a cair:
Uma…duas…mais outra que desceu…

Fala baixo, juntinho ao meu ouvido,
Que essa fala de amor seja um gemido,
Um murmúrio, um soluço, um ai desfeito…

Ah! deixa à noite o seu encanto triste!
E a mim…o teu amor que mal existe,
Chuva a cair na noite do meu peito!

Aurora Morta, Foge! Eu Busco A Virgem Loura

Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura
Que fugiu-me do peito ao teu clarão de morte
E Ela era a minha estrela, o meu único Norte,
O grande Sol de afeto – o Sol que as almas doura!

Fugiu… e em si a Luz consoladora
Do amor – esse clarão eterno d’alma forte –
Astro da minha Paz, Sírius da minha Sorte
E da Noute da vida a Vênus Redentora.

Agora, oh! Minha Mágoa, agita as tuas asas,
Vem! Rasga deste peito as nebulosas gazas
E, num Pálio auroral de Luz deslumbradora,

Ascende à Claridade. Adeus oh! Dia escuro,
Dia do meu Passado! Irrompe, meu Futuro;
Aurora morta, foge – eu busco a virgem loura!

Soneto 529 Extra-Expresso

Mandou aquele abraço para o Rio.
De Sampa enalteceu a Freguesia.
Levou compasso e régua da Bahia.
Em Londres troca o Trópico por frio.

Com Jorge, Rita e Marley antevi-o.
Com Berry, Cliff ou Wonder bem veria.
Com ele fez escola a ecologia
e a escola fez o samba em que folio.

Veado ou pica-pau, ele os compacta;
metáfora, se abstrata, ele a concreta;
com síntese a internet ele retrata.

É ágil, presto, esperto, pois poeta;
agílimo, da raça expressa a nata;
agudo, mas dulcíssimo: ultra-esteta!

A Minha Mãe

Vermelho foi o teu cabelo, Mãe!
— sinal de já ser minha a liberdade.
E quanto embranqueceu! Mas haja alguém
que chame desistência ao que é Vontade,

ao que é brandir ao vento a felicidade
e defendê-la… que nem cor já tem.
Vermelho foi o teu cabelo, Mãe!
Não temas quanto venha: a luz que há-de

iluminar este combate justo,
se a mim me aniquilar, a todo o custo,
é que eu lhe dei qualquer verdade a mais.

Olha, ó minha Mãe! tanta bandeira!
Tanta justiça a mais! — E a vida inteira
só as aceita se ainda forem mais.

2A Sombra – Bárbara

Erguendo o cálix que o Xerez perfuma.
Loura a trança alastrando-lhe os joelhos,
Dentes níveos em lábios tão vermelhos,
Como boiando em purpurina escuma;

Um dorso de Valquíria… alvo de bruma,
Pequenos pés sob infantis artelhos,
Olhos vivos, tão vivos, como espelhos,
Mas como eles também sem chama alguma;

Garganta de um palor alabastrino,
Que harmonias e músicas respira…
No lábio – um beijo… no beijar – um hino;

Harpa eólia a esperar que o vento a fira,
– Um pedaço de mármore divino…
– É o retrato de Bárbara – a Hetaira.

Budismo Moderno

Tome, Dr., esta tesoura, e… corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!

Que Pode Já Fazer Minha Ventura

Que pode já fazer minha ventura
que seja para meu contentamento.,
Ou como fazer devo fundamento
de cousa que o não tem, nem é segura?

Que pena pode ser tão certa e dura
que possa ser maior que meu tormento?
Ou como receará meu pensamento
os males, se com eles mais se apura?

Como quem se costuma de pequeno
com peçonha criar por mão ciente,
da qual o uso já o tem seguro;

assi de acostumado co veneno,
o uso de sofrer meu mal presente
me faz não sentir já nada o futuro.

Este Livro

Este livro é de mágoas.Desgraçados os
Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente a vossa dor de Torturados
Pode, talvez, senti-lo…e compreendê-lo.

Este livro é para vós. Abençoados
Os que o sentirem, sem ser bom nem belo!
Bíblia de tristes…Ó Desventurados,
Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!

