Magnólia Dos Trópicos
A Araújo Figueredo
Com as rosas e o luar, os sonhos e as neblinas,
Ó magnólia de luz, cotovia dos mares,
Formaram-te talvez os brancos nenúfares
Da tua carne ideal, de correções felinas.O teu colo pagão de virgens curvas finas
É o mais imaculado e flóreo dos altares,
Donde eu vejo elevar-se eternamente aos ares
Viáticos de amor e preces diamantinas.Abre, pois, para mim os teus braços de seda
E do verso através a límpida alameda
Onde há frescura e sombra e sol e murmurejo;Vem! com a asa de um beijo a boca palpitando,
No alvoroço febril de um pássaro cantando,
Vem dar-me a extrema-unção do teu amor num beijo.
Sonetos
2370 resultadosPoveiro
Poveirinhos! meus velhos pescadores!
Na Agoa quizera com vocês morar:
Trazer o lindo gorro de trez cores,
Mestre da lancha Deixem-nos passar!Far-me-ia outro, que os vossos interiores
De ha tantos tempos, devem já estar
Calafetados pelo breu das dores,
Como esses pongos em que andaes no mar!Ó meu Pae, não ser eu dos poveirinhos!
Não seres tu, para eu o ser, poveiro,
Mail-Irmão do «Senhor de Mattozinhos»!No alto mar, ás trovoadas, entre gritos,
Promettermos, si o barco fôri intieiro,
Nossa bela á Sinhora dos Afflictos!
Anoitecer
Ficou o céu descorado…
E a Noite, que se avizinha,
Vem descendo ao povoado,
Como trôpega velhinha.Para a guiar com cuidado
Veio-lhe ao encontro a Tardinha,
Não fosse a Noite sozinha
Perder-se em caminho errado.Vão as duas caminhando…
E como o Sol já não arde,
Para o caminho ir mostrandoA primeira estrela brilha…
Então diz a Noite à Tarde:
– Vai-te deitar minha filha.
IV
Como a floresta secular, sombria,
Virgem do passo humano e do machado,
Onde apenas, horrendo, ecoa o brado
Do tigre, e cuja agreste ramariaNão atravessa nunca a luz do dia,
Assim também, da luz do amor privado,
Tinhas o coração ermo e fechado,
Como a floresta secular, sombria…Hoje, entre os ramos, a canção sonora
Soltam festivamente os passarinhos.
Tinge o cimo das árvores a aurora…Palpitam flores, estremecem ninhos, . .
E o sol do amor, que não entrava outrora,
Entra dourando a areia dos caminhos.
Senhora Minha, Se A Fortuna Imiga
Senhora minha, se a Fortuna imiga,
que em minha fim com todo o Céu conspira,
os olhos meus de ver os vossos tira,
porque em mais graves casos me persiga;comigo levo esta alma, que se obriga,
na mor pressa de mar, de fogo, de ira,
a dar vos a memória, que suspira,
só por fazer convosco eterna liga.Nest’alma, onde a Fortuna pode pouco,
tão viva vos terei, que frio e fome
vos não possam tirar, nem vãos perigos.Antes co som da voz, trémulo e rouco,
bradando por vós, só com vosso nome
farei fugir os ventos e os imigos.
Assim Seja!
Fecha os olhos e morre calmamente!
Morre sereno do Sever cumprido!
Nem o mais leve, nem um só gemido
Traia, sequer, o teu Sentir latente.Morre com alma leal, clarividente,
Da crença errando no Vergel florido
E o Pensamento pelos céus, brandido
Como um gládio soberbo e refulgente.Vai abrindo sacrário por sacrário
Do teu sonho no Templo imaginário,
Na hora glacial da negra Morte imensa…Morre com o teu Dever! Na alta confiança
De quem triunfou e sabe que descansa
Desdenhando de toda a Recompensa!
Amor um Mal que Falta quando Cresce
Aquela fera humana que enriquece
A sua presunçosa tirania
Destas minhas entranhas, onde cria
Amor um mal que falta quando cresce;Se nela o Céu mostrou (como parece)
Quanto mostrar ao mundo pretendia,
Porque de minha vida se injuria?
Porque de minha morte se enobrece?Ora, enfim, sublimai vossa vitória,
Senhora, com vencer-me e cativar-me;
Fazei dela no mundo larga história.Pois, por mais que vos veja atormentar-me,
Já me fico logrando desta glória
De ver que tendes tanta de matar-me.
Ó Virgens!
Ó virgens que passaes, ao sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente
Que me transporte ao meu perdido lar…Cantae-me, n’essa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formozura, o luar!Cantae! cantae as limpidas cantigas!
Das ruinas do meu lar desatterrae
Todas aquellas illuzões antigasQue eu vi morrer n’um sonho, como um ai…
Ó suaves e frescas raparigas;
Adormecei-me n’essa voz… Cantae!
Lassidão
Ah, por favor, doçura, doçura, doçura!
Acalma esses arroubos febris, minha bela.
Mesmo em grandes folguedos, a amante só deve
Mostrar o abandono calmo da irmã pura.Sê lânguida, adormece-me com os teus afagos,
Iguais aos teus suspiros e ao olhar que embala.
O abraço do ciúme, o espasmo impaciente
Não valem um só beijo, mesmo quando mente!Mas dizes-me, criança, em teu coração de ouro
A paixão mais selvagem toca o seu clarim!…
Deixa-a trombetear à vontade, a impostora!Chega essa testa à minha, a mão também, assim,
E faz-me juramentos pra amanhã quebrares,
Chorando até ser dia, impetuosa amada!Tradução de Fernando Pinto do Amaral
Magro, de Olhos azuis, Carão Moreno
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.
Soneto 345 Caetânico
Arauto da verdade tropical,
cantou nomes de nomes, como Arrigo,
Jacinto Pinto Aquino Rego, digo,
Mattoso, Matos, Tons, Tins, Bens, e tal.Propôs orientar o carnaval,
e a nave conseguiu singrar consigo.
Tratou de igual pra igual o joio e o trigo.
Juntou sopa com mel, mamão com sal.Aos probos proibiu de proibir.
Aos pobres deu licença de brilhar.
Bebeu da juventude um elixir.Tem mais caetanidade em caetanar
que aos outros antropônimos ser Sir.
Seu Zé não é Caetano, uns nunca é par.
O Anjo Da Redenção
Soberbo, branco, etereamente puro,
Na mão de neve um grande facho aceso,
Nas nevroses astrais dos sóis surpreso,
Das trevas deslumbrando o caos escuro.Portas de bronze e pedra, o horrendo muro
Da masmorra mortal onde estás preso
Desce, penetra o Arcanjo branco, ileso
Do ódio bifronte, torso, torvo e duro.Maravilhas nos olhos e prodígios
Nos olhos, chega dos azuis litígios
Desce à tua caverna de bandido.E sereno, agitando o estranho facho,
Põe-te aos pés e a cabeça, de alto a baixo,
Auréolas imortais de Redimido!
Soneto VII
No Rio Eufrate[s], ua erva, ou flor se cria
Que c’o Sol sobre as águas aparece,
E dentro se recolhe e se entristece
Quando no largo mar se esconde o dia.À vista de meu Sol ledo me via
Fora do rio, que dos olhos crece;
Agora que meu Sol não me amanhece,
Entre lágrimas vivo em noite fria.Mas desta flor o triste estado é breve,
Trás noite manhã tem; ai de quem chora
Contando noites, sem que um dia conte.O Sol já por milagre quedo esteve:
Também parou meu Sol, mas parou fora,
Para noite sem fim de meu Horizonte.
Crepúsculo
Teus olhos, borboletas de oiro, ardentes
Batendo as asas leves, irisadas,
Poisam nos meus, suaves e cansadas
Como em dois lírios roxos e dolentes…E os lírios fecham… Meu Amor, não sentes?
Minha boca tem rosas desmaiadas,
E as minhas pobres mãos são maceradas
Como vagas saudades de doentes…O Silêncio abre as mãos… entorna rosas…
Andam no ar carícias vaporosas
Como pálidas sedas, arrastando…E a tua boca rubra ao pé da minha
É na suavidade da tardinha
Um coração ardente palpitando…
Independência
Recuso-me a aceitar o que me derem.
Recuso-me às verdades acabadas;
recuso-me, também, às que tiverem
pousadas no sem-fim as sete espadas.Recuso-me às espadas que não ferem
e às que ferem por não serem dadas.
Recuso-me aos eus-próprios que vierem
e às almas que já foram conquistadas.Recuso-me a estar lúcido ou comprado
e a estar sozinho ou estar acompanhado.
Recuso-me a morrer. Recuso a vida.Recuso-me à inocência e ao pecado
como a ser livre ou ser predestinado.
Recuso tudo, ó Terra dividida!
Eu Não Lastimo O Próximo Perigo
Eu não lastimo o próximo perigo,
Uma escura prisão, estreita e forte;
Lastimo os caros filhos, a consorte,
A perda irreparável de um amigo.A prisão não lastimo, outra vez digo,
nem o ver iminente o duro corte,
que é ventura também achar a morte
quando a vida só serve de castigo.Ah, quão depressa então acabar vira
este enredo, este sonho, esta quimera,
que passa por verdade e é mentira!Se filhos, se consorte não tivera
e do amigo as virtudes possuíra,
um momento de vida eu não quisera.
O ferido Sem Ter Cura Perecia
O Ferido sem ter cura perecia
o forte e duro Télefo temido,
por aquele que n’água foi metido,
a quem ferro nenhum cortar podia.Ao Apolíneo Oráculo pedia
conselho para ser restituído;
respondeu que tornasse a ser ferido
por quem o já ferira, e sararia.Assi, Senhora, quer minha ventura
que, ferido de ver vos, claramente
com vos tornar a ver Amor me cura.Mas é tão doce vossa fermosura,
que fico como hidrópico doente,
que co beber lhe cresce mor secura.
Natureza
Aos Poetas
Tudo por ti resplende e se constela,
Tudo por ti, suavíssimo, flameja;
És o pulmão da racional peleja,
Sempre viril, consoladora e bela.Teu coração de pérolas se estrela,
E o bom falerno dás a quem deseja
Vigor, saúde a crença que floreja,
Que as expansões do cérebro revela.Toda essa luz que bebe-se de um hausto
Nos livros sãos, todo esse enorme fausto
Vem das verduras brandas que reluzem!Esse da idéia esplêndido eletrismo,
O forte, o grande, audaz psicologismo,
Os organismos naturais produzem…
Soneto do Cativo
Se é sem dúvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção;o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas histórias
do que os outros dirão ou não dirão;se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar nos lençóis a mais sombria
razão de encantamento e de desprezo;não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!
Obrigada!
A Nininha Andrade
… E tu rezas por mim! Como agradeço
Essa esmola gentil de teu carinho…
Como as torturas de minh’alma esqueço
Nessa tua oração, floco de arminho!Eu te bendigo, ó santa que estremeço,
Alma tão pura como a flor do linho.
É tua prece à mágoa que padeço
Asa de pomba defendendo um ninho!Reza, criança! Junta as mãos nevadas
E cerra as níveas pálpebras amadas
Sobre os teus olhos como um lindo véu…Depois, nas asas de uma prece ardente,
Deixa cantar minh’alma docemente,
Deixa subir meu coração ao céu!