Livro de Mágoas…Dores…Ansiedades!
Livro de Sombras…Névoas e Saudades!
Vai pelo mundo…(Trouxe-o no meu seio…)

Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,
Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro só de mágoas cheio!…

Já Não Sinto, Senhora, Os Desenganas

Já não sinto, Senhora, os desenganas
com que minha afeição sempre tratastes,
nem ver o galardão que me negastes,
merecido por fé, há tantos anos.

A mágoa choro só, só choro os danos
de ver por quem, Senhora, me trocastes;
mas em tal caso vós só me vingastes
de vossa ingratidão, vossos enganos.

Dobrada glória dá qualquer vingança,
que o ofendido toma do culpado,
quando se satisfaz com cousa justa;

mas eu de vossos males e esquivança,
de que agora me vejo bem vingado,
não o quisera eu tanto à vossa custa.

Camões I

Tu quem és? Sou O século que passa.
Quem somos nós? A multidão fremente.
Que cantamos? A glória resplendente.
De quem? De quem mais soube a força e a graça.

Que cantou ele? A vossa mesma raça.
De que modo? Na lira alta e potente.
A quem amou? A sua forte gente.
Que lhe deram? Penúria, ermo, desgraça.

Nobremente sofreu? Como homem forte.
Esta imensa oblação?… É-lhe devida.
Paga?… Paga-lhe toda a adversa sorte.

Chama-se a isto? A glória apetecida.
Nós, que o cantamos?… Volvereis à morte.
Ele, que é morto?… Vive a eterna vida.

A Anto!

Poeta da saudade, ó meu poeta qu´rido
Que a morte arrebatou em seu sorrir fatal,
Ao escrever o Só pensaste enternecido
Que era o mais triste livro deste Portugal,

Pensaste nos que liam esse teu missal,
Tua bíblia de dor, teu chorar sentido
Temeste que esse altar pudesse fazer mal
Aos que comungam nele a soluçar contigo!

Ó Anto! Eu adoro os teus estranhos versos,
Soluços que eu uni e que senti dispersos
Por todo o livro triste! Achei teu coração…

Amo-te como não te quis nunca ninguém,
Como se eu fosse, ó Anto, a tua própria mãe
Beijando-te já frio no fundo do caixão!

Bem Sei, Amor, que é Certo o que Receio

Bem sei, Amor, que é certo o que receio;
Mas tu, porque com isso mais te apuras,
De manhoso, mo negas, e mo juras
Nesse teu arco de ouro; e eu te creio.

A mão tenho metida no meu seio,
E não vejo os meus danos às escuras;
Porém porfias tanto e me asseguras,
Que me digo que minto, e que me enleio.

Nem somente consinto neste engano,
Mas inda to agradeço, e a mim me nego
Tudo o que vejo e sinto de meu dano.

Oh poderoso mal a que me entrego!
Que no meio do justo desengano
Me possa inda cegar um moço cego?

Sempre o Futuro, Sempre! e o Presente

Sempre o futuro, sempre! e o presente
Nunca! Que seja esta hora em que se existe
De incerteza e de dor sempre a mais triste,
E só farte o desejo um bem ausente!

Ai! que importa o futuro, se inclemente
Essa hora, em que a esperança nos consiste,
Chega… é presente… e só á dor assiste?…
Assim, qual é a esperança que não mente?

Desventura ou delirio?… O que procuro,
Se me foge, é miragem enganosa,
Se me espera, peor, espectro impuro…

Assim a vida passa vagarosa:
O presente, a aspirar sempre ao futuro:
O futuro, uma sombra mentirosa.

Está O Lascivo E Doce Passarinho

Está o lascivo e doce passarinho
com o biquinho as penas ordenando;
o verso sem medida, alegre e brando,
espedindo no rústico raminho;

o cruel caçador (que do caminho
se vem calado e manso desviando)
na pronta vista a seta endireitando,
lhe dá no Estígio lago eterno ninho.

Dest’ arte o coração, que livre andava,
(posto que já de longe destinado)
onde menos temia, foi ferido.

Porque o Frecheiro cego me esperava,
para que me tomasse descuidado,
em vossos claros olhos escondido.